Acórdão nº0000184-11.2023.8.17.2520 de Gabinete do Des. José Viana Ulisses Filho, 21-09-2023

Data de Julgamento21 Setembro 2023
Classe processualApelação Cível
Número do processo0000184-11.2023.8.17.2520
AssuntoRescisão do contrato e devolução do dinheiro
Tipo de documentoAcórdão

Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Primeira Turma da Câmara Regional de Caruaru Rua Frei Caneca, s/n, Maurício de Nassau, CARUARU - PE - CEP: 55012-330 - F:( ) Processo nº 0000184-11.2023.8.17.2520
APELANTE: MARIA DO SOCORRO CAETANO DA SILVA APELADO: BANCO BRADESCO INTEIRO TEOR
Relator: JOSE VIANA ULISSES FILHO Relatório: Poder Judiciário Tribunal de Justiça de Pernambuco 1ª Câmara Regional de Caruaru – 1ª Turma Gabinete do Desembargador José Viana Ulisses Filho Apelação Cível nº 0000184-11.2023.8.17.2520 Apelante(s): MARIA DO SOCORRO CAETANO DA SILVA Apelado(s): BANCO BRADESCO S.A.
Juízo de
origem: Vara Única da Comarca de Correntes
Relator: Des.
José Viana Ulisses Filho RELATÓRIO Cuida-se de Apelação Cível interposta contra sentença proferida pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Correntes, que — nos autos da presente ação anulatória cumulada com reparação por danos morais e repetição de indébito —, com base no art. 485, incisos IV e VI do Código de Processo Civil (CPC/2015), extinguiu o processo, sem resolução de mérito, ao motivo de haver indícios de litigância predatória, tendo-se em conta o considerável número de demandas, ajuizadas pelo(s) causídico(s) da parte autora, com causa de pedir e pedido semelhantes.

Em suas razões recursais, a recorrente aponta a nulidade da sentença, alegando, em síntese, a gravidade dos fatos narrados e a irregularidade da atuação da empresa financeiro, sobretudo diante dos indícios das múltiplas fraudes contratuais, e a não configuração do abuso direito de litigar.


Apresentadas contrarrazões, a instituição financeira ré, ora apelada, defende a manutenção da sentença por seus próprios fundamentos, de modo que pugna pelo desprovimento do recurso.


É o relatório.

Inclua-se em pauta.

Caruaru, data da assinatura eletrônica.


Des. José Viana Ulisses Filho Relator Documento assinado eletronicamente
Voto vencedor: Poder Judiciário Tribunal de Justiça de Pernambuco 1ª Câmara Regional de Caruaru – 1ª Turma Gabinete do Desembargador José Viana Ulisses Filho Apelação Cível nº 0000184-11.2023.8.17.2520 Apelante(s): MARIA DO SOCORRO CAETANO DA SILVA Apelado(s): BANCO BRADESCO S.A.
Juízo de
origem: Vara Única da Comarca de Correntes
Relator: Des.
José Viana Ulisses Filho VOTO Cuida-se, basicamente, de controvérsia relacionada à existência/validade do contrato bancário e dos consequentes descontos no benefício previdenciário da parte autora da ação, que é pessoa idosa e afirma não ter solicitado qualquer negócio junto ao ente financeiro recorrido.

O julgador de origem, como relatado, reputou configurado o abuso do direito de ação e a litigância predatória, na medida em que, conforme fundamentação lançada em sentença, a parte e seu patrono estariam manejando múltiplas ações, idênticas, causando um verdadeiro prejuízo ao desenvolvimento da atividade jurisdicional na unidade.


Com isso, o feito fora extinto, sem resolução do mérito, com base no art. 485, IV e VI, significando, especificamente, que foram reputados ausentes os pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo e o interesse processual da parte autora da ação.


Pois bem. Para melhor compreensão da matéria, impende fazer breves considerações a respeito: da I) judicialização predatória no contexto do abuso do direito de ação, II) da preocupação deste julgador quanto a esse fenômeno, III) dos atos normativos relacionados ao assunto, IV) da caracterização da demanda e do V) comportamento do julgador de origem.

Ato contínuo, far-se-á a VI) conclusão do julgamento.


I – DA JUDICIALIZAÇÃO (OU LITIGÂNCIA) PREDATÓRIA NO CONTEXTO DO ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO Como se sabe, a possibilidade de acionar o judiciário para questionar lesões ou a iminência de violações a direitos constitui verdadeira garantia fundamental inderrogável nos moldes do art. 5º, XXXV, da CF/1988.


