A tributação absurda das doações
Como dizia Freud [1], os instintos humanos são de dois tipos: aqueles que tendem a preservar e a unir (eróticos) e aqueles que tendem a destruir e matar (agressivos). Na sua teoria mitológica, Freud identifica a fórmula para combater a guerra: "Se o desejo de aderir à guerra é um efeito do instinto destrutivo, a recomendação mais evidente será contrapor-lhe o seu antagonista, Eros" (tudo o que favorece o estreitamento dos vínculos emocionais entre os homens).
Em catástrofes, afloram anjos e monstros. É por isso que Sandel [2] recomenda a lei contra preços abusivos, como a praticada na Flórida após a passagem do furacão Charley. Em situações de emergência, as instituições devem promover a união e a interação (Eros) para favorecer os laços emocionais entre os homens e proteger os necessitados dos infortúnios e da exploração. As instituições modeladas pelo Estado devem incentivar, em momentos de crise, a solidariedade, a integração e os gestos de altruísmo.
A propósito, como determina o artigo 1º da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana é fundamento da República, que tem, como objetivo fundamental, nos termos de seu artigo 3º, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (princípio da solidariedade). Em homenagem a esses pilares elementares da Carta Maior, deve o Estado edificar instituições que favoreçam a integração e a solidariedade, sobretudo em momentos mais conturbados. Essa é uma determinação constitucional e um imperativo moral.
Em meio a essa recente pandemia, muitas empresas, tocadas pelo sofrimento gerado pela crise, tentaram doar bens e serviços para a coletividade. Seja por questões de marketing, seja para disfarçar a face mais nociva do capitalismo, seja por instintos eróticos, seja por bons sentimentos dos controladores, é certo que o Estado, em crise e sem recursos, não pode abrir mão dessas iniciativas.
Um dos casos mais interessantes é o de uma grande empresa que estudava a possibilidade de adquirir e doar respiradores para minimizar os efeitos da Covid-19, mas que foi obrigada a abandonar o projeto. O problema é que ela doaria e teria de pagar tributos sobre os bens doados. Pasmem!
Trata-se de uma ofensa cabal à ideia mais elementar de solidariedade social. Ao custo do bem deveriam ser adicionados os "custos tributários", ocasionados, por exemplo, pela impossibilidade de se deduzir as despesas com a compra dos equipamentos da base de cálculo do imposto de renda (IRPJ) e da CSLL, mesmo diante de uma situação de calamidade pública declarada!
Foi o receio de uma autuação fiscal que fez a empresa abandonar a empreitada. Nesse caso, ou se está diante de uma despesa de marketing ou publicidade, ou se está tributando a caridade de forma inconstitucional. Seja pelo lado...
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