O que acontece com o município visinho interessa? Um estudo de econometria espacial aplicado a Santa Catarina (1998-2002)

AutorJean Max Tavares
CargoDoutor em Economia (UFRGS). Professor de Economia (PUC/MG).
Páginas38-57

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Jean Max Tavares1

1. Introdução

A prática de se observar uma determinada unidade geográica como sendo independente das localidades vizinhas, ignorando a questão espacial e sua importância na determinação dos resultados, parece ter sido uma prática relativamente comum em algumas linhas de pesquisa, como, por exemplo, em crescimento econômico.

Contudo, relegar a questão espacial a um segundo plano é desconsiderar a possibilidade de spillovers espaciais, ou seja, é não se levar em conta que as

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transformações sociais e econômicas ocorridas em uma região podem interferir na região vizinha, independente do critério de vizinhança que se adote.

Em relação ao crescimento econômico, a possibilidade de as transformações ocorridas em uma certa região afetar outras nos remete à seguinte pergunta: as taxas de crescimento observadas em uma área estão imunes ao que acontece nas áreas vizinhas? Algumas evidências sugerem que a resposta seja não, isso porque as economias interagem uma com as outras, sendo que, no caso de economias regionais, as relações são assumidas como mais fortes do que aquelas entre países heterogêneos (LOPEZBAZO, VAYÁ E ARTIS, 2004). Segundo esses autores, como os agentes seriam limitados pela distância e pelo tempo, as externalidades no processo de produção teriam uma dimensão espacial. Neste sentido, não existiria, a priori, uma razão para restringir spillovers apenas à localidade na qual o processo de crescimento ou retração econômica esteja ocorrendo.

Portanto, “quando um indivíduo apresenta alguma qualidade que, provavelmente, se faz presente em indivíduos vizinhos, dizse que o fenômeno exibe autocorrelação espacial”, conforme deinem Lousada, Bearzoti e Carvalho (2006, p.206).

Em termos de crescimento populacional e de PIB per capita, o Estado de Santa Catarina destacase através de suas principais cidades – Florianópolis, Joinvile e Blumenau (IBGE, 2002), o que poderia beneiciar os demais municípios das mesorregiões Nordeste e Vale do Itajaí em detrimento, por exemplo, dos municípios da região Sul do Estado, os quais podem ter sido afetados negativamente pelo baixo nível de crescimento econômico e populacional de seus principais pólos, como Tubarão e Criciúma, ao longo da década de 90 (IBGE, 2002).

Dessa forma, este artigo procura investigar a presença de autocorrelação espacial em relação às taxas de crescimento do PIB per capita e populacional de alguns municípios de três importantes regiões de Santa Catarina (Nordeste, Vale do Itajaí e Sul), e veriicar se essas taxas são distribuídas de forma aleatória ou não.

A inclusão da possibilidade da taxa de crescimento populacional de um município afetar a taxa de crescimento populacional de municípios contíguos decorreria de um processo de saturação e encarecimento do seu espaço de ocupação. Já a utilização da taxa de crescimento do PIB per capita se dá pelo fato de que tal aumento na produção de bens e serviços em um

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município pode atrair empresas para municípios contíguos, as quais poderão atuar como fornecedoras de insumos ou de bens de consumo/duráveis tanto para dar suporte a esse crescimento quanto para a sua população.

Para tanto, será utilizada uma série de dados do PIB per capita, delacionados pelo IGPDI da Fundação Getúlio Vargas, e da população dos 293 municípios do Estado de Santa Catarina, compreendendo o período de 1998 a 2002, obtidos junto à Secretaria do Planejamento e ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, com o auxílio do programa SpaceStat desenvolvido por Anselin (1995).

A im de apresentar o trabalho realizado, este artigo está organizado da seguinte forma: após a introdução, segue um breve histórico de Santa Catarina e de suas mesorregiões. Em seguida, são abordadas as teorias e as evidências relativas ao tema. È abordado, então, a econometria espacial e o modelo econométrico. No quinto tópico são apresentados os resultados e, por im, as considerações inais.

2. Santa CAtarina

Santa Catarina é um estado brasileiro situado no centro da Região Sul do país, com 5.356.360 habitantes, tem área de 95.442,9 metros quadrados, clima subtropical e possui 293 municípios, sendo a sétima economia do país. (IBGE, 2002). Tem como municípios mais populosos Joinville, Florianópolis, Blumenau, Criciúma e Chapecó. Geograicamente, Santa Catarina é subdividido em oito mesorregiões: Grande Florianópolis, Nordeste, Vale do Itajaí, Planalto Norte, Planalto Serrano, Sul, Meiooeste e Oeste.

