Educação, Trabalho e Direito do Trabalho: Instrumentos Eficazes de Inclusão Social

AutorMarcella Pagani
Ocupação do AutorMestre e doutoranda em Direito do Trabalho pela PUCMINAS. Professora universitária. Advogada
Páginas107-112

Page 107

1. Introdução

Atualmente, o mundo do trabalho tem se confrontado com a competitividade do mercado e o avanço do capitalismo atingindo dimensões globais. Verifica-se, como reflexos desse cenário mundial, a elevação do número de desemprego, da informalidade, o surgimento de novas formas precárias de pactuação da força de trabalho, bem como o aumento da criminalidade relacionada à ausência ou precária proteção da força de trabalho.

Os efeitos do avanço do capitalismo, por conseguinte, mitigaram a valorização ética do trabalhador, conduzindo à flexibilização precarizante das relações de trabalho, comprometendo a melhoria qualitativa da situação social do obreiro.

Desse modo, tanto a ausência de proteção, como a proteção precarizada permitem a aproximação do trabalhador a uma realidade de marginalidade social, pois impossibilitam que ele se reconheça pelo trabalho, já que este será apenas veículo de sobrevivência e não de inclusão social.

Por outro lado, a educação e o trabalho protegidos são a base do Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal de 1988 os consagrou como direitos fundamentais e, assim, os são, já que estão intimamente ligados ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Diante desse cenário, a garantia e efetividade dos Direitos Sociais constitucionalmente protegidos, notadamente a educação e o trabalho, exigem que se conceba uma nova perspectiva do Direito do Trabalho. Perspectiva essa que deve buscar a realização de um papel inclusivo de desmercantilização e demo-cratização do trabalho humano.

Apoiado no marco constitucional, o Direito do Trabalho deve ser pensado e realizado de modo a alcançar integralmente as relações sociais, buscando proteger outros valores humanos fora do trabalho1.

Não é novidade que a educação e o trabalho constituem um dos principais pilares do desenvolvimento econômico e cultural de uma socie-dade. Assim, educação e trabalho protegidos corroboram para um salto qualitativo dos principais indicadores sociais, que determinam a sustentabilidade de qualquer processo de desenvolvimento social.

Page 108

2. A constitucionalização do direito do trabalho

O mundo do trabalho tem passado por transformações pontuais na realidade das desigualdades sociais, com o surgimento de relações de trabalho cada vez mais degradantes, gerando um estado de miséria e marginalidade social do trabalhador.

A partir das décadas de 70 e 80, verifica-se que os grandes projetos se encolheram. O homem se fez mais individualista, não só no sentido de pensar somente em si, mas também de “tomar a si próprio como referência única”2.

Esse trabalhador, que na era fordista/taylorista desempenhava um trabalho fabril e estável, hoje exerce um trabalho precarizado, sendo detentor de uma condição de exclusão social.

Referindo-se as esses trabalhadores excluídos socialmente, Ricardo Antunes pontua que:

[...] sua condição de despossuídos e excluídos os coloca potencialmente como um sujeito social capaz de assumir ações mais ousadas, uma vez que esses segmentos sociais não têm mais nada a perder no universo da sociabilidade do capital. Sua subjetividade poderia ser, portanto, mais propensa à rebeldia3.

A exclusão social é campo propício para o aumento da criminalidade, já que o excluído social-mente não se reconhece como cidadão. Tal situação favorece a sua entrada em um mundo caracterizado por um alto nível de exclusão, como é o caso da criminalidade. É como se esse ser humano não tivesse mais nada a perder, pois a sua condição de homem dentro de uma sociedade já não mais existe.

Fazendo uma estreita relação entre trabalho precário e exclusão social, Jorge Luiz Souto Maior explica que:

O desrespeito deliberado e inescusável de direitos trabalhistas conduz o trabalhador a uma condição de subcidadania, já que o Direi-to do Trabalho, conforme expressa o ministro Mauricio Godinho Delgado, é o marco regulatório mínimo da cidadania.4

Pode parecer contraditório com a própria essência do Direito do Trabalho, mas o simples discurso da hipossuficiência o fragiliza, afastando-o do eixo constitucional. Para tanto, ele “precisa encontrar ecos na solidariedade humana, a fim de que a dignidade da pessoa seja preservada”5, uma vez que constitui função mater do Direito do Trabalho a “perseguição da melhoria progressiva da condição econômica e social do trabalhador”6.

O bem jurídico tutelado pelo Direito do Trabalho não é o trabalho, mas o homem que se utiliza de sua força de trabalho para alcançar a vida digna.

Desse modo, o Direito do Trabalho não pode ser compreendido de forma minimalista, pois trata-se de um ramo jurídico democrático e plural, cujo centro de tutela deve abarcar o maior número de trabalhadores possível. Por ser um ramo autônomo do direito, ligado à raiz do Direito Social, o Direito do Trabalho direciona-se na imposição de limites ao poder econômico e promoção da justiça social.

Nesse contexto, não se pode olvidar que a Constituição Federal de 1988 tem matriz sociotrabalhista, sendo fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana.

A visão atual sobre a constitucionalização do Direito do Trabalho concebe a pessoa que trabalha não como mero trabalhador, mas como um cidadão.

Ao trabalhador, portanto, não devem ser garantidos somente os direitos constitucionais de ordem trabalhista, mas todos os direitos fundamentais a serem concedidos ao cidadão, pois deve-se buscar a ampliação do leque social de incidência do Direito do Trabalho7.

Page 109

A democracia social contemporânea, portanto, se consubstancia na igualdade dos direitos sociais. Nesse aspecto, José Afonso da Silva esclarece:

A democracia não pode resignar-se com os bidonvilles, os alojamentos insalubres, os salários miseráveis, as condições de trabalho miseráveis. Fundamenta-se na garantia da igualdade, por isso não pode tolerar a extrema desigualdade entre trabalhadores e classe dominante. Por isso, também, é contraditória a tese de uma democracia elitista, que assenta precisamente na existência da desigualdade.

A Constituição estrutura um regime democrático consubstanciando esses objetivos de igualização por via dos direitos sociais e da universalização de prestações sociais (seguridade, saúde, previdência e assistência sociais, educação e cultura)8.

Sobre esse novo panorama do Direito do Trabalho, Júlio Ricardo de Paula Amaral complementa:

Na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT