ABORTO, OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA E BIOÉTICA FEMINISTA: ESTRATÉGIAS PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À INTERRUPÇÃO LEGAL DA GESTAÇÃO

AutorMaria Regina de Ávila Moreira, Ingrid de Cássia Souza de Oliveira
Páginas139-166
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GÊNERO | Niterói | v. 21 | n. 1 | p. 139-166 | 2. sem 2020
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ABORTO, OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA E BIOÉTICA FEMINISTA:
ESTRATÉGIAS PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À INTERRUPÇÃO
LEGAL DA GESTAÇÃO
Maria Regina de Ávila Moreira1
Ingrid de Cássia Souza de Oliveira2
Resumo: O direito ao aborto no Brasil está previsto na legislação desde 1940,
e sua regulamentação ocorreu em 1999 pelo Ministério da Saúde. Entretanto,
a garantia da interrupção legal da gestação traz desafios, dentre os quais o
tema da objeção de consciência. Assim, este artigo se dedica a analisar este
dispositivo e suas implicações para o acesso ao aborto legal. Trata-se de um
estudo bibliográfico e documental, apoiado em normatizações do Ministério
da Saúde, Códigos de Ética Profissional e textos de autores da Bioética e
do Feminismo. Pretende-se contribuir, por meio de uma reflexão crítica e
estratégica, para a garantia do acesso a esse direito.
Palavras-chave: Aborto; Objeção de consciência; Bioética feminista.
Abstract: The right to abortion in Brazil has been established in legislation
since 1940, and its regulation was carried out in 1999 by the Ministry of
Health. The guarantee of legal termination of pregnancy brings challenges,
among them, the issue of objection of consciousness. This article is devoted
to analyzing such device and its implications for access to legal abortion.It
is a bibliographical and documentary study, supported by regulations of
the Ministry of Health, Codes of Professional Ethics and texts of authors
of Bioethics and Feminism. The aim is to contribute, through a critical and
strategic reflection, to the guarantee of access to this right.
Keywords: Abortion; Objection of consciousness; Feminist bioethics.
1 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora
do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil. E-mail:
regina.avila@ufsc.br. Orcid: 0000-0002-6908-6186.
2 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Assistente Social do
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) no município de Balneário Piçarras (SC), Brasil. E-mail:
ingrid.csoo@gmail.com. Orcid: 0000-0001-5865-0098
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Introdução
Aborto. Este trabalho se inicia com uma palavra, classificada como subs-
tantivo – ou, ao se tornar verbo, “abortar” é termo transitivo, que requer
um complemento para completar o seu sentido. Também pode ser sinônimo
de castigo – a depender dos olhos que aqui irão percorrer. A metáfora com
a sintaxe nos auxilia na compreensão de um tema em que todos – ateus,
cristãos, padeiros, juízes e desempregados – têm uma opinião a respeito.
Não por acaso o corpo das mulheres foi objeto de estudo ao longo da histó-
ria. Temos uma literatura vasta de argumentações, ponderações científicas,
religiosas e demais classificações que enquadram o abortamento como um
direito, um crime ou um pecado.
Neste artigo, propomos uma abordagem sob a luz da Bioética Feminista,
um campo emergente do conhecimento científico e que tem como um de
seus precursores a pesquisadora brasileira Débora Diniz – que atualmente
encontra-se fora do país3 em razão das recorrentes ameaças de morte
oriundas de seu posicionamento público em defesa da descriminalização
e legalização do aborto. Diante disto, torna-se essencial reiterar a ideia de
que nenhum conhecimento é neutro. Assim, optar por referencial analí-
tico a perspectiva feminista da Bioética significa dizer “não à manutenção
do discurso dominante que perpetua a opressão” e dizer sim a “uma aná-
lise crítica profunda sobre as estruturas de poder presentes na sociedade e
sua influência lesiva sobre a organização e hierarquização dos serviços de
saúde” (DINIZ; GUILHEM, 2012, p.111).
O anseio de realizar este estudo surgiu da inserção no Programa de
Residência Integrada Multiprofissional em Saúde (RIMS) do Hospital
Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade
Federal de Santa Catarina (HU/UFSC) e, mais especificamente, por meio
da imersão, como assistente social residente da ênfase de Saúde da Mulher
e da Criança, na Unidade de Internação Ginecológica. O atendimento
direto às mulheres em situação de violência sexual – nomeadamente as
que recorrem ao aborto legal –, bem como a aproximação com os debates
relacionados à temática por meio da participação nas reuniões da Equipe
de Atenção Integral às Pessoas em Situação Violência Sexual (Acolhe
HU-UFSC) desenvolveram estas reflexões.
3 “Não bastasse o linchamento virtual nas redes sociais, ela recebeu ao longo dos últimos meses dezenas
de ameaças de morte e, incluída no Programa de Proteção aosDefensores de Direitos Humanosdo governo
federal, foi aconselhada a deixar o país”. Disponível em: https://bit.ly/338BlSb. Acesso: 28 dez. 2018.

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