Towards the critique of the centrality of labor: a contribution based on Lukacs and Postone/Para a critica da centralidade do trabalho: contribuicao com base em Lukacs e Postone.

AutorDuayer, Mario

[...] es menester mantenerse en la idea arduamente adquirida de que la critica de las categorias economicas de Marx trasciende el dominio de la economia como disciplina especializada, es conveniente comprender de que manera el analisis de la forma valor orientado sobre categorias filosoficas tiene como funcion la de superar las antinomias de esta economia especializada.

H.G. Backhaus

Tempos atras, em plena atmosfera de intensa euforia, de jubilo pela celebracao da nova (e, dessa vez, pretendidamente definitiva) morte de Marx, Derrida (1994) declara de forma sumaria: "nao ha futuro sem Marx". Declaracao tao mais surpreendente e, por que nao dizer, paradoxal, porquanto vem de um pensador nao marxista. Aijaz Ahmad (1994), marxista indiano, sauda a posicao de Derrida (1994), importante numa epoca de afetado desdem por tudo que evoque Marx, mas nao sem assinalar a diferenca substantiva entre o esmaecido Marx derridiano e o Marx da critica da sociedade governada pelo capital.

Muita coisa mudou desde entao. O regozijo conservador se arrefeceu na mesma progressao do previsivel fracasso das politicas preconizadas pelo tardo-liberalismo. Tendo em vista as tragedias que tem contribuido teorica, ideologica e politicamente para produzir em todos os cantos do globo, nem mesmo com sua notoria desfacatez teria como continuar prometendo um auspicioso mundo de "liberdade" e prosperidade. Nessas circunstancias, o conservadorismo nao comparece mais com a radiante e arrogante certeza de que restara como a unica alternativa. Apesar disso, porem, conserva seu predominio politico-ideologico, agora sombrio, lugubre, tal como o futuro que se pode prognosticar a se crer em sua postulacao de que a historia termina no presente.

No entanto, a opressiva sensacao de epilogo que hoje se experimenta, a desalentadora percepcao de que a humanidade nao tem possibilidade de ir alem da vida social regrada pelo capital--e preciso admitir nao sao obra exclusiva do conservadorismo. A aparente ausencia de alternativa deve ser debitada tambem na conta do(s) tipo(s) de marxismo(s) prevalente(s) entre adeptos e, por extensao, adversarios. Talvez se possa afirmar que nunca uma vitoria deveu-se tao pouco a excelencia do vitorioso quanto as debilidades do derrotado (1). Dai a necessidade de critica, no caso, de autocritica para que a teoria marxiana possa reassumir sua condicao de analise insuperavel da estrutura e dinamica da sociedade moderna, de suas contradicoes e de seus futuros possiveis.

O presente artigo procura contribuir para a autocritica que nos, os herdeiros da tradicao marxista, devemos antes de tudo a nos mesmos. Nesse particular, trazendo elementos ja elaborados por autores marxistas, especialmente G. Lukacs (2013) e M. Postone (2014), sustenta que a critica das concepcoes correntes sobre trabalho no interior da tradicao constitui um imperativo para a autocritica e, consequentemente, para a restauracao da dimensao critica da teoria marxiana. Com esse objetivo, o argumento esta centrado na diferenca entre trabalho como categoria fundante e central, sendo exposto em tres secoes: na primeira, ha uma explanacao sintetica sobre o carater fundante do trabalho na genese e desenvolvimento do ser social com base no capitulo sobre o trabalho da Ontologia de Lukacs; na segunda, a partir das formulacoes de Postone, o proposito e o de explicar por que a centralidade do trabalho e exclusiva do capitalismo e constitui a contradicao basica desse sistema; a terceira e ultima secao, apoiada na ideia de que critica de fato e critica ontologica, busca demonstrar que a critica da economia politica elaborada por Marx consiste na critica do trabalho, ou da relacao social armada pelo capital que unidimensionaliza os sujeitos como trabalhadores.

  1. O carater fundante do trabalho na genese e desenvolvimento do ser social

    Antes de tratar propriamente da analise do complexo do trabalho exposta por Lukacs em sua Ontologia, e preciso enfatizar o sentido historico dessa obra. (2) Parece incontestavel que, no fundo, o proposito foi dar conta da historicidade do ser social, sua historicidade especifica, distinta das historicidades do inorganico e do organico. So compreendendo essa historicidade e possivel determinar o papel do sujeito, da subjetividade na historia, ou na autoconstituicao do ser social. De fato, dependendo do tipo de historicidade o sujeito pode nao ter nenhum papel, ou seja, nao pode ser propriamente um sujeito. Esse seria o caso, como observa Lukacs em inumeras passagens, do materialismo mecanicista ao subentender que a sociedade dirige-se a um fim que se realiza de maneira inexoravel independentemente da acao dos sujeitos.

