The nature-society relation in the capitalist mode of production/A relacao natureza-sociedade no modo de producao capitalista.

Autorde Souza, Fabiane Agapito Campos

Introducao

Nas ultimas decadas, o pensamento marxista tem sido posto a prova em virtude das transformacoes ocorridas no mundo do trabalho, impondo um desafio aqueles que se utilizam desta teoria para compreender e transformar o mundo contemporaneo.

As criticas a este modelo de explicacao centram-se, principalmente, nas alteracoes ocorridas desde a decada de 1970, amparadas no crescimento do setor de servicos, na flexibilizacao das relacoes de trabalho, nos processos e automatizacao da producao e na consequente expulsao do trabalho vivo, dentre outros. Constituindo-se, assim, para alguns pesquisadores, como provas da derrocada do materialismo historico-dialetico enquanto teoria explicativa da realidade.

Contribui tambem para o aumento das criticas ao marxismo o triunfo do capitalismo frente ao socialismo real, entendido por muitos como prova cabal da insuficiencia da teoria marxiana para explicacao do funcionamento da sociedade capitalista. Embora esta seja a critica recorrente, e necessario destacar que Marx dedicou grande parte de seus estudos visando a compreensao critica do funcionamento do modo de producao capitalista e pouco teorizou sobre o socialismo.

Por ultimo, encontram-se as criticas centradas no objeto de estudo deste artigo, a questao ambiental. Hoje coloca-se em questao se o capitalismo encontrara limites atraves da mobilizacao da classe operaria, como previu Marx (2011), ou se este, antes disso, sera inviabilizado pela finitude dos recursos naturais.

Ha alguns anos atras, ao falar da limitacao dos recursos hidricos, dos combustiveis fosseis, da terra produtiva, dentre outros, imaginava-se que o homem conseguiria equacionar estes problemas com o desenvolvimento da ciencia. Porem, hoje e notorio que o planeta nao esta conseguindo se recompor com a celeridade com que e destruido, e muito menos os homens estao conseguindo elaborar tecnologias que venham a poupar e/ou retardar o esgotamento dos recursos indispensaveis a nossa sobrevivencia. Diante deste dilema, este artigo pretende conectar alguns pontos dessa discussao com a teoria marxiana e extrair dela algumas repostas para este problema hodierno.

  1. O que e natureza?

    Alguns estudiosos afirmam nao existir mais uma "natureza natural", haja vista a apropriacao dela pela racionalidade humana. Ou seja, com o desenvolvimento da sociedade capitalista, ate mesmo as reservas naturais cumprem uma funcao social dentro desta racionalidade.

    Para Lefebvre o espaco natural, a natureza seria aquilo que escapa a racionalidade e e atingida atraves do imaginario. Mas o que nao escapa a racionalidade hoje? Mesmo as areas mantidas como reserva de recursos naturais, 'capital natural' nao deixam de ser objeto da racionalidade ao se constituirem enquanto tal. (LIMONAD, 2004, p. 1; 2).

    Limonad (2004), dialogando com Lefebvre, questiona o que se entende hoje por espaco natural e chega a conclusao de que cada sociedade elabora seus proprios espacos, atribuindo significacoes diferenciadas para eles. As praticas sociais informam as representacoes acerca dos espacos sociais, e quando essas praticas sociais mudam ao longo do tempo, as representacoes tambem sao alteradas.

    Como a sociedade capitalista e uma sociedade dividida por classes sociais antagonicas, e evidente que os discursos e praticas acerca dos espacos tambem acabem por demonstrar essa cisao. As forcas hegemonicas tendem a produzir um discurso pautado na sustentabilidade, ou seja, na preservacao dos recursos naturais, de maneira a nao inviabilizar a producao capitalista no futuro; ja as contra-hegemonicas buscam uma possibilidade de apropriacao da natureza enquanto valor de uso, como um modo de garantir a reproducao e sobrevivencia da humanidade.