As regiões Nordeste e Vale do Itajaí apresentam os principais municípios do Estado, tanto em termos econômicos quanto populacionais, tais como: Joinville e Jaraguá do Sul, ambos com forte desenvolvimento das indústrias do ramo eletrometalmecânico, e Blumenau, Brusque, Rio do Sul e Gaspar (GOVERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 2002).

A região Norte caracterizase como pólo lorestal do Estado, com indústrias moveleiras, madeireiras, de papel e papelão. Porém, não tem nenhum município de grande expressão populacional e forte poderio econômico, embora São Bento do Sul possua um desenvolvido parque fabril do Estado (mas com menos de 80 mil habitantes), Mafra (50 mil habitantes) e Porto União (pouco mais de 30 mil habitantes), segundo dados do IBGE (2002).

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O Planalto Serrano tem no frio e no turismo rural uma de suas principais fontes de renda, recebendo milhares de turistas no inverno, com destaque ainda para a pecuária e a indústria lorestal (GOVERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 2002). Três municípios merecem destaque nessa mesorregião: Lages (160 mil habitantes, segundo IBGE, 2002) e São Joaquim (terceiro produtor de maçã do Estado, com cerca de 600 pequenos produtores e população inferior a 24 mil habitantes) e Urubici (maior produtor de hortaliças de Santa Catarina, com população de pouco mais de 10 mil habitantes), segundo dados do Governo de Santa Catarina, 2002.

Marcada pela imigração italiana, a região sul destacase na indústria cerâmica, extrativismo e produção de vinhos. O principal município é Criciúma (sexto maior PIB do Estado, conhecido nacionalmente pela sua produção em cerâmica, azulejos e de carvão), seguida por Tubarão e Araranguá (GOVERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 2002).

No MeioOeste predominam municípios de pequeno e médio porte, cuja atividade econômica está baseada na agroindústria, criação de bovinos e produção de maçã, além de indústrias do pólo metalmecânico. Dentre esses municípios destacamse Joaçaba (possui desenvolvido setor de processamento de madeira e de produtos alimentícios); Videira (destaque na criação e abate de aves e de suínos), Caçador e Campos Novos, segundo informações do Governo de Santa Catarina (2002).

Por im, a região Oeste é caracterizada como grande produtora de grãos, aves e suínos, além do turismo que começa a se fortalecer devido a suas fontes hidrotermais – destaque para o município de Ita, com menos de 8 mil habitantes (IBGE, 2002). Os principais municípios são Chapecó, Concórdia, Xanxerê e São Miguel do Oeste.

Após a descrição das principais características econômicas e populacionais de Santa Catarina, serão abordadas as principais teorias e evidências que suportam a análise de dependência espacial, não só em níveis nacionais e regionais, mas principalmente municipais.

3. Teoria e evidências

Tobler (1979) responsável por enunciar a chamada Primeira Lei da Geograia, airmou que coisas mais próximas estão mais relacionadas entre si que coisas distantes. Para Kampel, Câmara e Quintanilha (2004, p.3) “a

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expressão quantitativa deste princípio é o efeito da dependência espacial: valores observados serão espacialmente agrupados, e as amostras não serão independentes”.

Assim, a econometria espacial tem por objetivo identiicar regiões onde a distribuição dos valores possa apresentar um padrão especíico associado a sua localização geográica. Portanto, a informação que se pretende dimensionar é o quanto o comportamento de variáveis de uma certa localidade é parecido com o comportamento de variáveis de uma localidade próxima e diferente de uma localidade distante. Dessa forma, a inluência de regiões vizinhas no desenvolvimento de uma determinada localidade através de efeitos spillovers espaciais é cada vez mais considerada nos trabalhos de crescimento econômico e economia regional (MARTINHO, 2005).

A possibilidade de um país poder se beneiciar de um aumento na atividade econômica de seus vizinhos próximos geograicamente é conirmada por Moreno e Trehan (1997), que apontam que este relacionamento tem um elemento espacial. Esses autores airmam, por exemplo, que a distância é uma importante variável explicativa em modelos (de gravidade) empíricos de comércio e imigração, e que há forte evidência de que a taxa de crescimento dos países é positivamente inluenciada pelas taxas de crescimento de países próximos.

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