The expected return of COEs/ O retorno esperado dos COEs.

AutorBitu, Otavio
  1. Introducao

    Os certificados de operacoes estruturadas, COEs, sao produtos financeiros complexos distribuidos em grande escala entre investidores de varejo no Brasil. Em geral, o COE e um produto com um prazo de vencimento que varia entre um e cinco anos, cujo retorno depende de uma serie de condicoes definidas em torno dos ativos subjacentes. Apesar de informacoes sobre as condicoes e retomos dos diversos cenarios serem divulgadas, as probabilidades de cada cenario nao sao. Isto significa que o investidor do COE precisa inferir, por conta propria, qual o retorno esperado do produto. No entanto essa conta e muito complexa para ser feita pelo investidor de varejo tipico. Neste estudo, calculamos o retorno esperado de 284 COEs distribuidos entre 2016 e 2020.

    A falta de informacao sobre o retorno esperado para seus compradores contrasta, por exemplo, com os titulos de renda fixa--que sao justamente os produtos financeiros aos quais o investidor de varejo esta mais habituado e com os quais os COEs sao frequentemente equiparados. (1) O retorno esperado de um titulo de renda fixa prefixado e conhecido no momento da aplicacao. Mesmo no caso dos titulos de renda fixa pos-fixados, o indexador de rentabilidade costuma ser uma serie conhecida do investidor de varejo.

    A selecao dos 284 COEs analisados se deu do seguinte modo. Primeiro, de um total de mais de 59 mil COEs distribuidos entre 2016 e 2019 no Brasil, selecionamos os 50 com maior volume de captacao entre os que foram adquiridos por pelo menos 100 individuos diferentes. Para fazer esse filtro, utilizamos um banco de dados disponibilizado pela CVM para este estudo. (2) Segundo, coletamos informacao sobre 234 COEs distribuidos por uma grande corretora entre os anos de 2019 e 2020, para os quais as respectivas laminas estavam disponiveis na internet.

    Para cada um desses 284 COEs, estimamos as probabilidades de cada cenario de remuneracao por meio de simulacoes de Monte Carlo. A partir dessas probabilidades, calculamos entao o retorno esperado de cada COE. O resultado e desanimador. Dos 284 COEs, 252 apresentavam, no momento de suas vendas, um retorno esperado inferior a taxa livre de risco disponivel. Ou seja, o comprador de um COE tipico investiu seu dinheiro em um produto iliquido, sem garantia de credito (COEs nao tem cobertura do Fundo Garantidor de Credito) e com retorno esperado abaixo do que poderia ser obtido no Tesouro Direto.

    A crescente popularidade dos COEs entre investidores de varejo chama a atencao. Os primeiros COEs foram distribuidos apenas em 2014, e a instrucao CVM No 569 que estabelece criterios para a sua distribuicao e recente, de outubro de 2015. (3) Atualmente, o estoque investido em COEs supera a marca dos 20 bilhoes de reais. Esse valor e praticamente um terco do total investido em titulos publicos na plataforma do Tesouro Direto (62 bilhoes de reais em agosto de 2020), sendo que essa plataforma existe desde 2002. Entre 2016 e 2019, 395.427 pessoas compraram ao menos um COE.

    E bem possivel que a grande maioria desses investidores tenha decidido comprar um COE sem saber qual era seu retorno esperado. Ha evidencia de que a complexidade desses produtos estruturados e utilizada pelos emissores para atrair compradores desavisados e, ao mesmo tempo, produzir produtos com mark-up elevados para bancos e distribuidores. Em um influente artigo publicado recentemente, Celerier e Vallee (2017) estudaram um grande numero de produtos estruturados vendidos a pessoas fisicas na Europa entre 2002 e 2010, e concluiram que quanto mais complexo o produto, pior era o retorno esperado para o investidor e maior o mark-up para o emissor. Alem disso, os autores sugerem que a complexidade do produto era utilizada para tornar o produto aparentemente mais atrativo para o investidor desinformado.

    A literatura sobre a indicacao e venda de produtos financeiros ruins para clientes de varejo vem crescendo. Alem de Celerier e Vallee (2017), Egan (2019) analisa a venda de convertible bonds com grandes sobre-precos por corretoras para seus clientes. Egan et al. (2019) estudam a ocorrencia de misconduct entre assessores de investimento. Chalmers e Reuter (2020) estudam os conflitos de interesses de assessores de investimentos. De fato, de acordo com Zingales (2015), "Our task is to use our research and teaching to curb the rent-seeking dimension of finance. We should use our research to challenge existing practices in finance and blow the whistle on what does not work. We should be watchdogs of the financial industry."

    O presente artigo esta dividido da seguinte forma. Na secao 2 apresentamos algumas estatisticas gerais sobre os COEs no Brasil. Na secao 3 detalhamos a performance esperada de 284 COEs distribuidos nos ultimos anos. Por fim, na secao 4 concluimos.

  2. Os Certificados de Operacoes Estruturadas no Brasil

    O volume investido em COEs tem crescido rapidamente desde 2014, ano em que comecaram a serem distribuidos. De acordo com dados disponiveis no site da B3 (4) reproduzidos na Figura 1, em poucos anos o estoque total superou 20 bilhoes de reais. Como referencia, esse valor e praticamente um terco do valor investido em todos os titulos publicos disponiveis na plataforma do Tesouro Direto, criado em 2002--o estoque total investido na plataforma do Tesouro Direto era de 62 bilhoes em julho 2020. (5)

    A seguir apresentamos mais detalhes sobre os COEs que foram distribuidos para pessoas fisicas durante os anos de 2016 e 2019 utilizando a base de dados disponibilizada pela CVM para tanto.

