Teoria instrumental

AutorMaria De Nazareth Serpa
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito pela UFMG
Páginas339-388
1 - PRESUNÇÕES E PRINCÍPIOS DA
MEDIAÇÃO DE CONFLITOS DE FAMÍLIA
Introdução
Mediar em família não signica submeter-se a nenhuma estrutura legal
substantiva ou processual pré-existente. Os recursos técnicos responsáveis
pelo sucesso da mediação no mundo da resolução de conitos originam-se,
antes de tudo, de presunções orientadas para um processo não adversarial e
princípios que estabelecem autonomia da vontade, longe da intervenção es-
tatal. Desses dois parâmetros derivam todos os conceitos que norteiam a me-
diação. Ainda que o processo propriamente dito, por ser de interesse público,
seja oferecido através do sistema judiciário, permanece à margem de qualquer
estrutura legal.
Uma análise crítica do processo de mediação familiar, nos momentos e
degraus propostos neste trabalho, leva-nos a perceber a pertinência de deter-
minadas presunções. Ao lado disso, o caminho percorrido na resolução das
questões em conitos interpessoais, entre membros de uma família, inicia-se
pelo acatamento daqueles princípios, alguns conceitos básicos e, sobretudo,
organizado à guisa dessas presunções.
É preciso entender que, preliminarmente, mediar signica negociar, com
intervenção neutra. Não vale a antiga presunção de que cônjuges em processo
de separação são adversários e que suas questões só podem ser resolvidas pela
aplicação de leis, através de intervenção com poder decisório. Não tem gua-
rida no processo mediador. O processo baseia-se no livre arbítrio das partes,
e consubstancia-se por elementos subjetivos. Daí entender-se a aplicação dos
Capítulo II
TEORIA INSTRUMENTAL
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MARIA DE NAZARETH SERPA
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princípios gerais de voluntariedade, conabilidade e auto determinação das
partes. O processo dá-se mediante a vontade das partes, sua conança no me-
diador e o poder decisório, quanto às suas questões em disputa. Na mediação,
as partes têm de aceitar, antes de mais nada, o processo de negociação direta.
Não há mediação sem negociação voluntária, porque é da voluntariedade que
vem a autonomia das partes para barganhar e, consequentemente, chegar ao
acordo. Também não há mediação sem a conabilidade de que o interventor
poderá levar as partes à resolução do conito, não só pela sua neutralidade e
imparcialidade quanto às partes envolvidas e às questões, mas pelo seu conhe-
cimento técnico e sua experiência. Um juiz não é escolhido pelas partes, mas
o mediador sim.
Mas esse não é o ponto de partida. Para que a mediação tenha guarida no
mundo da resolução de disputas, desenvolve seus conceitos baseada em algu-
mas outras presunções.
As presunções, e poderíamos mesmo dizer pressupostos, muito embora se
apliquem aos conitos de um modo geral, mais claramente
podem ser entendidas dentro do processo mediador familiar. Nestes con-
itos as questões envolvem-se, mais visivelmente, dentro de estruturas psico-
lógicas e comportam soluções muito mais variadas, visto emergirem da per-
sonalidade dos envolvidos e das circunstâncias de cada caso. Ter-se-ia, como
exemplo comparativo, a barganha em torno do pagamento devido por uma
mercadoria, que invariavelmente chega a uma cifra, e a discussão em torno
da guarda de um lho. O que legitima o pagamento são as circunstâncias ob-
jetivas da obrigação, enquanto a legitimidade para a guarda envolve aspectos
subjetivos muito mais complexos.
1.1 Presunção do benefício
Em primeiro lugar, a presunção do benefício. Segundo este, todas as partes
envolvidas num conito podem se beneciar de soluções criativas, originárias
na própria vontade, dentro do processo de negociação. Na mediação aplica-se
o principle negotiation e a win/win situation.
1.2 Presunção da possibilidade
Em segundo lugar, no âmbito de mediação, presume-se que não existam
disputas, como conitos declarados interpessoalmente, que não possam ser
resolvidas de forma pacíca. É a presunção da universalidade da mediação.
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MEDIAÇÃO – Uma solução judiciosa para conf‌litos
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Não existe disputa que não possa ser mediada. Mesmo que ocorra um impasse,
não signica que a mediação tenha sido inadequada, e sim que aquela media-
ção, em termos de imediata resolução, não esgotou todos os aspectos do coni-
to, e que algum elemento de sua estrutura impossibilitou a movimentação das
partes rumo ao acordo naquele momento. Haverá sempre um outro momento
em que o conito poderá chegar a termo através da mediação.
1.3 Presunção do interesse
Presume-se também que, basicamente, as partes sempre têm interesse em
fazer um acordo. É a presunção do interesse. As razões têm fundamento em es-
tudos losócos e de psicologia sobre a natureza dual da disputa que, como tal,
gera a necessidade de resolução, em qualquer circunstância, dada à instabilida-
de e à insegurança que gera às partes envolvidas. O acordo tem por natureza a
unidade. A dualidade e a luta de posições por se manifestar e fazer valer, como
foi visto, gera uma situação de desconforto. Cônjuges e processo de separação,
por exemplo, buscam advogados para solucionar um conito e de antemão
sabem que o acordo é o menor caminho, daí o seu interesse. Temem muito
mais pela possível reação do outro cônjuge, que pode polarizar ainda mais a si-
tuação, do que pelo resultado do litígio. A mediação, com base nesse patamar,
pode engendrar o clima de estabilidade que propicia a negociação, na medida
em que saneia a área de comunicação entre as partes e facilita o entendimento.
1.4 Presunção da credibilidade
O advogado que atua como mediador tem a credibilidade das partes. Estas
acreditam que ele tenha “poder” para fazer o vácuo entre as posições, para
possibilitar a manifestação de cada um. As vezes, até por desconhecimento do
processo, imaginam que ele possa dar uma decisão. Conam que o mediador
seja a peça chave apta para desencadear o processo de unicação.
1.5 Presunção da continuidade
Em terceiro lugar, num momento seguinte ao da negociação, existe a pre-
sunção de que, a despeito das ameaças eventualmente proferidas à mesa de ne-
gociação, nenhuma parte realmente quer uma interrupção prolongada do pro-
cesso, que arrefeceria o calor da negociação, nem certamente deseja o impasse.
É a presunção da continuidade da mediação. Isso é que sustenta o movimento
negociador rumo à satisfação de seus interesses. Assim sendo, o mediador in-
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