Why judicial discretion is a problem to Dworkin but not to Alexy/Porque a discricionariedade e um grave problema para Dworkin e nao o e para Alexy.

AutorStreck, Lenio Luiz
CargoArt
  1. Hermeneutica e democracia: discricionariedades interpretativas, suas decorrencias e consequencias. De como o problema e paradigmatico.

    O Estado Democratico de Direito proporcionou uma nova configuracao nas esferas de tensao dos Poderes do Estado, decorrente do novo papel assumido pelo Estado e pelo constitucionalismo, circunstancia que reforca, sobremodo, o carater hermeneutico do direito. Afinal, ha um conjunto de elementos que identificam essa fase da historia do direito e do Estado: textos constitucionais principiologicos, a previsao/determinacao de efetivas transformacoes da sociedade (carater compromissorio e diretivo das Constituicoes) e as crescentes demandas sociais que buscam no Poder Judiciario a concretizacao de direitos tendo como base os diversos mecanismos de acesso a justica.

    Ocorre que isso nao pode comprometer os alicerces da democracia representativa. O grande dilema contemporaneo sera, assim, o de construir as condicoes para evitar que a justica constitucional (ou o poder dos juizes) se sobreponha ao proprio direito. Parece evidente lembrar que o direito nao e--e nao pode ser--aquilo que os tribunais dizem que e (falacia do realismo) (3). E tambem parece evidente que o constitucionalismo nao e incompativel com a democracia. Mas, se alguem deve dizer por ultimo o sentido do direito no plano de sua aplicacao cotidiana, e se isso assume contornos cada vez mais sign ificativos em face do conteudo principiologico e transformador da sociedade trazidos pelas Constituicoes, torna-se necessario atribuir um novo papel a teoria juridica.

    Em tempos de enfrentamento entre Constitucionalismo e positivismo (e os varios positivismos), e de fundamental importancia discutir o problema metodologico representado pela triplice questao que movimenta a teoria juridica contemporanea em tempos de pospositivismo: como se interpreta, como se aplica e se e possivel alcancar condicoes interpretativas capazes de garantir uma resposta correta (constitucionalmente adequada), diante da (inexorabilidade da) indeterminabilidade do direito e da crise de efetividade da Constituicao, problematica que assume relevancia impar em paises perifericos (que prefiro chamar de "paises de modernidade tardia", em que se destaca o Brasil) em face da profunda crise de paradigmas que atravessa o direito, a partir de uma dogmatica juridica refem de um positivismo, de um lado, exegetico-normativista, e, de outro, fortemente decisionista e arbitrario, produto de uma mixagem de varios modelos jusfilosoficos, como as teorias voluntaristas, intencionalistas, axiologicas e semanticas, para citar apenas algumas, as quais guardam um traco comum: o arraigamento, consciente ou inconsciente, ao esquema sujeitoobjeto.

    As diversas teorias criticas (teoria do discurso habermasiana, as diversas teorias da argumentacao, a hermeneutica, etc.) todas inseridas no paradigma do Estado Democratico de Direito, tem tido um objetivo comum: a superacao do positivismo juridico e das posturas doutrinarias que o sustentam. Entretanto, se existem pontos convergentes--como a necessidade de suplantar as velhas teorias das fontes e da norma--o mesmo nao se pode dizer acerca do que representa o processo de compreensao (interpretacao) dessas rupturas paradigmaticas.

    Nesta algaravia teorica--que repercute em nossa praxis juridica--Ronald Dworkin e colocado, ao lado de Robert Alexy, como um dos nomes de maior expressao nesse novo modus de pensar e fazer o direito. Entretanto, como veremos, esta aproximacao e minimamente questionavel, sobretudo, sob o prisma do problema da discricionariedade. Dworkin em debate com Herbert Hart foi de encontro a tese por este sustentada acerca do poder discricionario aos juizes para solver os casos dificeis. Deste modo, e diante de sua vasta obra, percebe-se que jusfilosofo norte-americano se propos a construir uma teoria juridica antidiscricionaria. Em sentido diverso, Alexy parece reconhecer que a discricionariedade e inexoravel. Deste modo, desenvolve um procedimento que, em tese, traria maior controle e certeza as decisoes judiciais. Todavia, durante as etapas da ponderacao e perceptivel nao somente a ocorrencia do juizo discricional, mas tambem a sua necessidade (4).

    Trata-se, portanto, de um choque de paradigmas, o que acarreta uma impossibilidade de misturar, por exemplo, posturas ainda assentadas no esquema sujeitoobjeto (em menor ou maior grau) e posturas antiepistemologicas. Definitivamente, hermeneutica nao e teoria da argumentacao, do mesmo modo que verdade nao e consenso. E nao e possivel lancar mao tao somente das "partes nobres" de cada teoria (ou paradigma), descartando as insuficiencias. Nao e possivel fazer sincretismos metodologicos.

    Na era das Constituicoes compromissorias e sociais, enfim, em pleno pospositivismo, uma hermeneutica juridica capaz de intermediar a tensao inexoravel entre o texto e o sentido do texto e dar conta do mundo pratico nao pode continuar a ser entendida como uma teoria ornamental do direito, que sirva tao somente para colocar "capas de sentido" aos textos juridicos.