    De acordo com a Tabela 1, 59.140 COEs diferentes foram adquiridos por investidores pessoas fisicas entre 2016 e 2019. O ano de 2016 teve o maior numero de COEs, 27.113, seguido pelo ano de 2017, com 11.490, 2018, com 10.598, e 2019, com 9.939. Apesar da queda no numero de COEs, o volume captado se manteve relativamente estavel. O ano com o maior volume captado foi 2018, com 9,8 bilhoes, seguido por 2017, com 8,2 bilhoes, e por 2019 com 7,5 bilhoes.

    O numero de pessoas que investe em COEs e grande. De acordo com a Tabela 1, 395.427 pessoas compraram ao menos um COE durante os anos 2016 e 2019. O ano de 2018 foi o ano com maior numero de pessoas, 136.532, seguido por 2019, com 105.158, 2017, com 95.346, e por 2016, com 58.391.

    A Tabela 2 mostra algumas caracteristicas desses 59.140 COEs emitidos entre 2016 e 2019. Considerando todos os anos, o volume medio captado por pessoa fisica foi 102 mil reais e o mediano 50 mil reais. O numero medio de investidores e de 10 pessoas por COE. Esse numero, no entanto, e maior nos anos mais recentes; em 2019, o numero medio de compradores por COE foi de 16 pessoas, e em 2018, 21 pessoas. O prazo maximo de duracao dos COEs--isto e, desconsiderando os exercicios intermediarios--permaneceu relativamente estavel ao longo dos anos; na media 728 dias corridos, ou aproximadamente 2 anos. Os COEs mais recentes sao praticamente todos do tipo com capital nominal protegido. Essa modalidade de COE garante a devolucao do capital investido no pior cenario (sem nenhuma correcao). Em 2018 e 2019, mais de 98% dos COEs distribuidos eram dessa modalidade, ja em 2017 eram 91%, e em 2016, 73%.

    Nas Tabelas 3 e 4, agrupamos os COEs por tipo de ativo subjacente. Ao todo, definimos 6 tipos: acoes, dolar, inflacao, juros, ouro e outros. Os COEs do tipo "acoes" foram divididos em tres subgrupos: os que seguem algum "indice" de acoes, que tem uma "cesta" especifica de ativos, ou uma "unica" acao.

    De acordo com a Tabela 3, os COEs mais frequentes sao os de acoes, 38,7% do total, seguidos pelos de inflacao, 34,6%, dolar, 13,5%, e juros, 10,6%. Nos anos mais recentes, os COEs vinculados a inflacao ficaram menos frequentes; em 2016, eram 53,6% do total, ja em 2019, apenas 14,9% do total. Por outro lado, os COEs vinculados a acoes ficaram mais frequentes; em 2016, eram 34,8% do total, ja em 2019, chegaram a 50,7% do total.

    De acordo com a Tabela 4, os COEs que mais captaram recursos foram os de acoes, 46,1% do total. Os COEs vinculados a algum indice de acoes foram responsaveis por 25,7% do volume total captado durante o periodo. Apesar do numero relativamente baixo de emissoes, os COEs vinculados a cestas de acoes captaram 17,4% do volume total durante o periodo. Essa fracao e ainda maior nos anos mais recentes. Em 2019, por exemplo, a fracao do volume total de COEs vinculados a indices de acoes chegou a 30,7%, e a fracao de COEs vinculados a cestas de acoes chegou a 18,5%.

    Na proxima secao, avaliamos o retorno esperado dos principais COEs emitidos nos ultimos anos.

  3. Retorno esperado dos COEs

    Toda decisao de investimento envolve uma analise dos riscos e retornos envolvidos. No modelo classico de alocacao de carteiras de Markowitz, o investidor maximiza o retorno esperado para dado nivel de risco do portfolio. Mesmo em casos praticos, quando o rigor do modelo classico e deixado de lado, o investidor intuitivamente espera receber um retorno maior quando o risco e maior. Em especial, e intuitivo que um investimento que nao oferece um retorno superior ao do ativo livre de risco deva ser geralmente preterido, a nao ser se tratando de um seguro.

    Desafortunadamente, o retorno esperado de cada COE nao e informado ao seu comprador. O retorno esperado de um COE e uma media dos retornos dos possiveis cenarios, ponderada pelas probabilidades de cada cenario. Em geral, os prospectos detalham as condicoes de cada cenario, assim como os retornos associados a cada cenario, mas nunca trazem as probabilidades esperadas dos cenarios. A dificil tarefa de inferir essas probabilidades fica a cargo do investidor.

    3.1 A estimacao do retorno esperado

    O retorno realizado de um COE depende das trajetorias de seus ativos subjacentes ao longo do tempo. Para calcularmos o retorno esperado do produto, devemos estimar a probabilidade de cada cenario. Simulacao de Monte Carlo e o metodo estatistico mais utilizado para se inferir essas probabilidades. No Apendice A detalhamos como utilizamos simulacoes de...

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