Acesso externo às comunicações feitas por meio do whatsapp

AutorDario José Kist
Ocupação do AutorMestre em Direitos Fundamentais
Páginas331-347
Prova Digital no Processo Penal 331
CAPÍTULO II
ACESSO EXTERNO ÀS COMUNICAÇÕES
FEITAS POR MEIO DO WHATSAPP
Neste capítulo, será desenvolvida a tarefa de de nir se ao acesso
externo às comunicações feitas a partir da plataforma do aplicativo WhatsApp
é aplicável o regime da interceptação da comunicação telefônica. Para
alcançar esse desiderato, serão apresentadas as principais características
desse regime e discutido se os seus elementos têm aptidão para regu-
larem todas ou pelo menos alguma das formas de comunicação que o
WhatsApp permite.
1. O paradigma da interceptação de comunicação telefônica
Não há muitas controvérsias sobre a de nição do fenômeno da
interceptação da comunicação telefônica: trata-se da captação da conversa
telefônica em andamento entre emissor e receptor por um terceiro, sem
a ciência e nem o consentimento daqueles514. Trata-se, pois, de escutar
514 Na literatura portuguesa, o regime das “escutas telefônicas” – o equivalente ao da
“interceptação telefônica” no Brasil, é objeto de análise doutrinária, a título de exemplo,
em: ANDRADE, Manuel da Costa. “O regime dos «conhecimentos da investigação»
em processo penal: re exões a partir das escutas telefónicas”. In As alterações de 2013
aos Códigos Penal e de Processo Penal: uma reforma «cirúrgica»? (org. André Lamas Leite),
Coimbra: Coimbra Editora, 2013, pp. 153-202; do mesmo autor: Sobre as Proibições de
Prova em Processo Penal. 1ª Ed. reimpressa. Coimbra: Coimbra Editora, 2013 e “Sobre o
regime processual das escutas telefónicas”. In Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano I,
nº 3 (Julho-Setembro de 1991), pp. 369- 408; LEITE, André Lamas. “Entre Péricles e Sísifo:
o novo regime legal das escutas telefónicas”. In Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano
17, nº 4, Out.- Dez. 2007, pp.613-669; do mesmo autor: “As escutas telefónicas: algumas
re exões em redor do seu regime e das consequências processuais derivadas da respectiva
violação”. In Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, ano 1, 2004, pp. 9-58;
LEITE, Inês Ferreira. “O novo regime das escutas telefónicas: uma visão panorâmica sobre
a reforma de 2007”. In Direito da investigação criminal e da prova (coord. Maria Fernanda
Palma/Augusto Silva Dias/Paulo de Sousa Mendes/Carlota Almeida), Coimbra: Almedina,
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Dario José Kist
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o que duas pessoas conversam, sem que estas saibam que estão sendo
ouvidas.
A palavra “escuta” é derivação regressiva de escutar, que pode sig-
nicar ouvir e prestar atenção ao que alguém fala; mas nela também cabe
a noção de espiar ou de espionar515, sendo certamente este último senti-
do mais adequado à escuta de que está se tratando.
Já o termo interceptação está ligado ao verbo interceptar, cujo sig-
nicado comum passa pela noção de interromper o uxo ou o curso de
algo, impedindo que chegue ao seu destino, e com esse sentido trata-se
de um obstáculo. Associado ao adjetivo “telefônico”, interceptar signi-
ca captar, ouvir ou escutar o conteúdo de uma comunicação telefônica
(constituída de palavras faladas) que está em desenvolvimento entre in-
terlocutores; o terceiro que se insere no uxo da comunicação, o inter-
ceptador, terá acesso às informações veiculadas na conversação que se
estabelece entre o visado e qualquer pessoa com quem converse, sem
que nenhum destes interlocutores tenha ciência de que o conteúdo co-
municado está sendo acessado pelo terceiro.
A clandestinidade da imersão no conteúdo do ato comunicacional
em andamento, portanto, é da essência da escuta/interceptação, exata-
mente por conta da insciência dos interlocutores; e, por essa razão, é
também ilícita, a não ser que, e nos termos hoje consagrados pela Cons-
tituição dos mais variados países, a escuta seja feita por órgão estatal
encarregado de investigação criminal, destine-se a produzir prova de in-
fração penal grave e tenha sido previamente autorizada por autoridade
judiciária competente, além de estarem preenchidas outras condições
que o respectivo regime jurídico preveja.
Além disso, a escuta/interceptação telefônica é instrumento de
contundente intrusividade na esfera da vida privada das pessoas, um cam-
po em que jogam vários direitos fundamentais individuais; consequência
necessária é a de que sua utilização, mesmo atendidos os requisitos
pp. 255- 271; MATA-MOUROS, Maria de Fátima. “Escutas telefónicas: o que não muda
com a reforma”. In Revista de Economia e Direito, volume 12, nº 2/volume 13, nº 1, pp.
279-310; da mesma autora: Sob escuta: reexões sobre o problema das escutas telefónicas e
as funções do juiz de instrução criminal. Cascais: Principia, 2003; RODRIGUES, Benjamim
Silva. Das Escutas Telefônicas. Tomo II. 2ª Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2009, com vastas
referências bibliográcas.
515 Denições constantes no dicionário Michaelis, disponível em http://michaelis.uol.com.br/
moderno-portugues.
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