    Entretanto, a questao do desenvolvimento sustentavel nao tem sua eficacia problematizada na medida em que a propria logica de funcionamento do capitalismo impede sua implementacao. Pois trata-se de um sistema socioeconomico baseado na exploracao intensa dos meios de producao, tanto da materia-prima (natureza) quanto do homem (trabalho), uma vez que o consumo desenfreado e a razao de expansao e manutencao de crescimento do proprio sistema. Por mais que o ideario de sustentabilidade esteja em voga nos dias atuais, o que se verifica na pratica e o aumento da producao como um todo, bem como da poluicao que o acompanha.

  2. O modo de producao capitalista e a articulacao entre a sociedade e a natureza

    Historicamente, o ser social se articula com a natureza ao satisfazer as suas necessidades. Mediante este ato, produz a si mesmo atraves do trabalho, enquanto ser humano generico. Assim, a dimensao ontologica do ser social interdita qualquer possibilidade de analise da relacao sociedadenatureza de forma dicotomica ou dualista.

    A intensa atividade humana sobre a natureza gerou incertezas acerca do futuro, levando ate mesmo os capitalistas a defenderem a "preservacao" do meio ambiente por meio da adocao de praticas "sustentaveis" na producao. Entretanto, faz-se necessario descortinar esse tema sob a perspectiva marxista.

    Marx nunca escreveu especificamente sobre a escassez dos recursos naturais. No entanto, em parte de sua obra e possivel vislumbrar essa preocupacao, principalmente sobre paises europeus e da America do Norte, que ja sofriam, em algumas regioes, com a degradacao do solo. Logo, a critica da agricultura capitalista forneceu fios condutores que nos permitem refletir sobre a relacao natureza-sociedade na sociedade de producao de mercadorias. Para ele, e impossivel pensar o homem dissociado da natureza na medida em que ela e parte integrante da historia da humanidade. Assim, encontramos em Marx (2010) o sentido da relacao do homem com a natureza.

    Praticamente, a universalidade do homem aparece precisamente na universalidade que faz da natureza inteira o seu corpo inorganico, tanto na medida em que ela e 1) um meio de vida imediato, quanto na medida em que ela e o objeto/materia e o instrumento de sua atividade vital. A natureza e o corpo inorganico do homem, a saber, a natureza enquanto ela mesma nao e corpo humano. O homem vive[r] da natureza significa: a natureza e o seu corpo, com o qual ele tem de ficar num processo continuo para nao morrer. Que a vida fisica e mental do homem esta interconectada com a natureza nao tem outro sentido senao que a natureza esta interconectada consigo mesma, pois o homem e uma parte da natureza. (MARX, 2010, p. 84 grifo no original).

    O homem e parte integrante da natureza e manifesta uma relacao claramente organica, dialetica e ontologica, que envolve uma simbiose entre os entes. Esta relacao e historica e parte da producao humana dos seus meios de vida. E justamente a partir desta relacao que Marx (2010) passa a compreender os desafios da producao no seio da sociedade capitalista. Segundo Foster (2005), e possivel extrair das criticas de Marx a agricultura capitalista importantes contribuicoes ao pensamento ecologico.

    Na realidade, a questao da natureza so passou a ser um problema de investigacao com o advento da sociedade capitalista e o seu consumo acelerado de materias-primas. A partir da celeridade imposta pelo sistema produtivo, com o uso da maquina, o problema "natureza" comecou a se impor e, nos tempos modernos, passou a ser balizado pelo paradigma da escassez. A pergunta a ser respondida era se o planeta poderia sustentar um modo de producao avassalador, como o nosso, ou se enfrentariamos a escassez de materia-prima ou dos recursos naturais indispensaveis para a sobrevivencia humana. A questao foi levantada em primeiro lugar por Malthus (apud FOSTER 2005) em relacao a populacao do planeta versus alimentacao disponivel; tempos depois, a mecanizacao da agricultura resolveu o problema. Agora, a pergunta se volta a outros recursos naturais, como a agua e o petroleo, dentre outros.

    Para Marx (2011), a relacao natureza-sociedade esta inscrita na producao e reproducao da vida humana, ou seja, o trabalho e a categoria central, uma determinacao ontologica fundamental da humanidade.

    Antes de tudo, o trabalho e um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua propria acao, impressiona, regula e controla seu intercambio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forcas. Poe em movimento as forcas naturais de seu corpo--bracos e pernas, cabecas e maos -, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma util a vida humana...

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