A acessibilidade ao processo eletrônico como um direito humano-fundamental. Uma taxonomia sobre a neutralidade digital processual

AutorAlexandre Freire Pimentel
CargoUniversidade Católica de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
Páginas179-195
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A ACESSIBILIDADE AO PROCESSO ELETRÔNICO
COMO UM DIREITO HUMANO-FUNDAMENTAL: UMA
TAXONOMIA SOBRE A NEUTRALIDADE DIGITAL
PROCESSUAL
THE ACCESSIBILITY TO THE ELECTRONIC PROCESS AS A
FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT: A TAXONOMY ON DIGITAL
NEUTRALITY PROCEDURAL
Alexandre Freire PimentelI
Resumo: Através dos métodos histórico e bibliográfico,
o presente artigo analisa a evolução do acesso à ambiência
digital, desde os mainframes até a era da internet, com
o intuito de demonstrar o viés publicista e inclusivista do
direito processual eletrônico. Defende-se que o acesso ao
sistema de processo eletrônico deve ser considerado como um
direito humano fundamental, bem como que é necessária a
instituição de uma taxonomia sobre a garantia da neutralidade
digital, isto é, sobre a garantia de tratamento igualitário aos
usuários da rede virtual prevista na Lei do Marco Civil da
Internet, independentemente do valor pago, e como isso
deve ser aplicado ao processo eletrônico. Serão analisadas,
ainda, as possibilidades de falha na prestação do serviço e
suas repercussões na restituição dos prazos processuais.
Palavras-chave: Acessibilidade. Processo eletrônico. Direito
humano. Neutralidade digital.
Abstract: rough the historical and bibliographic methods,
the present article analyzes the evolution of the access to the
digital environment, from the mainframes to the internet
age, in order to demonstrate the publicist and inclusivity
bias of the electronic procedural law. It is argued that access
to the electronic process system should be considered as a
fundamental human right, as well as what is necessary to
establish a taxonomy on the guarantee of digital neutrality,
that is to say, on the guarantee of equal treatment to users of
the virtual network provided in the Internet Civil Law Act,
regardless of the amount paid, and how this should be applied
to the electronic process. It will also analyze the possibilities
of failure to provide the service and its repercussions in the
restitution of procedural deadlines.
Keywords: Accessibility. Electronic process. Human right.
Digital neutrality.
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v16i40.618
Recebido em: 9/12/2021
Aceito em: 11/12/2021
I Universidade Católica de Pernambuco,
Recife, PE, Brasil. Doutor em Direito.
180 Revista Direitos Culturais | Santo Ângelo | v. 16 | n. 40 | p. 179-195 | set./dez. 2021
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v16i40.618
1 Introdução
Através de uma retrospectiva histórica associada ao método dedutivo focado
em revisão de literatura especializada, o presente artigo analisa como a internet
surgiu, superando a ideia dos computadores mainframes, por uma opção estratégico-militar
desenvolvida nos Estados Unidos, e como a rede distanciou-se de seu escopo bélico inicial, após
o fim da guerra fria, e se transformou numa ambiência lógica subdividida em diferentes camadas
que integram computadores do mundo inteiro através de diferentes protocolos informáticos de
hipercomunicação.
Porém, ao mesmo tempo em que a internet transformou o mundo numa aldeia global,
no sentido de McLuhan, isto é, num universo no qual todos os indivíduos poderiam comunicar-
se com uma autonomia e liberdade de expressão nunca antes vistas, sob outro aspecto também se
transformou numa ágora de vigilância social por governos e pelo domínio ubíquo e monopolizador
das grandes corporações do setor tecnológico, ou seja, metamorfoseou-se num grande “teatro
global”.1 Como perceberam McLuhan e Watson, os efeitos negativos da tecnologia geraram no
homem ocidental impactos similares aos de uma inundação que atingia o homem primitivo, tal
qual a escrita expulsou os nativos de Gana de seu mundo tribal coletivo e os acuou num novo
mundo individualizado e vigiado: “... o principal negócio do mundo é a espionagem...”. 2
Com efeito, a partir da mineração de informações contidas em big data, as big techs,
livres de regulamentação legal estatal eficaz e guiadas por princípios capitalistas ultraliberais,
tornaram-se capazes não apenas de predizer comportamentos dos seres humanos, mas, mais que
isso, de prescrevê-los, interferindo abusivamente na seara da vida privada dos usuários de redes
sociais e internautas em geral, para coletar informações pessoais sem o devido consentimento,
processá-las e vendê-las sem qualquer preocupação com os desideratos empresariais e eleitorais
que estão por trás do que Jaques Ellul já alertara como sendo um grande blefe tecnológico, pois
na mesma medida em que geram nos usuários uma sensação de empoderamento e inclusão social
também os aprisionam e os excluem em consonância com o identitarismo respectivo.3
Considerando que a regulamentação legal do ciberespaço constitui-se numa utopia,
porquanto pressupõe que um órgão parlamentar universal instituísse normas cogentes sobre o
uso da internet no mundo todo, restou à sociedade civil tentar influir nas políticas públicas de
regulamentação jurídica da grande rede, mas limitando-se ao âmbito territorial das fronteiras
1 McLUHAN, Herbert Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. Tradução:
PIGNATARI, Décio. São Paulo: Cultrix, 1971, 63.
2 “Since Sputnik put the globe in a “proscenium arch,” and the global village has been transformed into a global
theater, the result, quite literally, is the use of public space for “doing one’s thing.” A planet parenthesized by
a man-made environment no longer offers any directions or goals to nation or individual. e world itself
has become a probe. “Snooping with intent to creep” or “casing everybody else’s joint” has become a major
activity”. McLUHAN, Herbert Marshall e WATSON, Wilfred. From cliché to archetype. New York: Viking
Press, 1970, p. 12.
3 ELLUL, Jacques. A técnica e o desafio do século. Tradução: Roland Corbisier. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1968, p. 82. Essa obra de Ellul (1ª edição em 1954) inicia uma trilogia, sendo sucedida por “Le système
technicien” (París: Calmann-Lévy, 1977) e “Le bluff technologique” (París: Hachette, 1988). O conjunto
da obra revela uma análise histórica profunda sobre o estudo da técnica e da tecnologia, desde o Oriente
Antigo, passando pelos gregos, romanos, Idade Média, iluminismo, capitalismo e marxismo, até desembocar
na contemporaneidade (1954 a 1988), quando o autor antevê, com viés profético, preciso e escatológico, a
concretização da vertente tenebrosa de dominação da vontade humana pela tecnologia.

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