Entre abalos ontológicos e novas pulsações: a sociedade pós-moderna e a necessária reconceitualização dos direitos humanos

AutorAgnaldo Sousa Barbosa - Ana Carolina Morais Colombaroli
CargoDoutor e Pós-Doutor em Sociologia - Bacharelanda em Direito na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Franca, SP e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Páginas229-247
1807-1384.2014v11n2p229
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Adaptada.
ENTRE ABALOS ONTOLÓGICOS E NOVAS PULSAÇÕES: A SOCIEDADE PÓS-
MODERNA E A NECESSÁRIA RECONCEITUALIZAÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS
Agnaldo Sousa Barbosa
1
Ana Carolina de Morais Colombaroli2
Resumo:
O presente ensaio tem como objetivo empreender uma reflexão acerca dos caminhos
e descaminhos da chamada pós-modernidade, considerando a dinâmica da mudança
social operada em seu contexto e a modificação dos parâmetros de sociabilidade do
homem pós-moderno, buscando relacioná-los com uma concepção prática,
multicultural e, sobretudo, efetiva dos direitos humanos. Na “pós-modernidade”
evidencia-se um poder crescente dos atores sociais e uma emancipação das
estruturas tradicionais. O espaço ocupado pelas estruturas modernas tradicionais se
reduz cotidianamente. Os indivíduos apresentam-se cada vez menos controlados pela
tradição e pela convenção; uma maior modernização lhes exige mais informação,
educação e democratização, o que permite a crítica da realidade e a reflexão sobre si
mesmo. As identidades não mais se vinculam exclusivamente aos conflitos entre
capital e trabalho, mas ligam-se intimamente ao conflito “emancipação X opressão”.
Essas emancipações diversas são justamente a expressão da pós-modernidade. A
sociedade já não suporta um cenário cultural linear, homogeneizante, monocêntrico. A
concepção jurídico-positiva e formalista dos direitos fundamentais não é suficiente
para a nova sociedade. Os direitos humanos devem ser encarados como fruto de
nossas práticas sociais e relações humanas, buscando consolidar novas formas de
normatividade, que atendam às necessidades das novas coletividades e de novas
sociabilidades.
Palavras-chave: Sociedade pós-moderna. Mudança Social. Emancipação. Direitos
humanos. Reconceitualização.
1 INTRODUÇÃO
A partir de meados da década de 1970, em respostas às crises econômicas do
período, processaram-se em escala global profundas modificações na dinâmica de
1 Doutor e Pós-Doutor em Sociologia. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e
Análise de Políticas Públicas da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Franca, SP,
Brasil. Professor e pesquisador do Depto. de Educação, Ciências Sociais e Políticas Públicas da mesma
instituição. E-mail: agnaldoweb@gmail.com
2 Bacharelanda em Direito na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Franca, SP e
bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. E-mail:
carolcolombaroli@hotmail.com
230
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.11, n.2, p.229-247, Jul-Dez. 2014
acumulação do capital e das formas de organização do trabalho, afetando
dramaticamente dimensões fundamentais da vida social. Tais mudanças, que se
deram especialmente como reflexo do engendramento de uma dinâmica de
“acumulação flexível”
3 (HARVEY, 1995) e do conseqüente abalo das estruturas da
“sociedade salarial”4 (CASTEL, 1998), foram sentidas com maior intensidade no Brasil
a partir da segunda metade da década seguinte.
No turbilhão destas transformações o mundo vivenciou a crise do Estado-
Providência, o avanço do neoliberalismo e uma rápida e impetuosa modernização
científico-tecnológica. Ao mesmo tempo, ganharam força os movimentos sociais e de
luta pela democracia: seja na oposição ao socialismo autoritário no leste europeu, no
enfrentamento das ditaduras latino-americanas ou, no caso do sul-africano, no
combate ao apartheid, dentre outros. Diante da rapidez dos acontecimentos, “a
realidade parece ter tomado definitivamente a dianteira sobre a teoria” para
utilizarmos as palavras do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (1995, p.
18).
Os atores sociais da pós-modernidade são outros. Seu poder cresceu
concomitante à emancipação das estruturas tradicionais. A indústria fordista, o
trabalho assalariado, a crença incondicional na ciência e a família nuclear foram
perdendo cada vez mais espaço. A tradição e a convenção passaram a exercer menos
influência sobre os indivíduos. Tal dinâmica modernizadora e emancipatória vem
exigindo dos indivíduos maior informação, domínio de novos códigos e conteúdos
cognitivos e democratização processos estes que permitem a crítica da realidade e
reflexão sobre si e sobre o meio social (BECK, GIDDENS & LASH, 1997).
As lutas materializadas na polarização entre capital e trabalho passaram,
gradativamente, a dividir espaço com os conflitos característicos da pós-modernidade,
3 De acordo com Harvey, no contexto do que chama de acumulação flexível (caracterizada pela
flexibilização dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de
consumo), “novos sistemas de coordenação foram implantados, quer por meio de uma complexa
variedade de arranjos de subcontratação (que ligam pequenas firmas a operações de larga escala, com
freqüência m ultinacionais), através da formação de novos conjuntos produtivos em que as economias
de aglomeração assumem crescente importância, quer por intermédio do domínio e da integração de
pequenos negócios sob a égide de poderosas organizações financeiras ou de marketing (a Benetton,
por exemplo, não produz nada diretamente, sendo apenas uma potente máquina de marketing que
transmite ordens para um amplo conjunto de produtores independentes).” (1995, p. 150)
4 “Uma sociedade salarial é uma sociedade n a qual a maioria dos sujeitos sociai s recebe não somente
sua renda, m as também seu estatuto , seu reconhecimento, sua proteção social. A sociedade salarial
promoveu, neste sentido, um tipo completamente novo de segurança: uma segurança relacionada ao
trabalho, e não somente à propriedade” (Castel, 1998, p. 150)

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