Acórdão nº0000591-36.2020.8.17.2580 de Gabinete do Des. Humberto Costa Vasconcelos Júnior (4ª CC), 12-04-2023

Data de Julgamento12 Abril 2023
AssuntoDefeito, nulidade ou anulação
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo0000591-36.2020.8.17.2580
ÓrgãoGabinete do Des. Humberto Costa Vasconcelos Júnior (4ª CC)
Tipo de documentoAcórdão

Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário 4ª Câmara Cível - Recife - F:( ) Processo nº 0000591-36.2020.8.17.2580
APELANTE: MAROLI ALVES DA SILVA APELADO: BANCO DO BRASIL REPRESENTANTE: BANCO DO BRASIL INTEIRO TEOR
Relator: MARCIO FERNANDO DE AGUIAR SILVA Relatório: 4ª CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL N° 591-36.2020.8.17.2580
Apelante:Maroli Alves da Silva Apelado:Banco do Brasil
RELATOR: Des.
Humberto Vasconcelos RELATÓRIO Trata-se de apelação cível interposta em face de sentença proferida pelo M.M. Juízo de Direito da Vara Única de Exu/PE, a qual extinguiu o feito sem resolução do mérito com fulcro no art. 485, IV e VI do CPC/15.

Aduz a parte autora, em sua peça exordial, que é titular de benefício previdenciário e vem sofrendo descontos indevidos relacionados a suposto empréstimo consignado, o qual alega desconhecer.


Desta feita, pleiteou a anulação do contrato firmado com a demandada, a devolução em dobro dos valores indevidamente descontados e a condenação da ré a título de danos morais.


Em suas razões recursais, a parte recorrente sustenta que o presente caso não pode ser enquadrado como uma demanda predatória, nos termos daNota Técnica nº 02/2021 do Centro de Inteligência da Justiça Estadual de Pernambuco – CIJUSPE,razão pela qual a sentença deve ser reformada e os autos devolvidos ao juízoa quopara o regular processamento.


A instituição financeira apelada apresentou contrarrazões pugnando pela manutenção da sentença vergastada.


É o relatório, no essencial.


Inclua-se este feito na pauta de julgamento.


Recife, de de 2023.

Des. Humberto Vasconcelos Júnior Relator
Voto vencedor: 4ª CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL N° 591-36.2020.8.17.2580
Apelante:Maroli Alves da Silva Apelado:Banco do Brasil
RELATOR: Des.
Humberto Vasconcelos VOTO Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do Recurso de Apelação, recebendo-o em seu duplo efeito, tendo em vista a configuração da hipótese contida no Art. 1.012, caput, do CPC.

Por meio do presente recurso cumpre analisar se o caso em apreço pode ser inserido ou não nas hipóteses das chamadas demandas predatórias e se tal caso deve implicar na extinção do processo por configuração da ausência de interesse processual conforme decretado pelo julgador de piso em sua decisão sentencial.


Deve ser avaliado, em específico, se o direito fundamental do livre acesso à jurisdição assegurado pelo Art. 5º, XXXIV, da Carta Maior, encontraria óbice em outros Princípios Constitucionais e diante desta colisão quais deverão ser os critérios que prevalecerão para a melhor aplicação do direito à espécie.


É cediço que a demanda predatória ou temerária consiste em controversa prática da atividade advocatícia caracterizada, em suma, pelo ajuizamento em massa de ações, via de regra por um mesmo advogado que faz uso de petições padronizadas contendo teses artificiais ou inventadas, desprovidas das especificidades do caso concreto, distribuindo-as em várias comarcas ou varas, modificando-se apenas o nome da parte e o seu endereço.


Também é marcada pela captação indevida de clientes dotados de algum grau de vulnerabilidade, sendo comum, ainda, a locupletação pelo causídico dos valores invocados ou o não repasse da quantia aos clientes que muitas vezes sequer têm conhecimento a respeito do ajuizamento da ação.


Sobre essa questão também é importante mencionar o lecionado de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, que traz os seguintes conceitos para a definição de procedimento temerário no âmbito processual que reputo essenciais para jogar luz ao tema.


Vejamos: Condução Temerária da Causa.


