Por um debate técnico sobre tributação infralegal do vídeo por demanda

Em uma entrevista concedida ao veículo El País em janeiro do ano de 2016, Zygmunt Bauman explicou por que considerava o papa Francisco como uma fonte de esperança para o mundo contemporâneo, narrando que o pontífice havia escolhido dar sua primeira entrevista a Eugenio Scalfari, um jornalista italiano autoproclamado ateu. E isso foi considerado um sinal para o sociólogo, pois segundo ele "o diálogo real não é falar com gente que pensa igual a você. As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras" [1].

Por outro lado, apesar dos notórios benefícios, a presença constante dos algoritmos nas redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram), e que realiza pesquisas nos mecanismos de busca (Google, Yahoo, Bing) pode confinar os indivíduos em bolhas sociais. Em outras palavras, como os algoritmos são abastecidos de dados pessoais, geográficos, padrões de uso das aplicações informáticas e uma série de outros insumos gerados pela utilização das ferramentas computacionais dos usuários das aplicações de internet, há uma probabilidade bastante elevada de que esses algoritmos confinem, cada qual, num ambiente moldado exclusivamente pelo reflexo de si próprio. O que dá ensejo a construção e reconstrução de teses calcadas no discurso da "pós-verdade" [2].

Assim, não obstante o fato de haver uma tendência entre os humanos de procurarem seus similares para convívio e estreitamento dos laços sociais, quando essa aproximação é conduzida pelo algoritmo os efeitos podem ser potencializados. Dessa maneira, abre-se um espaço para a criação de visões de mundo endógenas, fechadas, que podem coexistir em proximidade, mas jamais se encontrar. Potencialmente pode ocorrer uma erosão da solidariedade social, perda da capacidade de empatia e que a condução das escolhas cidadãs venham a ser pautadas por visões de mundo opacas [3].

Portanto, é fundamental que se tenha serenidade para conseguir elevar o debate ao discurso técnico e se afastar das paixões e convicções pessoais. Trocando em miúdos, nas palavras do ministro Marco Aurélio de Mello: "Processo não tem capa" [4].

Diante disso, passa-se a análise técnica do conteúdo da Medida Provisória nº 1.1018/2020, especificamente o da Emenda nº 1 proposta pelo deputado Marcelo Ramos PL/AM, que sugere a inclusão do artigo 33-A na MP 2.228-1/2001 nos seguintes termos:

"Artigo 33-A Para efeito de interpretação do artigo 33, inciso I, alínea 'e', da MP 2228-1/2001, a oferta de vídeo por demanda, independente da tecnologia utilizada, a partir da vigência da contribuição de que trata o artigo 32, inciso I, da mesma Lei, não se inclui na definição de 'outros mercados'".

Com o fito de situar o leitor no tempo e espaço, expondo a controvérsia que deu ensejo a sugestão desta emenda legislativa, cumpre rememorar a discussão travada a partir do ano de 2017, quando publiquei um artigo em agosto na revista eletrônica ConJur [5] questionando o fato de a Ancine ter decidido estender a tributação da Condecine Título para as obras publicitárias na internet e para o vídeo por demanda utilizando-se do conceito jurídico indeterminado denominado "outros mercados", disposto na alínea "e", inciso I, do artigo 33 da MP 2.228-1/2001.

A respeito do tributo em si, a Condecine Título é uma espécie de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) que, diferentemente da Condecine Remessa, tem seu espectro de incidência recaindo sobre a exploração comercial de obras audiovisuais em cada um dos segmentos de mercado, disposto no artigo 33 da MP 2.228-1/2001, que são: as salas de exibição, o vídeo doméstico, a TV por assinatura, a TV aberta e os "outros mercados".

Assim, quando o artigo 33 da MP 2.228-1/01 trata dos segmentos de mercado em relação aos quais a Condecine Título será devida, ele acaba descrevendo não somente o elemento quantitativo tributário, mas também se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT