The Military Dictatorship in Brazil: debating the attacks on trade union autonomy and labor rights/Ditadura Militar no Brasil: debatendo os ataques a autonomia sindical e aos direitos trabalhistas.

AutorMarconsin, Cleier

Introducao

Este texto traz o debate sobre as condicoes dos direitos do trabalho durante a Ditadura Militar no Brasil, cujo golpe que a instaurou completou 50 anos em 1o de abril de 2014, e as lutas sociais que fizeram parte de seu fim. Intenciona-se, assim, contribuir, no ambito do Servico Social, para a construcao de um bloco de analise critica sobre as condicoes dos direitos do trabalho, no Brasil, tendo como foco as legislacoes trabalhista e sindical nesse periodo.

Sem a pretensao de esgotar a tematica, ao perscrutar a realidade numa perspectiva de totalidade, tendo a historia como solo vivo onde se movem as classes sociais em seus conflitos e lutas, os direitos do trabalho sao tratados, aqui, como parte intrinseca dos direitos sociais e como conquistas dos trabalhadores na sociedade capitalista em confronto com as necessidades da acumulacao monopolista, no processo mesmo de reconhecimento da questao social. Ao mesmo tempo, embora seu recorte espacial seja a sociedade brasileira, e o temporal, a Ditadura Militar, procura-se mostrar a relacao de sinergia que existe entre os direitos conquistados aqui e aqueles conquistados pelos trabalhadores dos paises capitalistas centrais, onde esse modo de producao hoje hegemonico tem origem. Ou seja, buscase entender a genese dos direitos do trabalho nos paises de origem do capitalismo, centros nervosos das revolucoes burguesas e das primeiras lutas dos trabalhadores contra a exploracao, seu espraiamento pelas sociedades perifericas que se industrializam de acordo com suas peculiaridades, enfrentando as dificuldades inerentes a luta de classes que se processam nelas, com foco no Brasil.

Com inicio ainda no seculo XIX, mas principalmente no seculo XX, o protagonismo dos trabalhadores foi fundamental para a ampliacao dos direitos de cidadania (civis e politicos) (1) a sua classe, como liberdade de reuniao, de partidos, de filiacao partidaria e outros, antes restritos aos proprietarios. Nesse mesmo caminho se deu a conquista dos direitos sociais; dentre eles, os do trabalho, contra a vontade da burguesia, que foi responsavel pela criacao daqueles referentes a cidadania, restritos a sua classe, na medida em que os trabalhadores ganharam consciencia da importancia do trabalho, na sociedade voltada para a acumulacao do capital.

Uma forma inicial e mais elementar de luta encetada pelos trabalhadores esteve voltada contra as maquinas, atraves do movimento denominado luddismo, cujo nome derivou da sua lideranca, Ned Ludd, um operario que desenvolveu essa estrategia (2), a qual foi superada pela orga nizacao sindical e adocao de outras, como a greve. Apos esse momento, a diminuicao da jornada de trabalho foi a primeira reivindicacao a ganhar corpo na sociedade do capital. De fato, se e o tempo de trabalho socialmente necessario que viabiliza a mais-valia, seja na forma absoluta, seja na forma relativa, inicialmente, as lutas pela diminuicao da jornada voltaram-se para barrar o exaurimento dos trabalhadores. Mas como a economia de forca de trabalho e central para a acumulacao capitalista, produzindo o exercito industrial de reserva, as lutas voltaram-se, da mesma maneira, para a ampliacao de postos de trabalho. Aos trabalhadores interessa limitar e encurtar a jornada de trabalho, contrapondo-se aos interesses da acumulacao em ampliar o exercito industrial de reserva. Assim, segundo Marx (1988):

A criacao de uma jornada normal de trabalho e [...] produto de uma guerra civil de longa duracao, mais ou menos oculta, entre a classe capitalista e a classe trabalhadora. Como a luta foi inaugurada no ambito da industria mais moderna, travou-se primeiro na terra natal dessa industria, na Inglaterra. (p. 227) Espraiando-se para outros paises da Europa e das Americas, para Marx (1988, p. 181), a diminuicao da jornada extensiva torna-se razao para a intensificacao do trabalho, outra forma de extracao de mais-valia absoluta, imposta pela burguesia para aumentar a produtividade. Mesmo assim, ele considera tal luta um marco na historia da producao capitalista: e "uma luta entre o capitalista coletivo, isto e, a classe dos capitalistas, e o trabalhador coletivo, ou a classe trabalhadora". Sendo um marco na luta de classes, ao longo do processo socio-historico, deu inicio, tambem, ao que Marx (1988) denomina de legislacao fabril, precursora das legislacoes trabalhistas constituidas posteriormente.

Em meados do seculo XIX, as lutas estavam acirradas e os trabalhadores tinham a reducao da jornada como centro, juntamente com outras questoes que comecaram a se colocar em funcao da ausencia total de direitos vivida pela classe trabalhadora. E verdade que a derrota das revolucoes proletarias de 1848 (3) provocou um refluxo do movimento durante longo tempo, todavia, como aponta Netto (1992, p. 51) nos anos sessenta superase o refluxo, "como o indica a Associacao Internacional dos Trabalhadores".

