4.3 O Direito em Crise: Fim do Estado Moderno?

AutorLoreci Gottschalk Nolasco
Páginas155-162

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A mudança estrutural da ordem internacional é uma das causas mais visíveis do sepultamento definitivo da idéia de que o Estado é o titular do monopólio da produção de normas jurídicas.

Com efeito, enquanto o Estado Nacional perde o viço, tragado pela força incoercível do processo de globalização econô-mica, robustecem-se as instâncias supranacionais de poder.34Sob esse ângulo, opera-se uma mudança qualitativa do Direito Internacional que, paulatinamente, deixa de preocupar-se apenas com as relações mantidas por Estados, passando a converter-se em fonte de direitos subjetivos para os indivíduos. Antes caracterizado por seu débil poder de coerção (soft law), o Direito Inter-nacional vai adquirindo novos mecanismos de atuação, com a criação de Cortes Internacionais, cujas decisões vão, com o passar dos tempos, tornando-se obrigatórias e vinculantes no âmbito dos ordenamentos domésticos dos Estados.

Para José Eduardo Faria, a globalização econômica está substituindo a política pelo mercado, como instância privilegiada de regulação social. Assegura o autor:

Por tornar os capitais financeiros muitas vezes imunes a fiscalizações governamentais, fragmentar as atividades produtivas em distintas nações, regiões e continentes e reduzir as sociedades a meros conjuntos de grupos e mercados unidos em rede, esse fenômeno vem esvaziando

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parte dos instrumentos de controle dos atores nacionais. À medida que o processo decisório foi sendo transnacionalizado, as decisões políticas tornaram-se crescentemente condicionadas por equilíbrios macroeconômicos que passaram a representar, mais do que um simples indicador, um efetivo princípio normativo responsável pelo estabelecimento de determinados limites às intervenções reguladoras e disciplinadoras dos governos.35Salienta Bauman que, devido à total e inexorável disseminação das regras de livre mercado e, sobretudo, ao livre movimento do capital e das finanças, a "economia" é progressivamente isentada do controle político; com efeito, o significado primordial do termo "economia" é o de "área não-política." O que quer que restou da política, espera-se, deve ser tratado pelo Estado, como nos bons velhos tempos - mas o Estado não deve tocar em coisa alguma relacionada à vida econômica, sob pena de enfrentar a imediata e furiosa punição dos mercados mundiais.36A corrida para criar novas e, cada vez mais fracas entidades territoriais "politicamente independentes", não vai contra a natureza das tendências econômicas globalizantes; a fragmentação política não é uma "trava na roda" da "sociedade mundial" emergente, unida pela livre circulação de informação. Por sua independência de movimento e irrestrita liberdade para perseguir seus objetivos, as finanças, comércio e indústria de informação globais dependem da fragmentação política - do retalhamento - do cenário mundial, garante Zygmunt Bauman.37Com isso, surge um novo direito comum, que tende a ser universalizado entre os atores econômicos internacionais, produzido não pelo Estado ou por qualquer organização internacional, mas pelo próprio mercado com base na lógica que lhe é inerente. Essa nova realidade é atemorizante ao mesmo tempo que o mercado não tem ética, pois objetiva a expansão do lucro, ainda que à custa do agravamento de problemas sociais e do desrespeito aos direitos humanos. Portanto, o direito estatal, forte-mente ancorado na ética comunitária, vai sendo substituído por

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regras informais de conduta baseadas na exclusiva preocupação com a eficiência econômica.

Há, portanto, segundo Boaventura de Sousa Santos, uma ruptura da centralidade e exclusividade do Direito Positivo nacional. Editado sob a forma de uma ordem jurídica postulada como lógica, coerente e livre de ambigüidades ou antinomias, esse Direito é desafiado por regras e procedimentos normativos espontaneamente forjados no sistema econômico. São direitos autônomos, com normas lógicas e processos próprios, entreabrindo a coexistência de diferentes normatividades; mais precisamente, de um pluralismo jurídico de natureza infra-estatal ou supra-estatal.38Amandino Teixeira Nunes Júnior, fundamentado em Ana Lúcia Sabadell, afirma que há três concepções atuais do pluralismo jurídico: 1ª) "interlegalidade", isto é, a "existência de vários sistemas de normas jurídicas que interagem entre si, criando redes de relações jurídicas continuamente mutantes": considera o monopólio estatal da elaboração e aplicação do Direito como...

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