A Jornada de 12x36 na Visão Contemporânea do TST: Mais um Passo Rumo à sua Extinção

AutorLorena de Mello Rezende Colnago
Ocupação do AutorJuíza do Trabalho do TRT da 9ª Região
Páginas313-319

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Introdução

O presente ensaio visa apresentar o entendimento contemporâneo do Tribunal Superior do Trabalho quanto à jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso.

O tema tem importância jurídica na medida em que aparece com freqüência nos questionamentos trabalhistas em sede de reclamação, mas também de ações anulatórias de instrumentos normativos, além de ser um fator apontado como causa de inúmeros acidentes de trabalho por ensejar fadiga e perda de concentração no obreiro.

Para estruturar o ensaio partimos da origem da limitação da jornada de trabalho. Em seguida tecemos comentários sobre algumas jornadas praticadas em outros países, em especial Portugal e Espanha, países escolhidos por originarem a colonização da América Latina. Após, demonstramos o panorama da legislação brasileira em breves comentários sobre sua evolução até a contemporaneidade, para só então adentrar no pensamento jurídico do TST, sem descurar um apontamento crítico sobre o tema.

O método de pesquisa utilizado foi o dedutivo, com coleta de dados legislativos, doutrinários e jurisprudenciais, não tendo um marco teórico fixo, uma vez que utilizamos o pensamento de autores da Teoria Geral do Direito e da Constituição, do Direito do Trabalho e do Direito Civil.

Desenvolvimento

As extensas jornadas de trabalho no Brasil constituem um grave problema. O Brasil é um país recordista em acidentes de trabalho e, ao mesmo tempo, é um dos países que tem a jornada de trabalho mais elastecida em razão da negociação coletiva amplamente praticada.

Retornando um pouco no tempo, estima-se que as primeiras lutas dos trabalhadores assalariados ocorreram quanto à extensão das jornadas de trabalho, o que levou o Papa Leão xIII, em 1891, a editar a Encíclica Rerum Novarum fomentando uma maior intervenção estatal no assunto, na tentativa de reduzir as disparidades entre capita e trabalho e em pró da dignificação do trabalho humano1.

Observe-se que o art. xxIV da Declaração Universal dos Direitos do Homem enuncia o direito à limitação “razoável” das horas de trabalho, sem es-

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pecificar o quantitativo dessas horas. Aliás, no plano internacional, não encontramos nenhuma convenção da Organização Internacional do Trabalho que unifique esse valor ou indique uma jornada razoável, ou ainda uma limitação aplicável a todos os países.

A título de exemplo, na Espanha, após a reforma trabalhista de 1984, convencionou-se que a jornada normal de trabalho poderia ser flexibilizada ao longo do ano, respeitando-se o máximo de 9 (nove) horas2.

Assim, na primeira semana de trabalho a jornada seria de 8 (oito) horas, na segunda semana haveria uma diminuição para 5 (cinco) horas, na quarta semana a redução seria ainda maior (4 – quatro horas de trabalho), e finalmente, na quarta semana o trabalhador praticaria uma jornada de 9 (nove) horas. Toda essa flexibilização somente poderia ocorrer por meio de negociação coletiva entre os sindicatos e a empresa3.

Em Portugal, a flexibilização da jornada de trabalho teve início com a permissão de elastecimento das 8 (oito) horas de trabalho diárias para 10 (dez) horas, sendo que a duração normal do trabalho semanal passaria de 40 (quarenta) horas para 50 (cinqüenta), tudo mediante negociação coletiva4. No entanto, o novo Código do Trabalho, instituído pela Lei n. 99, de 27 de agosto de 2003, ampliou para 12 (doze) horas a jornada de trabalho e para 50 (cinqüenta) horas a duração semanal durante o máximo de dois meses, mediante negociação coletiva com os sindicatos, nos termos do art. 164:

Artigo 164. adaptabilidade

1 – Por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, o período normal de trabalho pode ser definido em termos médios, caso em que o limite diário fixado no n. 1 do artigo anterior pode ser aumentado até ao máximo de quatro horas, sem que a duração do trabalho semanal exceda sessenta horas, só não contando para este limite o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior.

2 – O período normal de trabalho definido nos termos previstos no número anterior não pode exceder cinquenta horas em média num período de dois meses5.

Contudo, a nova legislação portuguesa previu a majoração da jornada de trabalho para dez horas diárias, sem a limitação anterior de dois meses, para os casos da chamada “adaptabilidade” das normas de duração normal de trabalho entre trabalhadores e empregadores (art. 165), ou seja, mediante negociação direta do trabalhador com o empregador, sem a importante intervenção sindical. Assim, dispõe o art. 165 da legislação portuguesa:

Artigo 165. Regime especial de adaptabilidade

1 – Por acordo, o empregador e os trabalhadores podem definir o período normal de trabalho em termos médios, observando o disposto nos números seguintes.

2 – O acordo a que se refere o número anterior pode ser obtido mediante proposta dirigida pelo empregador aos trabalhadores, presumindo-se a sua aceitação pelos trabalhadores que, no prazo de 21 dias a contar do respectivo conhecimento, incluindo os períodos a que se referem os n.os 2 e 3 do artigo 173., não se oponham por escrito.

3 – O período normal de trabalho diário pode ser aumentado até ao máximo de duas horas, sem que a duração do trabalho semanal exceda cinquenta horas, só não contando para este limite o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior.

4 – Nas semanas em que a duração do trabalho seja inferior a quarenta horas, a redução diária não pode ser superior a duas horas, mas as partes podem também acordar na redução da semana de trabalho em dias ou meios dias, sem prejuízo do direito ao subsídio de refeição.

5 – O regime previsto nos números anteriores mantém-se até ao termo do período de referência em execução à data da entrada em vigor de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que incida sobre a matéria6.

Recentemente, 12 de fevereiro de 2009, o Presidente da República de Portugal promulgou a Lei
n. 7/20097, revogando a Lei n. 99/2003. A nova lei manteve o tempo normal do trabalho (jornada) de 8 (oito) horas, sendo a duração semanal fixada em quarenta horas (art. 203), mantendo ainda a flexibilização da jornada em quatro horas.

Muito embora tenha sido mantida a conquista dos trabalhadores quanto à limitação da jornada

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de trabalho, a nova lei autorizou a flexibilização da duração semanal do trabalho de 60 (sessenta) horas, por meio de negociação coletiva entre entidades sindicais e empregadores, o que foi prognosticado por José Augusto Ferreira da Silva, quando esteve no Brasil antes mesmo da reforma de 20038. É o que se observa no art. 204:

Artigo 204. adaptabilidade por regulamentação colectiva

1 – Por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, o período normal de trabalho pode ser definido em termos médios, caso em que o limite diário estabelecido no n. 1 do artigo anterior pode ser aumentado até quatro horas e a duração do trabalho semanal pode atingir sessenta horas, só não se contando nestas o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior.

2 – O período normal de trabalho definido nos termos previstos no número anterior não pode exceder cinqüenta horas em média num período de dois meses.

3 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo9.

Voltando ao ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Brasileira de 1934 destaca-se como a primeira que versou sobre a matéria trabalhista, impondo na década de 30 a limitação da jornada de trabalho a 8 (oito) horas diárias e o limite de duração semanal 48 horas, o que somente foi reduzido cinqüenta anos depois com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, que limitou a duração semanal do trabalho a 44 horas (art. 7º, inciso xIII).

Apesar disso, algumas leis especiais prevêem jornadas distintas para determinadas categorias, sendo importante ressaltar a Lei dos Petroleiros – Lei
n. 5.811, de 11 de...

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