Teorias da federação e a evolução do federalismo fiscal no do Brasil (1889-2014)

AutorFabrício Augusto de Oliveira
Páginas147-269
147
1. Estado unitário e federalismo
Um país pode organizar politicamente o seu território sob a for-
ma de um Estado unitário, em que as decisões de ordem político-econô-
mica promanam de um poder centralizado, ou sob a forma de um Es-
tado federativo, no qual as diferentes esferas da administração pública –
federal, estadual, municipal, províncias etc. – são dotadas de certa auto-
nomia e competência para legislar sobre assuntos de seu interesse. A
opção por uma ou outra dessas formas de organização depende das
condições específicas de cada país e não podem, por isso, ser considera-
das como substituíveis entre si.
Países em que predominam condições homogêneas das regiões
que o integram e também de sua população em diversas áreas e campos –
étnico, religioso, cultural, econômico etc. – não se defrontam com a
presença de forças centrífugas relevantes (descentralizantes) que colo-
quem em risco a unidade nacional/territorial, não existindo, nesse caso,
a necessidade de mecanismos para acomodar tensões/conflitos, visan-
do garantir a formação/organização do Estado nacional, podendo este
se organizar, politicamente, de forma unitária, com centralização do
poder. Em tais contextos não há lugar, pelas suas características, para
um sistema federativo.
Contrariamente, em contextos marcados por pluralidades territo-
riais e diversidades de natureza econômica, étnico-linguística, religiosa
etc., e nos quais são fortes as forças centrífugas (descentralizantes) que
atuam para preservar autonomia e identidades regionais, o federalismo
aparece como a melhor forma de organização para garantir, por meio
da distribuição do poder político territorial, as condições necessárias para
148
FABRÍCIO AUGUSTO DE OLIVEIRA
a construção da unidade e do Estado nacional. Nesse caso, é ele que
representa a melhor resposta para acomodar as divergências existentes,
garantir o equilíbrio entre as forças centrípetas (centralizantes) e centrí-
fugas (descentralizantes) e assegurar a unidade nacional.
Como na fórmula consagrada por Montesquieu de dividir o poder
do Estado entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário para preservar
sua existência como instrumento de organização da sociedade, o
federalismo contempla a divisão do poder territorial entre uma esfera
central, que constitui o governo federal, e outra descentralizada, que
abriga os governos ou estados-membros, para unir e assegurar a formação/
organização do Estado nacional em países marcados por grandes
heterogeneidades. Pode ser definido, assim, como uma forma de orga-
nização do Estado nacional caracterizada pela dupla autonomia territorial
do poder político.
O fato do poder tanto político quanto econômico se encontrar
centralizado no Estado unitário não faz deste um regime antidemocrático
ou autoritário, assim como a sua descentralização nas federações não
representa nenhuma garantia de democracia. Como bem anota Soares
“o regime político nesses [...] estados pode ser democrático ou autori-
tário – ou totalitário, se considerarmos este uma terceira forma de regi-
me político e não uma variação do autoritarismo”.77 Para essa autora, o
que define “a condição democrática ou não de um Estado é a vigência
ou não de soberania popular [entendida como a possibilidade e liberda-
de na escolha do governante, por meio de eleições livres]”,78 o que é
muito distinto da distribuição territorial do poder político. Assim, tanto
o Estado unitário quanto o federativo podem ter um ou outro regime
político, não se podendo associá-los diretamente com democracia ou
autoritarismo/totalitarismo.
77 SOARES, M. M. Teoria do sistema federal: heterogeneidades territoriais, democracia
e instituições políticas. 1997. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Ciências
Políticas da Universidade Federal de Minas Geras, Belo Horizonte, 1997, p. 38.
78 SOARES, M. M. Teoria do sistema federal: heterogeneidades territoriais, democracia
e instituições políticas. 1997. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Ciências
Políticas da Universidade Federal de Minas Geras, Belo Horizonte, 1997, p. 38.
149
PARTE II - TEORIAS DA FEDERAÇÃO E A EVOLUÇÃO...
Mas se essa associação não é possível, podendo a democracia e o
autoritarismo vicejar tanto no Estado unitário como no federalismo,
Soares79 conclui que o último depende, para sustentar-se, do regime
democrático, não existindo fora dele, a menos que se queira falar em
federalismos autoritários, o que seria um contrassenso, pois representaria a
negação de seus atributos e características. Isso se explica porque o fe-
deralismo é a expressão de um pacto que se estabelece entre forças e
interesses divergentes, o qual só pode ser mantido e vigorar num regime
democrático. Quando este pacto se desfaz e as forças que passam a deter
o poder procuram impor sua vontade sobre as demais que dele partici-
pam, desfazem-se também as condições que o sustentam, desmontando
suas bases. É o que se procura esclarecer em seguida.
2. Origem, essência e bases do federalismo
2.1 Origem e essência
Segundo Camargo80 “a palavra foedus, que é a origem do termo
‘federação’ significa pacto, entendimento, negociação baseada na fide-
lidade e na confiança”.
A origem da “federação” remonta à experiência da luta pela in-
dependência dos EUA, que uniu as treze colônias que integravam seu
território contra a dominação inglesa. Embora cada uma dessas colônias
fosse dotada de forte identidade territorial e tivessem desenvolvido e
cultivado interesses e valores que não eram comuns entre elas, a luta
contra o mesmo inimigo fez com que se unissem e se organizassem,
formando uma Confederação em 1778. Todavia, considerada uma for-
ma de organização política territorial, a Confederação, pela frouxidão
dos laços que unem os interesses – às vezes, imediatistas e realizados
entre seus membros através de pactos contratuais, como militares, por
79 SOARES, M. M. Teoria do sistema federal: heterogeneidades territoriais, democracia
e instituições políticas. 1997. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Ciências
Políticas da Universidade Federal de Minas Geras, Belo Horizonte, 1997, p. 39.
80 CAMARGO, A. A Reforma-Mater: riscos (e os custos) do federalismo incompleto.
Parcerias Estratégicas, Brasília, vol. 4, n. 6, mar. 1999, p. 82.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT