The roots of the global economic crisis/As raizes da crise economica mundial.

AutorChesnais, Francois

A crise financeira europeia e a manifestacao, na esfera da financa, da situacao de semiparalisia em que se encontra a economia capitalista mundial. Atualmente ela e a manifestacao mais evidente, mas nao a unica. As politicas de austeridade conduzidas simultaneamente na maioria dos paises da Uniao Europeia contribuem para a espiral recessiva mundial. Elas nao sao a unica causa. Os titulos dos itens da nota da Organizacao para a Cooperacao e Desenvolvimento Economico (OCDE), de setembro de 2011, sao eloquentes: "a atividade mundial esta proxima da estagnacao"; "o comercio mundial esta contraido, os desequilibrios mundiais persistem"; "no mercado de trabalho, as melhorias sao cada vez menos perceptiveis"; "a confianca esta se degradando", etc. Logo depois da Eurostat (1) publicar, em meados de novembro, as projecoes de uma contracao economica nos Estados Unidos, da qual a Alemanha nao era excecao, a nota da OCDE, deste mesmo mes, constatou uma "deterioracao consideravel", com crescimento de 1,6% para o conjunto da OCDE e de 3,4% para a economia mundial.

Na Europa, a atencao dos trabalhadores e dos jovens se concentra, de maneira compreensivel, sobre as consequencias da "situacao sem saida" e do "salve-se quem puder" dos burgueses europeus. A crise politica da Uniao Europeia e da Zona do Euro e as idas e vindas do Banco Central Europeu em torno do financiamento direto dos paises com maiores dificuldades sao as expressoes mais evidentes da crise economica. Isso e completado com a acentuacao das politicas de austeridade e com a implantacao acelerada de uma "seguranca total" da qual nenhum pais escapa. Contudo, a situacao europeia nao pode ser compreendida independentemente da situacao da economia mundial como um todo. A Conferencia das Nacoes Unidas para o Comercio e Desenvolvimento (CNUCED) escreve no inicio de seu relatorio que "o grau de integracao e de interdependencia economicas no mundo atual e sem precedente" (CNUCED). E um avanco intelectual incontestavel, no qual muitos comentadores e mesmo militantes de esquerda poderiam de maneira util se inspirar. O campo da crise e aquele do "mercado mundial constituido", do qual Marx fala em seus escritos economicos (MARX, 1980). Hoje, depois da integracao da China e da plena integracao da india na economia capitalista mundial, aquele conhece um grau de densidade jamais visto antes nas relacoes de interconexao e de rapidez de interacoes. E nesse quadro que as questoes mais essenciais (superacu mui acao, superproducao, superpoder das instituicoes financeiras, concorrencia intercapitalista) devem ser abordadas.

Nenhum "fim de crise" esta a vista

Na linguagem economica corrente de inspiracao keynesiana, o termo "saida da crise" designa o momento no qual o investimento e o emprego retomam. Em termos marxistas, e o momento no qual a producao de valor e de mais-valia, mediante a contratacao e o emprego de assalariados e a venda de mercadorias, permitem que o capital realize sua apropriacao e que essa se repouse novamente sobre uma acumulacao de equipamentos novos, sobre a criacao de novas capacidades de producao. Sao muito raras as economias que, inseridas em relacoes de interdependencia, continuam, como a China, a usufruir de certa autonomia, e onde a saida da crise e concebivel ao nivel da economia do Estado nacao. Todas as outras estao inseridas em relacoes de interdependencia nas quais o bloqueio do ciclo do capital (Dinheiro--Mercadoria--Mais-valia--Dinheiro') de uma grande parte das empresas (de todas as grandes pelo menos) se faz no estrangeiro. Os maiores grupos transferem diretamente o ciclo inteiro de uma parte de suas filiais para outro pais.

Nisso se constitui a amplitude do impasse registrado quando do ultimo G 20. Mais de quatro anos depois do inicio da crise (agosto de 2007) e mais de tres anos depois das convulsoes provocadas pela falencia do Banco Lehmann (setembro de 2008), a situacao de conjunto e marcada pela incapacidade do "capital" (os governos, os bancos centrais, o Fundo Monetario Internacional e os centros privados de centralizacao e de poder do capital tomado coletivamente) encontrar, por agora pelo menos, os meios de criar uma dinamica do tipo indicada acima ao nivel da economia mundial, ou ao menos de amplas partes dela. A crise da Zona do Euro e seus impactos sobre um sistema financeiro opaco e vulneravel sao uma das expressoes. Esta incapacidade nao e sinonimo de passividade politica. Ela significa simplesmente que a burguesia esta se movendo cada vez mais completamente pela vontade unica de preservar a dominacao de classe em toda sua nudez.

