Acórdão nº0000387-74.2023.8.17.3230 de Gabinete do Des. José Viana Ulisses Filho, 14-09-2023

Data de Julgamento14 Setembro 2023
Classe processualApelação Cível
Número do processo0000387-74.2023.8.17.3230
AssuntoRescisão do contrato e devolução do dinheiro
Tipo de documentoAcórdão

Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Primeira Turma da Câmara Regional de Caruaru Rua Frei Caneca, s/n, Maurício de Nassau, CARUARU - PE - CEP: 55012-330 - F:( ) Processo nº 0000387-74.2023.8.17.3230
APELANTE: FRANCISCO ALVES DA SILVA APELADO: BANCO BRADESCO INTEIRO TEOR
Relator: JOSE VIANA ULISSES FILHO Relatório: PRIMEIRA CÂMARA REGIONAL DE CARUARU – 1ª TURMA APELAÇÃO N.

º 0000387-74.2023.8.17.3230
APELANTE: FRANCISCO ALVES DA SILVA APELADO: BANCO BRADESCO
RELATOR: Des.
José Viana Ulisses Filho RELATÓRIO Cuida-se de Apelação Cível interposta contra sentença proferida pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Saloá, que — nos autos da presente ação declaratória de inexistência de débito cumulada com reparação por danos morais e repetição de indébito —, com base no art. 485, incisos IV e VI do Código de Processo Civil (CPC/2015), extinguiu o processo, sem resolução de mérito, ao motivo de haver indícios de litigância predatória, tendo-se em conta o considerável número de demandas, ajuizadas pelo(s) causídico(s) da parte autora, com causa de pedir e pedido semelhantes.

Em suas razões, impugnando os elementos fundantes da sentença, alega, como principal matéria de mérito, a indevida extinção da ação.


A esse respeito, além de manifestar que a petição inicial preenche os requisitos legais para ajuizamento da demanda, argumenta que o processo não é meio adequado para arguição de irregularidade no exercício da atividade profissional.


No mais, sustenta a existência de vício elementar no contrato bancário impugnado na petição inicial (ausência de contratação válida), de modo que pugna pela reforma da sentença para que seus pleitos indenizatórios a ele relacionados (reparação por danos morais e repetição dobrada do indébito) sejam acolhidos.


Apresentadas contrarrazões, a instituição financeira ré, ora apelada, defende a manutenção da sentença por seus próprios fundamentos, de modo que pugna pelo desprovimento do recurso.


É o relatório.

Inclua-se em pauta.

Caruaru, data da assinatura eletrônica.


Des. JOSÉ VIANA ULISSES FILHO Relator 3
Voto vencedor: PRIMEIRA CÂMARA REGIONAL DE CARUARU – 1ª TURMA APELAÇÃO N.

º 0000387-74.2023.8.17.3230
APELANTE: FRANCISCO ALVES DA SILVA APELADO: BANCO BRADESCO
RELATOR: Des.
José Viana Ulisses Filho VOTO Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, ressalvando a inexigibilidade, momentânea, do recolhimento do preparo, em razão de a parte recorrente ser beneficiária da gratuidade da justiça.

A controvérsia entregue a este Colegiado reside na verificação de eventual error in procedendo do Juízo de origem ao extinguir o feito sem resolução de mérito, basicamente sob o fundamento de o(s) causídico(a)(s) da parte autora estarem abusando do direito de litigar, tendo-se em conta o considerável número de demandas com causa de pedir e pedido semelhantes.


Para melhor compreensão da matéria, impende fazer breves considerações a respeito: da I) judicialização predatória no contexto do abuso do direito de ação, II) da preocupação deste julgador quanto a esse fenômeno, III) dos atos normativos relacionados ao assunto, IV) da caracterização da demanda e do V) comportamento do julgador de origem.


Ato contínuo, far-se-á a VI) conclusão do julgamento.


I – DA JUDICIALIZAÇÃO (OU LITIGÂNCIA) PREDATÓRIA NO CONTEXTO DO ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO Como se sabe, a possibilidade de acionar o judiciário para questionar lesões ou a iminência de violações a direitos constitui verdadeira garantia fundamental inderrogável nos moldes do art. 5º, XXXV, da CF/1988.


Nesse contexto, sabendo-se que “não há direitos fundamentais absolutos” (STF, RE 1.292.275 AgR, rel.


min. Nunes Marques, j. 3-5-2023, 1ª T, DJE de 22-5-2023), o direito de ação, como qualquer outro, deve ser exercido de modo ponderado, sob pena de o titular dessa prerrogativa — ao exercê-la excedendo manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes — praticar ato ilícito (art. 187 do Código Civil).