    Compreende-se, desse modo, que a Ontologia tenha sido concebida como prolegomenos de uma projetada etica (TERTULIAN, 1999; OLDRINI, 2013). Se a investigacao da historicidade peculiar do ser social permite demonstrar que o sujeito tem nele um papel unico em sua constituicao e desenvolvimento, as questoes eticas se impoem de imediato, ja que a praxis como conduta social ativa, como agir teleologico, sempre pressupoe decisao entre alternativas, enfim, decisao entre valores. (3)

    Contra as opinioes, portanto, que confundem o elevado grau de abstracao da obra com uma atitude a-historica, (4) e absolutamente crucial ter presente que a categoria trabalho, em particular, e tratada em tal grau de abstracao justamente para demonstrar essa historicidade especifica, pois e pelo trabalho que o ser social, essa nova especie de ser se autocria ao produzir as condicoes materiais de sua vida e, em razao disso, possui uma historicidade interna que as outras especies nao possuem. (5)

    Para iluminar a particularidade do ser social, Lukacs discute o problema do salto ontologico de uma forma de ser, sua genese e diferenciacao radical da forma de ser da qual se origina. O destaque aqui recai sobre o novo que surge e que, por isso, nao pode ser derivado por inducao ou deducao. Dado o salto ontologico, tem-se um todo desenvolvido com constituicao propria para cuja compreensao nao e possivel recorrer a esses tipos de inferencia. Ao contrario, e preciso partir do todo desenvolvido e, por meio de procedimentos abstrativos, obter os elementos constitutivos que permitam a sua reconstrucao ideal. Claro esta, como observa Lukacs referindo-se as indicacoes de Marx, que essa reconstrucao nao pode partir de qualquer abstracao. Como toda ciencia tem de totalizar e, ao faze-lo, resulta empiricamente plausivel, o caminho do abstrato ao concreto mencionado por Marx deve se referir nao apenas a totalizacao propriamente dita, mas ao modo de totalizar e ao ponto de partida, pois considerado isoladamente, qualquer fenomeno pode--uma vez transformado em 'elemento' por meio da abstracao--ser tomado como ponto de partida; so que um tal caminho nao levaria jamais a compreensao da totalidade. O ponto de partida, ao contrario, deve ser uma categoria objetivamente central no plano ontologico. (LUKACS, 2012, p. 312).

    Precisamente por esse motivo, ao justificar porque, do ponto de vista metodologico, para expor ontologicamente a constituicao do ser social deve-se iniciar pelo trabalho, Lukacs faz mencao a conhecida passagem de Marx, em O capital, sobre a diferenca entre o trabalho e as operacoes realizadas por abelhas e aranhas para sublinhar que ali se enuncia uma categoria central do trabalho, pois nele sucede um por teleologico no ambito do ser material que da origem a uma nova objetividade. Caracteristica que confere ao trabalho a posicao de destaque na genese e no processo de desenvolvimento do ser social e o seu exclusivo carater intermediario.

    Ao criar novas formas de objetividade, o trabalho, como metabolismo do ser humano, da sociedade com a natureza, marca a transformacao no ser humano que trabalha do meramente biologico no ser social. (LUKACS, 2013, p. 44 e 47) Essa nova forma de ser emerge do organico e dele se diferencia porque, mediante o trabalho, poe e repoe, cria as proprias condicoes de reproducao.

    Por ser agir teleologico, atividade que poe finalidades e as realiza materialmente, ou inscreve na realidade algo que as causalidades naturais nao produziriam por si sos, o trabalho cria as condicoes materiais da vida. Em outras palavras, sem qualquer postulacao, ao se iniciar pelo trabalho, por essa atividade especifica do humano, e possivel inferir que o ser social se autocria ou, como salienta Lukacs, que o tipico no ser social e a reproducao ampliada, resultado da dialetica entre necessidade e sua satisfacao.

    O por de finalidade inverte a determinacao biologica prevalente no organico, processo causal em que e o passado que determina o presente. As transformacoes nos processos de reproducao filo e ontogenetico sao provocadas por alteracoes ocorridas no meio ambiente, no passado portanto. O por de finalidade muda tal determinacao na medida em que e o futuro--o mundo tal como figurado na finalidade--que determina a acao. Nesse caso, portanto, ha uma inversao no andamento, pois no ser social o futuro determina o presente (LUKACS, 2013: 98).

    Nao seria possivel, claro, a partir dessas consideracoes iniciais, cobrir toda a riqueza do capitulo da Ontologia aqui tratado. As observacoes acima importam sobretudo para chamar a atencao para a caracteristica central do ser social pressuposta no trabalho: em lugar de se adaptar ao mundo tal como ele existe, o ser social cria o seu proprio mundo exterior e, ao faze-lo, tambem se recria continuamente, desenvolve suas potencialidades. Talvez se possa afirmar que o sentido maior da Ontologia consista em procurar capturar o desenvolvimento do ser social, sua diferenciacao e estratificacao crescentes, conformando um complexo de complexos, que tem sua genese no trabalho, tal como explica o autor:

    [trata-se de apreender as] formas fenomenicas das condutas de vida especificamente humanas que, embora atraves de amplas mediacoes, emergem do trabalho e que, por isso, devem ser concebidas ontologico-geneticamente a partir dele. (6)...

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