Acórdão nº0000531-82.2022.8.17.3230 de Gabinete do Des. Luciano de Castro Campos (1ª TCRC), 22-08-2023

Data de Julgamento22 Agosto 2023
Classe processualApelação Cível
Número do processo0000531-82.2022.8.17.3230
AssuntoRescisão do contrato e devolução do dinheiro
Tipo de documentoAcórdão

Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Primeira Turma da Câmara Regional de Caruaru - F:( ) Processo nº 0000531-82.2022.8.17.3230
APELANTE: FRANCELINA DOS SANTOS GOMES CUNHA APELADO: BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS REPRESENTANTE: BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS INTEIRO TEOR
Relator: LUCIANO DE CASTRO CAMPOS Relatório: 1ª CÂMARA REGIONAL DE CARUARU – 1ª TURMA APELAÇÃO CÍVELNº0000531-82.2022.8.17.3230
APELANTE: FRANCELINA DOS SANTOS GOMES CUNHA APELADO: BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS
JUÍZO DE
ORIGEM: VARA ÚNICA DA COMARCA DE SALOÁ/PE
RELATOR: DES.
LUCIANO DE CASTRO CAMPOS RELATÓRIO Trata-se de Recurso de Apelação interposto por Francelina dos Santos Gomes Cunha contra sentença proferida pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Saloá/PE, que, nos autos da ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c com repetição de indébito e dano moral de n. 0000531-82.2022.8.17.3230, extinguiu o feito, sem resolução do mérito,nos termos do art. 485, IV e VI do CPC, entendendo estar configurado o abuso do direito de ação e a litigância predatória.

Narra a parte demandante que sofreu descontos indevidos em conta corrente com utilização exclusiva para recebimento de benefício previdenciário por parte da Apelada, denominado “BRADESCO AUTORE”, por ela não celebrado ou consentido a contratação.


Aduz que o negócio jurídico é nulo porquanto decorreu de relação jurídica inexistente, não tendo havido solicitação ou consentimento da contratação do referido serviço e ainda não foram observadas as formalidades exigidas para a celebração da avença.


Requereu, dentre outros pleitos, o reconhecimento da nulidade da relação ora discutida, com a consequente declaração da inexistência do débito oriundo da suposta contratação, assim como restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, ante a má-fé da instituição financeira em relação aos consumidores hiper vulneráveis como aposentados e pensionistas idosos e, em sua maioria, analfabetos, e indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), atualizados a partir do evento danoso, nos termos das Súmulas n° 43 e 54 do STJ.


Sentença de extinção sem resolução do mérito, por ausência de pressupostos processuais, sob o entendimento de prática da advocacia predatória.


(Id. 27379882).

No arrazoado recursal, a Apelante defende, em síntese, que a inicial preenche todos os requisitos legais, merecendo recebimento e regular processamento.


Sustenta ainda que possui inscrição suplementar na Seccional da OAB deste Estado e houve, de forma equivocada, a extinção massiva das ações pelo juízo primevo sem oportunizar a correção de eventuais vícios sanáveis, em flagrante ofensa aos princípios da inafastabilidade da jurisdição e da primazia da decisão meritória.


Aduz que não cometera abuso do direito de demandar (sham litigantion) porquanto, em seu dizer, o elevado número de ações semelhantes ajuizadas reflete justamente as inúmeras fraudes praticadas pelas instituições financeiras e seus agentes, notadamente em relação a consumidores hiper vulneráveis, além de os entes bancários dificultarem a resolução administrativa da lide, apenas apresentando o contrato quando demandado judicialmente.


Por fim, requer a reforma da sentença objeto da irresignação, com o retorno dos autos ao juízo a quo para o regular andamento do feito com consequente resolução do mérito da ação.


(Id 27379884) Nas contrarrazões, o ente bancário/apelado pugna, em linhas gerais, pelo desprovimento do recurso.


(Id 27379887).

É o relato, no necessário.


Inclua-se em pauta.

Recife, data conforme assinatura eletrônica.


Luciano de Castro Campos Desembargador Relator
Voto vencedor: 1ª CÂMARA REGIONAL DE CARUARU – 1ª TURMA APELAÇÃO CÍVELNº0000531-82.2022.8.17.3230
APELANTE: FRANCELINA DOS SANTOS GOMES CUNHA APELADO: BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS
JUÍZO DE
ORIGEM: VARA ÚNICA DA COMARCA DE SALOÁ/PE
RELATOR: DES.
LUCIANO DE CASTRO CAMPOS VOTO Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, dispensado, neste momento, o preparo ante a gratuidade judiciária deferida na origem, conheço do recurso.

Conforme relatado, o magistrado sentenciante extinguiu o feito sem resolução de mérito, por entender da existência de fortes indícios de litigância predatória, de ações representadas pelo causídico da parte autora, com indicativos de captação ilegal de clientela em massa, uso de tese jurídica genérica e “fabricada”, dúvida quanto ao consentimento livre e esclarecido do suposto cliente no ajuizamento das ações, utilização indevida do direito de ação, abuso do direito de litigar, falta de litígio real entre as partes, concluindo pela ausência de pressupostos processuais mínimos, dentre eles a adequada representação processual, o interesse processual, a individualização do caso concreto, a higidez da documentação e a devida observância da boa-fé processual.


Por oportuno, transcrevo o seguinte trecho da sentença: (.