A propósito, “o instituto do abuso do direito tem aplicação em quase todos os campos do direito, como instrumento destinado a reprimir o exercício antissocial dos direitos subjetivos (GONÇALVES, Carlos Roberto.
5. Responsabilidade decorrente do abuso do direito.

In: Responsabilidade Civil [livro eletrônico].
22. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023, p.182)”. Nesse cenário, extrapolar os limites da razoabilidade no uso do direito de ação caracteriza ilícito por abuso processual (falso litígio ou sham litigation).

Esse fenômeno, antes visualizado com mais ênfase no direito econômico, contemporaneamente, tem sido verificado nas searas consumerista e processual civil.


Por manifesta didática, e para fins de contextualização, merece citação a lição de José Miguel Garcia Medina: X.

Abuso processual e assédio judicial.


Falsos litígios ( sham litigation ).


Ações judiciais estratégicas contra participações públicas ( strategic lawsuits against public participation ).


Embora assegurado constitucionalmente, não se admite o exercício abusivo do direito de ação (sobre direito de ação, boa-fé objetiva e litigância de má-fé, cf.

o que escrevemos em Código de Processo Civil Comentado cit.


, comentário aos arts.
5.º, 77 e 80 do CPC).

Assim, há exercício abusivo de direitos processuais nos casos em que se exercita, manifesta indevidamente, o direito de ação.


Note-se que, no caso, desnecessário perquirir o animus daquele que atua indevidamente, pois o sistema processual brasileiro é norteado pela boa-fé objetiva (cf.

o que escrevemos em Código de Processo Civil Comentado cit.


, comentário ao art. 5.º do CPC).
[...] O ajuizamento de ações repetitivas e manifestamente infundadas pode revelar a existência de falsos litígios, em que vários e sucessivos processos judiciais são utilizados com o propósito de assediar alguém processual e judicialmente.

Nesse caso, o direito de ação é deturpado e manipulado de modo abusivo, pois é indevidamente exercido para dissimular a prática de perseguir insistentemente uma pessoa.


Não raro, tal prática tem o propósito de intimidar, impedir manifestações públicas (chilling effect), levá-la uma pessoa ao esgotamento, subjugá-la, retirá-la do espaço público ou, no limite, até mesmo destruí-la.


O fenômeno pode ocorrer quando uma mesma pessoa litiga contra outra repetidamente, mas também, embora isso possa ser menos comum, quando várias ações são movidas por autores diferentes, de modo orquestrado, contra um mesmo réu.


(MEDINA, José Miguel Garcia.


Constituição Federal comentada [livro eletrônico].
5. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, págs.

RL-1.3, g.n.) Igualmente essencial à compreensão da matéria sub judice é a análise de julgado paradigma do STJ, no qual S.

Ex.ª, a Min.
Nancy Andrighi, no julgamento do Resp n. 1.817.845/MS, assinalou na fundamentação de seu brilhante voto que [.

..] 4- Embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais. 5- O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo.

O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas.


O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde.


Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo ao nobre albergue do direito fundamental de acesso à justiça.


(STJ, REsp n. 1.817.845/MS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/10/2019, DJe de 17/10/2019) Nessa conjectura, o abuso do direito de ação é manifestamente oposto à boa-fé objetiva, podendo caracterizar litigância de má-fé nos moldes do códex processual civil, notadamente quando as partes devem comportar-se com a mais escorreita probidade.


Ter-se-á caracterizado o ilícito, numa visão simbólica, quando o ajuizamento repetitivo de demandas, sem a razoável possibilidade de se obter êxito no direito material que se pretende alcançar, conforme bem ponderou José Miguel Garcia Medina, revelar a “existência de falsos litígios, em que vários e sucessivos processos judiciais são utilizados com o propósito de assediar alguém processual e judicialmente”, especialmente para se alcançar certas posições de intimidação ou até mesmo vantagens indevidas.


O fenômeno pode ocorrer não apenas quando uma mesma pessoa litiga contra outra de modo inesperado, mas também quando várias demandas são movidas, de modo orquestrado, contra uma mesma pessoa.


(MEDINA, José Miguel Garcia.
3.4.3. Abuso processual e assédio judicial.

Falsos litígios (sham litigation).


Ações judiciais estratégicas contra participações públicas (strategic lawsuits against public participation).


In: Curso de processo civil [livro eletrônico].


-- 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, págs.

RB-1.69) Nessa perspectiva, consigne-se que o direito processual não tolera o abuso do direito de litigar.


Assim, insere-se no conceito de demanda temerária o ajuizamento de ações padronizadas, nas quais não se observam as peculiaridades de cada parte e as especificidades do litígio, ajuizadas aos milhares, no mesmo espaço de tempo, contra uma única parte, com petições iniciais
...

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