Sobre o Sistema de Amortização Linear Crescente

AutorClovis Jose Daudt Lyra Darrigue de Faro
CargoProfessor da Escola Brasileira de Economia e Financ¸as, EPGE/FGV, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

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Sobre o Sistema de Amortização Linear Crescente

(On the Linearly Increasing System of Amortization)

Clovis José Daudt Lyra Darrigue de Faro*

Resumo

Colimando compatibilizar a questão de risco de inadimplência com a capacidade de pagamento do mutuário, Jorge Oscar de Mello Flôres propôs ao então gestor do Sistema Financeiro de Habitação, o Banco Nacional de Habitação, o que denominou de Sistema de Amortização Linear Crescente (SALC). Com fulcro em uma análise crítica do SALC,é proposta a alternativa que se denominou de Sistema Generalizado de Amortização Mista (SGAM).

Palavras-chave: matemática financeira; sistemas de amortização; sistema financeiro da habitação.

Código JEL: C6.

Abstract

Aiming to reach a compromise solution to the issues of default risk and the payment capacity of takers of housing loans, Jorge Oscar de Mello Flôres submitted to the Banco Nacional de Habitação, which was then in charge of the Brazilian System of Housing Financing, what he named as the Linearly Increasing System of Amortization (LISA). Following a critical analysis of the LISA, it is proposed the alternative named as the Generalyzed System of Mixed Amortization (GSMA).

Keywords: mathematics of finance; amortization systems; mortgage financing.

Artigo convidado. Aceito em 7 de dezembro de 2013. Publicado on-line em 17 de março de 2014.

*Professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças - EPGE/FGV, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: clovis.faro@fgv.br

Rev. Bras. Finanças (Online), Rio de Janeiro, Vol. 11, No. 4, December 2013, pp. 559–576 ISSN 1679-0731, ISSN online 1984-5146

c
[circlecopyrt]2013 Sociedade Brasileira de Finanças, under a Creative Commons Attribution 3.0 license -http://creativecommons.org/licenses/by/3.0

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Faro, C.

1. Introdução

Ao longo de sua trajetória, com duração de pouco mais de 20 anos, o Banco Nacional de Habitação (BNH), criado em 1964 e extinto em 1986, foi oórgão gestor do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Naquele espaço de tempo, em que vivíamos em um ambiente de altas taxas de inflação, o BNH foi pródigo em estabelecer distintas sistemáticas para os planos de financiamento para aquisição da casa própria.1Assim, tendo proposto diversos mecanismos de indexação (correção monetária) dos contratos, inclusive os financeiramente inconsistentes Planos A e C, que embutiam a possibilidade de eternização do débito, além do criativo, mas problemático, Plano de Equivalência Salarial (PES), que resultou em elevados passivos para o chamado Fundo de Compensação de Variaçôes Salariais (FCVS),2 o BNH veio também a instituir distintos planos básicos de amortização. Tendo começado com o tradicional Sistema de Prestaçôes Constantes, vulgarmente conhecido como Tabela Price (TP), o BNH introduziu, em 1971, o Sistema de Amortizaçôes Constantes (SAC), o chamado Sistema de Amortização Mista (SAM), em 1979 e que nada mais é do que uma combinação do SAC com a TP e, em 1984, o exótico Sistema Misto de Amortização com Prestaçôes Reais Crescentes (SIMC).

Partindo da TP, a motivação fundamental para a criação dos novos planos básicos de amortização foi a de buscar compatibilizar o risco de inadimplência com a capacidade de pagamento do mutuário. Com a introdução do SAC, onde as prestaçôes são decrescentes segundo uma progressão aritmética, buscou-se diminuir o risco de inadimplência. Em contrapartida, como, em igualdade de condiçôes quanto ao valor do financiamento, do prazo e da taxa de juros, o SAC exige um comprometimento de renda significativamente superior ao caso de adoção da TP (por exemplo, no caso do prazo de 10 anos, com prestaçôes mensais e taxa de juros de 1% a.m., a primeira prestação no caso do SACé 29,61% superiorà referente a TP), mutuários com renda suficiente para contratar financiamentos habitacionais no caso de adoção da TP, ficavam impossibilitados de fazê-lo no caso do SAC. Tal fato provocou protestos por parte de empresários do setor imobiliário. Exatamente por isto, com o objetivo de levar em conta as duas componentes da questão,é que foi adotada a solução salomônica do SAM (segundo o qual tudo se passa como se metade do valor financiado fosse de

1Uma análise abrangente da atuação do BNHé apresentada em de Faro (1992).

2A propósito, veja-se Albuquerque (1986) e de Faro (1991)

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acordo com o SAC, com a outra metade sendo financiada segundo a TP).