..) Primeiramente, causa perplexidade a este Juízo os seguintes acontecimentos, operados nesta Comarca, que são fortes indicativos do sobredito fenômeno das demandas predatórias, vejamos: 1.

o fato de quatro advogados (JULIO WANDERSON MATOS BARBOSA, OAB/PE 50401, ANDRÉ FRANCELINO DE MOURA, OAB/TO 2621, SAULO DE CASTRO DA COSTA, OAB/PE 50221 e ALECYO SAULLO CORDEIRO GOMES, OAB/PE 44601) ter ajuizado 3.979 AÇÕES ENTRE O ANO DE 2019 e 09 DE FEVEREIRO DE 2023, na Comarca de Saloá/PE: na seguinte proporção: JULIO WANDERSON MATOS BARBOSA – 591 ações ANDRÉ FRANCELINO DE MOURA – 1233 ações SAULO DE CASTRO DA COSTA – 1.628 ações ALECYO SAULLO CORDEIRO GOMES – 527 ações Insta esclarecer que esse número representa, praticamente, em média, 1.481 ações por ano, superando até a média geral no ano anterior, 2018 - 581 ações, situação inédita e que foge da realidade dessa unidade jurisdicional.


Destaque-se, sobre esse ponto, que Saloá/PE e Paranatama (Termo judiciário) são municípios pequenos com população aproximada de 15 (dez) mil habitantes e 11 (onze) mil habitantes, respectivamente.


Ademais, referido número está muito além da média de feitos protocolados por advogados locais e atuantes nesta urbe.
2. que esses causídicos estão inscritos originalmente na OAB de Tocantins, embora possuam inscrição suplementar de outras unidades federativas, porém, e mais relevante sobre essa questão, de conhecimento deste magistrado, diz respeito à inexistência de escritório dos ditos advogados na cidade de Saloá/PE ou Paranatama/PE, havendo informações de que a captação de clientes ocorre via Sindicato Local; 3.

que um dos causídicos acima citados (ANDRÉ FRANCELINO DE MOURA, OAB/TO 2621) ajuizou as ações com a inscrição na OAB de Tocantins, superando, inclusive, a cota de 5 (cinco) causas anuais, quando atuam fora da localidade de inscrição originária, violando o art. 10, parágrafo 2 º, da Lei n º.
8906/94. 4. que não é crível que alguém analfabeto ou de pouca instrução, idoso, em situação de vulnerabilidade social ou de baixa renda, sem a intervenção de um agente que promova captação ilícita de clientela, possa ou deseje se deslocar até o Sindicato para vindicar direito.

Alie-se a isso que muitos dos referidos idosos residem na zona rural.
5. que, nas ações desses causídicos, os documentos em larga escala são extemporâneos, datados de 2016, 2017, 2018, 2019 e com protocolo de ação somente em anos depois, muitos, inclusive, ilegíveis, corroborando a indicação de grande transcurso de tempo desde a sua suposta emissão; 6.

procuração com poderes muito abrangentes, inclusive, para levantar alvará e receber valores em nome do jurisdicionado, também com lapso temporal, muitas vezes, extemporâneo; 7.


petições genéricas, repetitivas, e com causas de pedir ou pedidos muito semelhantes, utilizando-se da mesma documentação do jurisdicionado para promover dezenas ou centenas de demandas judiciais em nome desta; além de pleitear dano moral em um valor que englobaria todos os serviços questionados, entretanto para cada serviço ajuízam uma nova ação, ocorrendo o fracionamento do dano moral, a fim de receber um valor maior, considerando o valor total; 8.


em vários processos, distribuídos pelo advogado da parte autora, houve determinação, nos termos do art.
320 e 321 do CPC, de juntada de documentos indispensáveis à propositura da ação, contudo, mesmo após a prorrogação de prazo para este fim, o causídico não juntou a referida documentação, apresentando justificativas sem plausibilidade; ou peticionou, em alguns casos, a desistência do feito. 9. Recentemente vem sido noticiado em processos o falecimento de vários demandantes e mesmo assim, em alguns deles consta acordo entre o advogado do banco e os causídicos acima apontados, mesmo depois do falecimento, como na ação nº. 0000883-74.2021.8.17.3230, entre outras.

DAS AÇÕES PROMOVIDAS PELOS CAUSÍDICOS Analisando detidamente as ações ajuizadas pelos advogados supramencionados, observa-se que estes utilizam a mesma petição inicial para protocolar diversas ações em lote, alterando-se apenas os dados pessoais da parte, quando diversas, e o número do negócio jurídico contestado.


Muitas destas ações discutiam inicialmente a nulidade de contrato bancário firmado por pessoa analfabeta.


Ocorre que, visando solucionar tal lide, por unanimidade de votos, a Seção Cível do E.

TJPE, em sessão extraordinária realizada no dia 9 de fevereiro de 2021, nos autos do processo nº 0016553-79.2019.8.17.9000, admitiu a instauração de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR para a fixação de teses jurídicas quanto ao condicionamento da validade do negócio jurídico de empréstimo bancário a pessoa analfabeta à observância de formalidade essencial para sua contratação, sendo determinada a suspensão de todos os processos pendentes no Estado de Pernambuco.


Considero salutar, nesse ponto, o fato de que, na maioria ou quiçá em todos os quase 3.979 (três mil novecentos e setenta e nove) processos distribuídos pelos ditos causídicos, os jurisdicionados são analfabetos (alguns
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