No que diz respeito, de maneira imediata e direta, aos trabalhadores europeus, os centros de decisoes capitalistas estao ativamente em busca de solucoes que protegeriam os bancos, que evitariam o choque financeiro de grande amplitude representado pelo defaut da Italia ou da Espanha e o afundamento do euro, e que fariam, mais do que nunca, cair todo o peso da crise sobre as classes populares. Testemunho disso e a chegada a cupula dos governos grego e italiano, com poucos dias de intervalo, de integrantes do capital financeiro nomeados diretamente por ele, mediante "alteracoes nos procedimentos democraticos". Testemunho disso sao, sobretudo, as diferentes versoes de um projeto de "governanca" autoritaria em discussao no seio da Zona do Euro. Esse projeto tem implicacoes politicas ainda mais graves para os trabalhadores, pois ele e acompanhado pelo endurecimento do carater pro-ciclico das politicas de austeridade e de privatizacao, e contribui para a ocorrencia de uma nova recessao, que esta em marcha.

Do outro lado do Atlantico Norte, os apelos incessantes de Barak Obama ou do Secretario de Estado Tim Geithner aos dirigentes europeus, para que deem uma resposta politica a crise do euro o mais rapido possivel, traduzem o fato de que "o motor norte-americano", como dizem os jornalistas, esta "em pane". Desde 1998, como reacao a crise asiatica, o funcionamento macroeconomico estadunidense foi construido quase inteiramente sobre o endividamento das familias, das pequenas e medias empresas e das coletividades locais. Esse "regime de crescimento" esta profundamente enraizado. Ele reforcou tao fortemente o jogo dos mecanismos de reparticao desigual das rendas (2), que a unica perspectiva na qual os dirigentes se fixam verdadeiramente e a do momento (longinquo) onde as pessoas poderao ou deverao necessariamente se endividar de novo. As diferencas "inconciliaveis" entre democratas e republicanos se assentam sobre duas questoes interconectadas: como assegurar o (des) endividamento do Estado a partir dessa perspectiva; e se ele pode (e deve) se endividar mais ou nao para atingir este objetivo. Esta incapacidade de conceber qualquer outro "regime de crescimento" traduz a forca economica e politica quase intacta da financa e da oligarquia politico-financeira daqueles que estao no 1 %. O movimento OWS e um primeiro sinal de fratura dessa dominacao, mas enquanto um terremoto mundial nao se produza, incluindo os Estados Unidos, a politica economica norte-americana se reduz as injecoes de dinheiro pelo Banco Central (FED), isto e, em fazer funcionar as maquinas de fazer dinheiro, sem que ninguem saiba ate quando isso pode durar.

A China e a india podem ajudar (como elas o fizeram em 2009) a que seja menor a contracao da producao e do comercio. Em particular, a China continuara, mas com maior dificuldade do que antes, a estabelecer um piso a contracao mundial. E da plena integracao da india e da China na economia mundial que veio o salto qualitativo na dimensao do exercito industrial de reserva a disposicao do capitalismo mundial visto em seu conjunto. Complementariamente, e na China que se encontram alguns dos mais importantes centros de superacumulacao e de superproducao. Da-se muita importancia ao efeito tesoura entre a baixa do PIB dos paises capitalistas industriais "antigos" e a alta dos "grandes emergentes". A crise acelerou igualmente o fim do periodo de hegemonia mundial dos Estados Unidos: hegemonia economica, financeira e monetaria depois dos anos 1930, hegemonia militar sem partilha a partir de 1992. Entretanto, a China nao esta a altura de substituir os Estados Unidos como potencia hegemonica. O artigo de Jacques Chastaing (2011) sobre as relacoes politicas internas na China da algumas das razoes dessa impossibilidade.

A novidade da questao politica maior do periodo

Este artigo trata de lembrar a raiz e a natureza das crises capitalistas que se tornaram particularmente destacaveis na crise em curso, e de situalas na "historia longa". A crise em curso explodiu ao final de uma fase longa (mais de cinquenta anos) de acumulacao quase ininterrupta: a unica fase desta duracao de toda a historia do capitalismo. Ela pode durar muitos anos, uma decada inteira, pois ela tem como substrato uma superacu mui acao de capacidades de producao particularmente elevada e como excrescencia uma acumulacao de capital ficticio de montante sem precedente. De um lado, a...

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