Sistemas de Controle das Convenções da Organização do Trabalho: Pela Efetividade das Normas Internacionais do Trabalho

AutorDaniela Muradas Reis
Ocupação do AutorMestre em Filosofia do Direito, Doutora em Direito, Professora de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da UFMG, Advogada
Páginas323-329

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1. Tratados e convenções internacionais de trabalho: definição e distinções terminológicas

A Convenção de Viena de 1969, que versa sobre o direito dos tratados1, define o tratado internacional como o “acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular” (art. 2º, § 1º, a).

Do prisma doutrinário, outras definições são lançadas. Segundo leciona João Grandino rodas, os tratados consubstanciaram manifestações de vontades de dois ou mais sujeitos do Direito Internacional, visando à produção de efeitos jurídicos, conforme as regras do Direito Internacional Público2.

Realçando o potencial normativo do diploma normativo internacional, Mauricio Godinho delGado define os tratados internacionais como “documentos internacionais, normativos e programáticos firmados entre dois ou mais Estados ou entes internacionais”3.

O vocábulo convenções internacionais, de uso corrente no Direito Internacional Público, tem sido empregado em diversos sentidos. Todavia, como nota arnaldo süssekind, há uma tendência de ser reservado o seu emprego “para os tratados multilaterais abertos (tratados-lei ou tratados com normas gerais) adotados em conferências realizadas no âmbito dos organismos internacionais de direito público”4.

Nos moldes da terminologia indicada, Mauricio Godinho delGado, define o diploma internacional realçando o potencial normativo da espécie. Assim, segundo enuncia, as convenções internacionais consistiriam nos “documentos obrigacionais,

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normativos e programáticos aprovados por entidade internacional, a que se aderem voluntariamente seus membros”5.

De todo modo, as convenções internacionais são espécies das quais tratados são gênero. As convenções se caracterizam, do prisma subjetivo, pela formulação e aprovação em organismo internacional e por consubstanciarem tratados multilaterais, com tendência de se possibilitar a ratificação por outros Estados, ainda que não participantes da entidade internacional (tratados abertos). Além disso, sob a ótica objetiva, isto é, relativamente ao seu conteúdo, outra característica das convenções internacionais (embora não peculiar a este espécime jurídico) assenta-se no fato de mediante estes instrumentos se criarem as normas internacionais (tratados-normativos), distinguindo-se, pois, dos chamados tratados-contratos, pelos quais se regulam interesses recíprocos dos Estados envolvidos.

É de se ressaltar que a terminologia convenções internacionais sempre foi amplamente prestigiada na seara do Direito Internacional do Trabalho, consoante a tipologia normativa adotada pela Organização Internacional do Trabalho, nos termos de seu documento constitutivo (art. 19).

A Organização Internacional do Trabalho, de outro tanto, ainda conta com mais outras duas categorias de diplomas: as recomendações e as resoluções.

As recomendações são instrumentos aprovados pela Conferência Internacional do Trabalho, de caráter programático. Estes documentos internacionais não comportam ratificação, não sendo obrigatórios do prisma internacional os conteúdos neles ventilados. Portanto, a recomendação atua como verdadeira fonte material do direito e também como parâmetro para interpretação e aplicação das normais internacionais e nacionais de proteção ao trabalho. No entanto, deve-se esclarecer que, acerca destes documentos internacionais aprovados pela Conferência Internacional do Trabalho, a Constituição da OIT impõe a obrigação de seus Estados-membros submetê-los, em doze meses e, caso isso não seja possível, até no período máximo de dezoito meses, à apreciação da autoridade competente no plano nacional. É o que preceitua o art. 19, § 6º, da Constituição da OIT.

Por seu turno, as resoluções são documentos aprovados pela Conferência Internacional do Tra-balho pertinentes à administração da Organização Internacional do Trabalho. Não se trata, pois, de documento jurígeno em sentido estrito, não se dirigindo aos Estados, mas sim à regência da própria entidade internacional.

Neste sentido, conclui Mario deveali que se trata de uma diversidade na intensidade normativa. Em suas palavras: “[...] são de diferentes intensidades, do ponto de vista de sua característica normativa, as recomendações aprovadas pelas Conferências Internacionais do Trabalho da OIT, assim como suas resoluções e igualmente as declarações de outros congressos internacionais”6.

2. Controle internacional das convenções da organização internacional do trabalho

A OIT controla a aplicação e a efetividade de suas normas por dois sistemas distintos, baseados em sistema de fluxos de informações.

O controle ordinário é realizado por sistema de informações, por meio de relatórios anuais, emitidos pelos Estados-membros da Organização Internacional do Trabalho, em que demonstram o modo pelo qual dão cumprimento às convenções ratificadas. Cópias desses relatórios são enviadas às principais entidades representativas patronais e de empregados no país (art. 22, Constituição da OIT), submentendo as informações prestadas ao crivo do controle social.

Não obstante as convenções não ratificadas e recomendações não gerarem compromissos internacionais, os Estados-membros da OIT têm a obrigação constitucional (art. 15, §§ 5º e 6º, da Constituição da Organização Internacional do Trabalho), no prazo assinalado pelo Conselho de Administração, de envio de relatório indicativo do tratamento jurídico nacional atribuído ao tema objeto da convenção não ratificada ou das recomendações, bem como, nos termos assinalados por Zanobetti, as justificativas para o retardo ou impedimento de aderir à convenção e às modificações das disposições nacionais que possam parecer necessárias para permitir a regulamentação dos assuntos ventilados em recomendação, nos termos orientados pela Organização Internacional do Trabalho7.

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As informações prestadas são analisadas por Comissões de Expertos para controle de aplicação das Convenções e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho, e a princípio de modo sigiloso, elaborar repertório de observações nos casos mais importantes, além de propor medidas concretas de cooperação internacional para promoção e efetividade das normas internacionais do trabalho.8

Em paralelo ao controle ordinário, a Organização Internacional do Trabalho adota sistema extraordinário, que, mediante reclamações e queixa, estabelece sistema quase-judicial de solução de controvérsias. Trata-se de mecanismo que pode ensejar a adoção de sanções por parte da entidade internacional.

A reclamação, regulada pelos arts. 24 e 25 da Constituição da OIT, instaura-se por provocação das entidades representativas de trabalhadores e patronais do Estado reclamado. Ela deve ser formalizada por escrito e processada mediante encaminhamento ao diretor-geral da OIT. O Estado reclamado será notificado, para, em prazo razoável, se manifestar acerca da reclamação. Não havendo manifestação, ou manifestando-se de modo insuficiente, a reclamação pode torna-se pública, e, se for o caso, também pode ser levada ao conhecimento público a resposta enviada pelo Estado infrator. Neste caso, a publici-dade do descumprimento da norma internacional é a sanção decorrente do descumprimento da norma internacional.

Outra forma de controle do cumprimento das convenções decorre da queixa, instrumento regulado pelos arts. 26 a 33 da Constituição da OIT. Estão legitimados para apresentar queixa os Estados-membros da OIT que tenham também ratificado convenção que é descumprida ou que não está satisfatoriamente sendo cumprida pelo denunciado. A queixa também pode ser instaurada de ofício, por ato do Conselho de Administração ou na Conferência Internacional do Trabalho, por provocação de qualquer um de seus membros. Nos dois últimos casos, não é necessário que o Estado que provoque a queixa tenham...

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