Nesse contexto, sabendo-se que “não há direitos fundamentais absolutos” (STF, RE 1.292.275 AgR, rel.


min. Nunes Marques, j. 3-5-2023, 1ª T, DJE de 22-5-2023), o direito de ação, como qualquer outro, deve ser exercido de modo ponderado, sob pena de o titular dessa prerrogativa — ao exercê-la excedendo manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes — praticar ato ilícito (art. 187 do Código Civil).

A propósito, “o instituto do abuso do direito tem aplicação em quase todos os campos do direito, como instrumento destinado a reprimir o exercício antissocial dos direitos subjetivos (GONÇALVES, Carlos Roberto.
5. Responsabilidade decorrente do abuso do direito.

In: Responsabilidade Civil [livro eletrônico].
22. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023, p.182)”. Nesse cenário, extrapolar os limites da razoabilidade no uso do direito de ação caracteriza ilícito por abuso processual (falso litígio ou sham litigation).

Esse fenômeno, antes visualizado com mais ênfase no direito econômico, contemporaneamente, tem sido verificado nas searas consumerista e processual civil.


Por manifesta didática, e para fins de contextualização, merece citação a lição de José Miguel Garcia Medina: X.

Abuso processual e assédio judicial.


Falsos litígios ( sham litigation ).


Ações judiciais estratégicas contra participações públicas ( strategic lawsuits against public participation ).


Embora assegurado constitucionalmente, não se admite o exercício abusivo do direito de ação (sobre direito de ação, boa-fé objetiva e litigância de má-fé, cf.

o que escrevemos em Código de Processo Civil Comentado cit.


, comentário aos arts.
5.º, 77 e 80 do CPC).

Assim, há exercício abusivo de direitos processuais nos casos em que se exercita, manifesta indevidamente, o direito de ação.


Note-se que, no caso, desnecessário perquirir o animus daquele que atua indevidamente, pois o sistema processual brasileiro é norteado pela boa-fé objetiva (cf.

o que escrevemos em Código de Processo Civil Comentado cit.


, comentário ao art. 5.º do CPC).
[...] O ajuizamento de ações repetitivas e manifestamente infundadas pode revelar a existência de falsos litígios, em que vários e sucessivos processos judiciais são utilizados com o propósito de assediar alguém processual e judicialmente.

Nesse caso, o direito de ação é deturpado e manipulado de modo abusivo, pois é indevidamente exercido para dissimular a prática de perseguir insistentemente uma pessoa.


Não raro, tal prática tem o propósito de intimidar, impedir manifestações públicas (chilling effect), levá-la uma pessoa ao esgotamento, subjugá-la, retirá-la do espaço público ou, no limite, até mesmo destruí-la.


O fenômeno pode ocorrer quando uma mesma pessoa litiga contra outra repetidamente, mas também, embora isso possa ser menos comum, quando várias ações são movidas por autores diferentes, de modo orquestrado, contra um mesmo réu.


(MEDINA, José Miguel Garcia.


Constituição Federal comentada [livro eletrônico].
5. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, págs.

RL-1.3, g.n.) Igualmente essencial à compreensão da matéria sub judice é a análise de julgado paradigma do STJ, no qual S.

Ex.ª, a Min.
Nancy Andrighi, no julgamento do Resp n. 1.817.845/MS, assinalou na fundamentação de seu brilhante voto que [.

..] 4- Embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais. 5- O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo.

O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas.


O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde.


Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo ao nobre albergue do direito fundamental de acesso à justiça.


(STJ, REsp n. 1.817.845/MS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/10/2019, DJe de 17/10/2019) Nessa conjectura, o abuso do direito de ação é manifestamente oposto à boa-fé objetiva, podendo caracterizar litigância de má-fé nos moldes do códex processual civil, notadamente quando as partes devem comportar-se com a mais escorreita probidade.


Ter-se-á caracterizado o ilícito, numa visão simbólica, quando o ajuizamento repetitivo de demandas, sem a razoável possibilidade de se obter êxito no direito material que se pretende alcançar, conforme bem ponderou José Miguel Garcia Medina, revelar a “existência de falsos litígios, em que vários e sucessivos processos judiciais são utilizados com o propósito de assediar alguém processual e judicialmente”, especialmente para se alcançar certas posições de intimidação ou até mesmo vantagens indevidas.


O fenômeno pode ocorrer não apenas quando uma mesma pessoa litiga contra outra de modo inesperado, mas também quando várias demandas são movidas, de modo orquestrado, contra uma mesma pessoa.


(MEDINA, José Miguel Garcia.
3.4.3. Abuso processual e assédio judicial.

Falsos litígios (sham litigation).


Ações judiciais estratégicas contra participações públicas (strategic lawsuits against public participation).


In: Curso de processo civil [livro eletrônico].


-- 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, págs.

RB-1.69) Nessa perspectiva, consigne-se que o direito processual não tolera o abuso do
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