Acórdão nº0000123-06.2022.8.17.2450 de Gabinete do Des. Luiz Gustavo Mendonça de Araújo (1ª TCRC), 21-06-2023

Data de Julgamento21 Junho 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo0000123-06.2022.8.17.2450
AssuntoContratos Bancários
Tipo de documentoAcórdão

Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Primeira Turma da Câmara Regional de Caruaru - F:( ) Processo nº 0000123-06.2022.8.17.2450
APELANTE: MARIA LOURDES FERREIRA APELADO: BRADESCO FINANCIAMENTO INTEIRO TEOR
Relator: LUIZ GUSTAVO MENDONÇA DE ARAÚJO Relatório: Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Gabinete do Des.
Luiz Gustavo Mendonça de Araújo (1ª TCRC) PRIMEIRA TURMA DA CÂMARA REGIONAL DE CARUARU Apelação Cível nº 0000123-06.2022.8.17.2450
Apelante: Maria Lourdes Ferreira Apelado: Bradesco Financiamento S.A.
Relator: Des.
Luiz Gustavo Mendonça de Araújo
Origem: Vara Única da Comarca de Capoeiras RELATÓRIO: Cuida-se de Apelação Cível interposta por Maria Lourdes Ferreira contra sentença da lavra da Juíza de Direito da Vara Única da Comarca de Capoeiras, que indeferiu a petição inicial e extinguiu o feito sem julgamento de mérito, com fulcro no art. 485, I, IV e VI do CPC.


Ação (ID 24922794): a parte demandante narra, em síntese, que é pessoa idosa e semianalfabeta e que foi surpreendida pela incidência de diversos Empréstimo Consignado em seu benefício previdenciário.


Assevera que os referidos negócios jurídicos devem ser declarados nulos, na medida em que não há vontade válida e formal de ambas as partes, porquanto tratar-se de indivíduo Analfabeto Funcional.


Além do pedido declaratório de nulidade, requer a restituição em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais).


Despacho (ID 24922797): o juízo determinou à parte autora que emendasse a petição inicial, sob pena de indeferimento, com informações concernentes à hipossuficiência financeira, à comprovação da ocorrência dos descontos alegados, possível prescrição e ao recebimento do valor do empréstimo.


Realizada a intimação, a parte autora manifestou-se parcialmente quanto às determinações.


Sentença (ID 24922808): de acordo com o juízo sentenciante, as ações representadas pelos causídicos da parte autora classificam-se como demandas agressoras, com indícios de captação ilegal de clientela em massa, uso de tese jurídica genéricas e “fabricada”, dúvida quanto ao consentimento livre e esclarecido do suposto cliente no ajuizamento das ações, utilização indevida do direito de ação, abuso do direito de litigar, falta de litígio real entre as partes, concluindo pela ausência de pressupostos processuais mínimos, dentre eles a adequada representação processual, o interesse processual, a individualização do caso concreto, a higidez da documentação e a devida observância da boa-fé processual.


Com fundamento no poder-dever de prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias (art. 139, III do CPC/2015) e nos postulados segundo os quais “as partes e seus procuradores devem observar seus deveres (art. 77, II do CPC/2015)” e “todos devem atuar na prevenção da litigância de má-fé (art. 80, V do CPC/2015)”, o juízo a quo extinguiu o feito sem resolução de mérito, com base no art. 485, incisos I, IV e VI, do CPC.


No ensejo, atribuiu as despesas processuais à parte autora, com suspensão na forma do art. 98, § 3º, do CPC.


Sem honorários advocatícios.


Finalmente, determinou a expedição de ofício à OAB, ao Ministério Público Estadual e ao Núcleo de Monitoramento de Perfil de Demandas – NUMOPEDE, com o encaminhamento da sentença e dos documentos anexos.


Apelação (ID 24923661): no recurso, a parte autora reitera os argumentos apresentados na inicial e destaca a necessidade de inversão do ônus da prova.


Aduz que o juízo de origem interpretou a situação dos autos de forma imprecisa.


Manifesta-se acerca da prescrição, afastando-a, e acerca da litigância de má-fé, reputando-a ausente.


Assevera ter feito prova da ocorrência dos descontos consignados no benefício previdenciário.


Acerca dos extratos bancários, pugna pela sua dispensabilidade para fins de propositura da ação, notadamente em razão da sua hipossuficiência, acrescentando que a sua exigência mostra-se desproporcional e desarrazoada, causando dificuldade de acesso à justiça.


Pugna pela reforma da sentença.


Contrarrazões à Apelação (ID 24923667): a instituição financeira pleiteia a manutenção da sentença, arguindo, em suma, a ausência de pressupostos fático-jurídicos que justifiquem a reforma da sentença e a ausência de condição da ação.


Vieram os autos conclusos.


É o relatório, no que, de relevante, interessa a registro.


À pauta de julgamentos.


Caruaru, data da certificação digital.