    No interior da virtuosidade do circulo hermeneutico, o compreender nao ocorre por deducao (e tampouco por subsuncao). Consequentemente, o metodo (o procedimento discursivo) sempre chega tarde, porque pressupoe saberes teoricos separados da "realidade".

    Tais questoes e insuficiencias estao presentes nas diversas teorias proceduraisargumentativas. O que tais teorias nao levam em conta e a relevante circunstancia de que, antes de qualquer explicacao causal que resolveria easy cases, existe algo mais originario, que e a pre-compreensao, forjada no mundo pratico. Em outras palavras, antes de argumentar, o interprete ja compreendeu. O uso da linguagem nao e arbitrario, isto e, "a linguagem nao depende de quem a usa" (Gadamer). A compreensao antecede qualquer argumentacao. Ela e condicao de possibilidade.

  2. A necessaria critica a discricionariedade.

    Veja-se a complexidade e os desdobramentos da problematica relacionada a critica a discricionariedade na interpretacao (cuja questao central reside na decisao judicial dos assim denominados "casos dificeis"). Em uma apressada leitura do fenomeno, poder-se-ia entender que, cortadas as "amarras do supremo momento da subjetividade", isto poderia representar uma especie de abertura do processo de compreensao, mormente em um direito repleto de principios e clausulas abertas.

    De registrar, entretanto, que a heranca kelseniana do decisionismo nao foi superada ate hoje, e a discricionariedade hartiana tem sido, de algum modo, reapropriada pelas teorias argumentativas, so que sob o manto de uma racionalidade argumentativa com a pretensao de dar solucao ao problema de uma pos-metodica. Com efeito, a teoria da argumentacao alexyana --tese que, reconheca--se, mais tem sido utilizada em dissertacoes, teses e decisoes judiciais na tentativa de solucionar os dilemas destes tempos pos-positivistas em terrae brasilis--nao conseguiu fugir do velho problema engendrado pelo subjetivismo: a discricionariedade. Alem disso, nao se percebe nas decisoes judiciais uma coerencia na sua utilizacao. Na verdade, nao ha uma decisao judicial que tenha aplicado a esquematizacao constante na tese alexiana.

    Parece nao restar duvidas de que Alexy, nos casos dificeis, aposta em solucoes que perpassam o ambito juridico, circunstancia que ate mesmo deixa para tras a conhecida aposta de Herbert Hart na discricionariedade. De todo modo, seja o nome que se de ao modo de como, no plano da teoria da argumentacao, devem ser solvidos os hard cases, o proceder discricionario do juiz e tambem admitido por outros nao menos importantes adeptos da teoria, como Prieto Sanchis (5) e Manuel Atienza--a partir de diversos aspectos explicitos e implicitos.

    Especificamente em Alexy, o problema aparece na questao do fundamento, isto e, a discricionariedade fica clara no momento em que o sub-jectum e afirmado por Alexy como o indepassavel--e nao o mundo-da-vida ou o ser-no-mundo como acontece na tradicao fenomenologica. Isso tambem fica patente na problematica da ponderacao, tao cara a Teoria da Argumentacao Juridica: quem escolhe os principios que estarao em situacao de colisao? Quem decide sobre a tensao existente na otimizacao principiologica que prescreve a maxima: "todo principio deve ser cumprido em suas maximas possibilidades, de acordo com as circunstancias faticas e juridicas emergentes da aplicacao"?

    A resposta a estas duas questoes e clara para Alexy: o juiz, o sub-jectum da interpretacao juridica. E, tambem na questao do metodo, igualmente esta presente o sujeito, responsavel pela correcao do "uso seguro do argumento" (veja-se, nesse sentido, a sucessao de formulas apresentadas/sugeridas pelo jurista alemao). Como consequencia das duas questoes anteriores, a teoria da argumentacao juridica tenta "racionalizar" o processo de aplicacao do direito a partir da ponderacao dos principios, o que acaba por alargar ainda mais o coeficiente de incerteza e incontrolabilidade do resultado da decisao judicial (registre-se, de todo modo, que nao ha unanimidade no campo das teorias da argumentacao: Manuel Atienza, por exemplo, diz que, tanto a teoria de Alexy como a de MacCormick, nao oferecem um metodo que permita, por um lado, analisar adequadamente os processos de argumentacao juridica e, por outro, avaliar os resultados dos mesmos).

    Mais ainda, parece nao restar duvida de que, afinal, a ponderacao e um procedimento e, como tal, pretende ser uma tecnica de legitimacao da decisao que sera proferida no caso concreto; so que a unica possibilidade de "controle" se da no ambito do proprio procedimento, e nao no conteudo vinculado por ele; quem decide, quem valora, ao fim e ao cabo, e o sujeito (que nao e o sujeito da intersubjetividade, porque este nao esta na pauta da teoria da argumentacao juridica exatamente pela cisao feita entre subsuncao e ponderacao e entre casos faceis e casos dificeis; (6) o sujeito e, pois, o do esquema sujeito-objeto)...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT