O tubo de ensaio do financiamento de campanhas eleitorais no Brasil

Contra fatos, não há argumentos[1]. O Brasil possui, como se uma tradição fosse, uma reforma política interminável, cíclica, com efeitos temporários e dispositivos com perfil transitório. Pelo menos há duas décadas, é aprovada uma lei alterando a legislação eleitoral em ano ímpar,[2] bastando para constatar isso observar a movimentação do Congresso Nacional sempre passado o período eleitoral propriamente dito, realizados em ano par.

Isso se repete em 2017. Nem bem a Lei 13.165/2015, responsável pela última reforma em profundidade, foi aplicada às eleições municipais de 2016, já se desenha uma mudança ainda maior de todo o arcabouço jurídico eleitoral, alcançando a Lei 4.767/65 (Código Eleitoral); a Lei 9.096/95; a Lei 9.504/97; bem como a própria 13.165/15. Para esta tarefa, foi instituída a Comissão Especial para Análise, Estudo e Formulação de Proposições Relacionadas à Reforma Política (CEPOLITI), na Câmara dos Deputados, que apresentou o seu 3° relatório parcial juntamente com um projeto de lei que pretende levar para votação em plenário.

São tantas as alterações pretendidas que se pode afirmar que, caso aprovadas, haverá uma verdadeira mudança de sistema, sendo este objetivo muito claramente percebido nos dois eixos principais das propostas, que é o de alterar o sistema eleitoral a partir da adoção do sistema eleitoral distrital misto, tendo como transição o de listas preordenadas, a ser aplicado, se aprovado, tão somente às eleições de 2018 e 2020.[3]

O outro objetivo é tornar o sistema de financiamento de campanhas quase que inteiramente público, através da criação de um Fundo Especial para o Financiamento da Democracia (FFD), o que torna ambas as medidas uma o encaixe da outra. É esta a razão principal delas virem juntas nessa reforma que se pretende, dando azo a uma profunda modificação no modelo aplicado até hoje.[4]

Vale ressaltar que o surgimento da pressão pela presença marcante do financiamento público para as campanhas eleitorais vem na esteira da escassez de recursos já verificada nas eleições de 2016, primeira realizada sob a proibição de doações de pessoas jurídicas para este fim,[5] além do baixo nível de participação por meio de aportes de pessoas físicas.[6]

Não é possível tratar de todas as mudanças que poderão vir com o projeto de lei proposto pela CEPOLITI. Diante disso, tentarei explicar, da forma mais didática possível, o que eventualmente virá já para as eleições de 2018. Para tanto, exporei cinco pontos que julgo essenciais para compreender esse conjunto de alterações: 1) Sistema de primárias para a escolha dos candidatos; 2) regime de doações de financiamento privado; 3) criação do Fundo Especial para o Financiamento da Democracia; 4) gastos de campanha; 5) prestação de contas.

Aqui cabe uma observação: a redação do projeto de lei não é esclarecedora em muitos quesitos que serão abordados nesse texto, principalmente pela falta de precisão da aplicação de disposições em eleições majoritárias e/ou proporcionais. Portanto, há muitas lacunas a serem sanadas.

Sistema de primárias para a escolha dos candidatos

Com o fechamento das listas de candidaturas, a seleção de candidatos por meio de primárias intrapartidárias é uma das opções existentes ao legislador. Porém, esse procedimento vem junto com outro inédito, que é a realização de campanhas para as primárias com recursos públicos, destinando R$ 18 milhões para a propaganda intrapartidária e para a organização da votação.

Há, também, a possibilidade de se receber doações de pessoas físicas, com limite de até dois salários mínimos, tendo como destinatário final um pré-candidato previamente indicado pelo doador. No entanto, está proibido o autofinanciamento de pré-candidatos.

São estas as únicas disposições sobre esse procedimento, que promete ser ainda mais acirrado daqui em diante. O projeto de lei silencia, por exemplo, como será a prestação de contas desses valores. Supõe-se que será realizada pelo partido político que recebeu o montante, já que eles serão depositados na conta específica de “recursos...

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