Alternativamenteà adoção do SAM, e com o mesmo propósito de compatibilizar as características do SAC e da TP, Jorge Oscar de Mello Flôres, então Presidente da Sul América Capitalização e Vice-Presidente do Conselho Diretor da Fundação Getulio Vargas (instituição da qual veio a tornar-se Presidente em 1992), sugeriu o que denominou de Sistema de Amortização Linear Crescente (SALC). Tendo, segundo suas próprias palavras, submetido-o ao escrutínio do BNH e por este não levado em consideração, veio a publicar seus fundamentos, juntamente com outras sugestôes, em 1988.3Concentrando atenção nas propriedades básicas do SALC,que também podemos denominar Método Flôres, sem preocupaçôes quanto a aspectos de indexação, o propósito básico do presente artigoé o de, generalizando a contribuição de Mello Flôres, apresentar uma comparação mais aprofundada com os casos da TP e do SAC. Subsidiariamente,apresenta-se como alternativa o que pode ser denominado de Sistema Generalizado de Amortização Mista (SGAM).

2. Características Básicas do Sistema de Amortizaçôes em Progressão Aritmética (SPA)

Seja o caso do financiamento de F unidades de capital, que deve ser resgatado pelo pagamento de n prestaçôes periódicas e postecipadas, considerada a taxa efetiva i de juros por período. Com a primeira prestação sendo devida um período após a data de concessão do financiamento.

Preliminarmente, o que terá cunho geral para todos os sistemas de amortização aqui estudados, denotando por pk a k-ésima prestação, k = 1, 2, ..., n, iremos decompô-la em duas componentes: uma de juros, Jk, e a

outra de amortização, Ak. Ou seja:

pk = Jk + Ak, k = 1, 2, ..., n (1)

com, supondo que não haja prestação em atraso

i.F, k = 1

i.Sk1 = i

3Flôres (1988).

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F −

k− 1

Pl=1


Al

Jk =

  

 

, k = 2, 3, ..., n (2)

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onde Sk, para k = 1, 2, ..., n, denota o saldo devedor logo após o pagamento da k-ésima prestação; sendo que S0 = F .

Em qualquer dos sistemas aqui considerados, todas as parcelas de amortização serão supostasestritamente positivas, com suas respectivas somas sendo igual ao valor financiado F (do que decorre que Sn = 0).

Como detalhado em outro trabalho,4 as condiçôes precedentes implicam na validade da relação de equivalência financeira dada por:

n

Xk=1 pk(1 + i)k = F (3)

o que significa que esteja sendo considerado o regime de juros compostos, mas sem que ocorra o que, no jargão jurídico, se denomina de anatocismo.

Admitindo agora que tenha sido estipulado que as parcelas de amortização formem uma progressão aritmética, suponha-se que:

A1 = F/n, 0

onde as restriçôes para o parâmetro decorrem da hipótese de que, no caso aqui de interesse, todas as n parcelas de amortização sejam estritamente positivas.

Denotando por R a razão da progressão aritmética, tem-se que:

Ak = F/n + (k − 1)R, k = 1, 2, ..., n (4’)

Logo, dado que

n

Xk=1

Ak = (A1 + An)n/2 = {2A1 + (n − 1)R} n/2 = F (5)

R = 2(1 − )F/ {n(n − 1)} (6)

Por conseguinte, as parcelas de amortização serão crescentes se 1. Enquanto o primeiro caso corresponde ao SALC, tal como proposto por Flôres, se = 1 recai-se no SAC.

Como p1 = A1+J1 = F ( /n+i) e estamos interessados em comparar o sistema em questão com a TP, onde a primeira parcela de amortização

4de Faro (2013, pp.283-295)

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decorre que

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é igual a i.F/ {(1 + i)n − 1}, e com o SAC, que, como já mencionado, corresponde ao caso onde = 1 e as parcelas de amortização são todas iguais a F/n, a questão do comprometimento da renda do mutuário implica em que o caso de maior interesseé aquele em que:

¯

= n.i/ {(1 + i)n − 1} (7)

Por outro lado, se admitirmos o caso onde > 1, quando R

An = A1 + (n − 1)R = F { + 2(1 − )} /n > 0 )

2.1 Evoluçôes do saldo devedor e dos juros contábeis

Temos que

Sk = F −

do que decorre que:

1 − [(n. − 1)k + (1 − )k2]/[n(n − 1)]

, k = 0, 1, 2, ..., n
(9)

Conquanto o fato de que todas as parcelas amortização sejam estritamente positivas implique em que, trivialmente, seja estritamente decrescente o saldo devedor, não podemos inferir diretamente sua convexidade. Para tanto, tratando k como uma variável contínua, observe-se que:

@2Sk

@k2 = −2(1 − )F/ {n(n − 1)} (10) Ou seja, Sk decresce segundo uma função convexa, se > 1; decrescendo segundo uma função côncava, se

Neste ponto, comparativamente aos casos da TP, onde sabemos5 que o saldo devedor decresce segundo uma função côncava, e do SAC, onde o saldo devedoré linearmente decrescente, e que, em cada um dos três...

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