Inicia-se, entao, um largo processo, que so estara consolidado as vesperas da Primeira Guerra Mundial, pelo qual a classe operaria vai elaborar os seus dois principais instrumentos de intervencao sociopolitica, o sindicato e o partido proletario. Dessa forma, a partir da organizacao dos partidos e do movimento sindical--primeiro movimento social da modernidade--a ortodoxia liberal, vigente no periodo, comeca a ser questionada e os direitos sociais tem inicio de maneira mais avancada.

Para Vianna (1978, p. 6), o liberalismo foi compelido a assimilar a democracia. O autor identifica esse fenomeno porque os dois conceitos nao sao coincidentes, tanto em relacao ao "significado" quanto a "sua producao na historia do pensamento politico". As atuais democracias liberais primeiro foram liberais e, posteriormente, tornaram-se democraticas, ja que a abertura do pacto liberal deu-se por forca da acao de movimentos sociais ate entao situados fora do sistema politico. Ao tratar dessa diferenca, Dias (2006, p. 15) lembra a posicao do "teorico elitista Ortega y Gasset, em La rebelion de las massas", que assim se referia: "No seculo dezenove os liberais estavam no poder e os democratas na cadeia". Essa ideia significava que os liberais pertenciam as classes dominantes e os democratas ou pertenciam a "minoria burguesa" ou ao "proletariado organizado". Nao havia coincidencia entre liberalismo e democracia, sendo que a polarizacao intensa entre os dois sistemas comecou a se dar, ainda segundo o autor, "a partir do momento em que os subalternos nao se conformam mais em viver passivamente, mas desejam redefinir seu local na Ordem" burguesa.

Assim, o movimento que determinou uma intervencao mais incisiva do Estado, para Netto (1992, p. 31), nasceu do "novo dinamismo politico e cultural que passou a permear a sociedade burguesa [...]", mas explicitou, no processo, a confluencia de "exigencias economico-politicas proprias da idade do monopolio" com o "protagonismo politico-social das camadas de trabalhadores, especialmente o processo de lutas e de autoorganizacao da classe operaria", seja atraves de partidos, seja atraves dos sindicatos.

Tambem no Brasil, as origens historicas dos direitos trabalhistas ligam-se ao reconhecimento da questao social, fenomeno nascido das grandes transformacoes pelas quais passou a sociedade brasileira de fins do seculo XIX e inicio do XX, no bojo do complexo processo de sucessao do capitalismo concorrencial pelo monopolista, desencadeado em nivel mundial. A legislacao trabalhista e a sindical--imbricadas uma na outra--e as politicas sociais; importantes elementos que, na dinamica da luta de classes, se combinam historicamente com a repressao policial, tambem sao fruto das lutas dos trabalhadores.

Para Giannotti (2007, p. 104), a luta mais destacada dos trabalhadores brasileiros em fins do seculo XIX e inicio do XX, como em termos internacionais, foi pelas 8 horas de trabalho. Afirmativa compartilhada por Antunes (1985, p. 49--grifos nossos) para quem nos "varios Congressos Sindicais e Ope-rarios e nas inumeras manifestacoes grevistas tornaram-se constantes as rei-vindicacoes visando a melhoria salarial e a reducao da jornada de trabalho" (grifos nossos). A partir de 1890, nota-se a reducao da jornada no centro das lutas (4). Ao mesmo tempo, a busca pela organizacao sindical tornou-se uma constante entre os trabalhadores, sendo sua primeira regulacao legal aprovada em 1907. Como observa Vianna (1978, p. 50), nessa lei encontra-se o embriao da intervencao do Estado, ja que os trabalhadores eram "obrigados a registrar seus estatutos e a enviar relacao de membros de sua diretoria a reparticao competente" e a "pautarem-se pelos principios da harmonia ente o capital e o trabalho".

Apos a Revolucao Russa (ocorrida em 1917), ja no ano de 1919, uma legislacao voltada para responsabilizacao das empresas pelos acidentes de trabalho foi aprovada e a luta pela diminuicao da jornada de trabalho tambem trazia resultados. Apesar de apresentar diferencas por ramos de atividade, no inicio do seculo XX, a jornada era de 14 horas; em 1911 era de 11 horas e, em 1920, de 10 horas.

Sem a pretensao de superestimar o protagonismo dos trabalhadores, entendemos que as lutas, apesar da dura repressao, fossem elas realizadas atraves de greves localizadas ou gerais, sabotagens, publicacoes periodicas de jornais e revistas anarquistas e comunistas etc., engendraram, juntamente com determinacoes economicas e politicas nacionais e internacionais, desde fins do seculo XIX, mas principalmente nas duas primeiras decadas do XX, a possibilidade do aparecimento da classe trabalhadora no cenario politico brasileiro. No bojo desse contexto, observamos o reconhecimento da questao social por parte do Estado e da burguesia e sua configuracao, tambem no Brasil, atraves da consolidacao de legislacao trabalhista, bem como da implantacao de medidas de politica social, especialmente apos o Movimento Politico-Militar de 1930. Ao mesmo tempo, e visivel que a relacao de forcas alcancada pelos trabalhadores organizados nao foi suficiente...

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