Luiz Gustavo Mendonça de Araújo Desembargador Relator 7
Voto vencedor: Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Gabinete do Des.
Luiz Gustavo Mendonça de Araújo (1ª TCRC) PRIMEIRA TURMA DA CÂMARA REGIONAL DE CARUARU Apelação Cível nº 0000123-06.2022.8.17.2450
Apelante: Maria Lourdes Ferreira Apelado: Bradesco Financiamento S.A.
Relator: Des.
Luiz Gustavo Mendonça de Araújo
Origem: Vara Única da Comarca de Capoeiras VOTO RELATOR De saída, ratifico a Gratuidade Judiciária concedida pelo juízo de origem à parte Apelante, ante a inexistência de elementos que refutem a condição de necessidade de assistência judiciária, pelo que entendo presentes os pressupostos autorizadores de tal privilégio, de acordo com os preceitos do art. 99, §2º, do CPC.


Dispensado o preparo e presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.


Passo à análise do mérito.


Trata-se, originariamente, de ação anulatória de negócio jurídico, com pedido de declaração de inexistência de contratação de empréstimo bancário.


O cerne da questão, contudo, diz respeito ao acerto ou não da decisão do juízo sentenciante que extinguiu o processo sem resolução de mérito, por não ter a parte autora realizado a emenda da petição inicial e promovido a juntada dos documentos solicitados, notadamente a comprovação da ocorrência dos descontos alegados e o recebimento do valor do empréstimo, em atendimento ao princípio da boa-fé processual.


Conforme relatado, a questão foi analisada à luz da caracterização de demandas agressoras e em razão de indícios de utilização indevida do direito de ação, abuso do direito de litigar e falta de litígio real entre as partes, concluindo o juízo a quo pela ausência de pressupostos processuais mínimos, tais como a adequada representação processual, o interesse processual, a individualização do caso concreto, a higidez da documentação e a devida observância da boa-fé processual.


Logo, neste recurso, sobressaem-se questões: (i) a ocorrência fática de indícios de abuso do direito de litigar, isto é, a caracterização de demanda agressora e (ii) a correta atuação do juízo diante de tais indícios.


Pois bem. Analiso. 1. DA IDENTIFICAÇÃO DAS DEMANDAS AGRESSORAS Conceitualmente, a litigância predatória é marcada, em resumo, pelo ajuizamento massivo de lides temerárias.

Diante de uma situação concreta, o reconhecimento de demandas agressoras - e todas suas consequências - requer uma análise muito cuidadosa do julgador, na medida em que uma repressão desarrazoada a este cenário fático-processual pode implicar em limitações ao direito de ação e ao livre acesso à justiça, preceitos fundamentais que regem o direito processual, notadamente à luz do neoprocessualismo e do neoconstitucionalismo.


Por outro lado, a ausência de medidas que arrefeçam a litigância predatória tem consequências igualmente prejudiciais ao sistema processual, quando deixa de ser expressão da garantia de direito de ação e serve ao propósito de prejudicar o direito de defesa da parte contrária e ao sistema jurídico como um todo.


Por esta razão, é salutar a existência de parâmetros objetivos que auxiliem o exame subjetivo do julgador diante do arcabouço endo e exoprocessual que envolve as demandas ditas agressoras.


Neste Tribunal de Justiça, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual de Pernambuco – CIJUSPE debruçou-se sobre a questão e, como resultado de seus estudos, expediu orientações para a identificação e boas práticas para o tratamento de demandas agressoras, nos termos da Nota Técnica nº 02/2021, publicada em 18 de fevereiro de 2022.


No que concerne à identificação de tais demandas agressoras, o CIJUSPE elencou diversas condutas que constituem indicativo de sua ocorrência, as quais reproduzo abaixo, com alguns destaques de nossa parte, conforme se verificou no caso ora discutido: 1 – Usualmente, o polo ativo das referidas demandas é composto por pessoas analfabetas ou com baixo grau de instrução, aposentadas, pensionistas ou beneficiários do INSS, desempregados, pessoas de baixa renda, idosos e devedores e/ou litigantes contumazes; 2 – Atuação de um grupo de advogados de outros Estados de forma repetida e direcionada para um mesmo tipo de causa e por vezes sem indicação da inscrição suplementar na OAB local; 3 – Advogados que possuem quantidade exorbitante de ações, comparativamente à média dos profissionais da área, mas que apresentam enorme quantidade de pedidos de desistência ou de perícia (no caso dos Juizados Especiais) após contestação ou que dão causa à extinção da ação pelo não comparecimento injustificado do autor; 4 - Ausência de apresentação de comprovante de residência ou apresentação de comprovante de residência em nome de terceiros ou, ainda, fabricado, de modo que se pode verificar um mesmo endereço sendo atribuído a diversas partes.
5 – Documentos que instruem a inicial contendo assinaturas idênticas, por meio da colagem de assinatura extraída de documento diverso, denotando a falsidade daqueles e, além disso, a falta de anuência da parte quanto ao conteúdo do documento trazido nos autos; 6 – Assinatura constante na procuração e na declaração de hipossuficiência de recursos claramente diversa daquela exibida nos documentos pessoais.

Ou, ainda, assinatura a rogo pelo demandante analfabeto, sem a observância da subscrição por duas testemunhas; 7 – Procuração com sinais de adulteração, sem data, contendo indícios de sobreposições de textos, ou com qualificação essencial incompleta, como a
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