Age de maneira temerária aquele que conduz o processo com imprudência, sem tomar as cautelas adequadas para vida do foro.


Já se decidiu, por exemplo, que age com temeridade a parte que distribui sucessivamente a mesma ação para juízos distintos com o fim de obter liminar em qualquer dos pleitos (STJ, 2ª Turma, REsp 74.218/RJ, reL Min.


Peçanha Martins, j. 04.10.1995, Djll.03.1996, p. 6.608), ou quando a parte interpõe por mais de uma vez, no mesmo processo e de decisão da mesma espécie, recurso já declarado incabível (STJ, 2.


ª Turma, REsp 81.625/SP, rel.


Min. Ari Pargendler, j. 20.10.1997, Djl0.11.1997, p. 57. 734). (MARINONI, Luiz Guilherme et al.

Novo Código de Processo Civil comentado.
3ª ed., rev. atual e ampl.

– São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, fl. 231 Seguindo essa mesma vereda, Nelson Nery e Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, por seu turno, também nos cedem suas contribuições.


Senão vejamos: “A norma veda ao litigante ou interveniente agir de modo temerário ao propor a ação, ao contestá-la ou em qualquer incidente ou fase do processo.

Proceder de modo temerário é agir afoitamente, de forma açodada e anormal, tendo consciência do injusto, de que não tem razão (Chiovenda.


Lacondanna nelle spese giudiziali, 1.


ª ed., 1901, n. 319, p. 321).
O procedimento temerário pode provir de dolo ou culpa grave, mas não de culpa leve (Castro Filho.

Abuso n. 43, pp. 91/92; Carnelutti.


Sistema, v.

I, n. 175, p. 454).
A mera imprudência ou simples imperícia não caracteriza a lide temerária, mas sim a imprudência grave e a imperícia fruto de erro inescusável, que não permitem hesitação do magistrado em considerar ter havido má-fé (Mortara.

Commentario CPC4, v.

IV, n. 79, p. 143).
O litigante temerário age com má-fé, perseguindo uma vitória que sabe ser indevida.

(NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade.

Código de Processo Civil Comentado.
3.ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 307).” (Destaquei) Também vale a pena frisar que Rinaldo Mouzalas, João Otávio Terceiro Neto e Eduardo Madruga sustentam que a temeridade da lide pode ser observada em ato processual único ou em um conjunto de atos, não importa.

O que caracteriza a lide temerária é o reconhecimento da má-fé, a qual pode ser extraída de emulações desleais, simulações ou procrastinações, e – inclusive – está sujeita à aplicação das sanções disciplinares pelo Código de Ética da OAB, In verbis: A temeridade pode ser observada a partir de único ato ou do conjunto daqueles que foram praticados no curso do processo.


Basta que seja observada num único ato para se justificar o reconhecimento da litigância de má-fé com a aplicação das sanções decorrentes.


A conduta temerária é reprovada, também, pelo Código de Ética e Disciplina da OAB, o qual, no art. 58, dispõe que, comprovado que os interessados no processo nele tenham intervindo de modo temerário, com sentido de emulação ou procrastinação, tal fato caracteriza falta de ética passível de punição.


(MOUZALAS, Rinaldo et al.

Processo Civil volume único.
8ª ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed.

JusPodivm, 2016, fl. 156).
Saindo dos aspectos doutrinários sobre o tema e já adentrando no âmbito legal, é sabido que o Código de Processo Civil é categórico em seus Arts. 4º, 5º e 6º, ao definir dentre seus princípios norteadores o dever de lealdade, da boa-fé e da cooperação processual aos quais se obrigam os atores processuais no intuito de se propiciar uma prestação jurisdicional eficiente, justa e suficientemente satisfativa de modo a atender aos anseios depositados pelo cidadão comum quando recorre ao Judiciário.

Feito esse preâmbulo, ressalto de início que apesar de ser um ardoroso defensor do livre direito de ação, a realidade com a qual os magistrados componentes deste Sodalício têm se deparado cotidianamente na atividade forense, com o abarrotamento de ações ajuizadas de modo absolutamente temerário lesando insofismavelmente aos Princípio da lealdade, da boa-fé e da cooperação processual consagrados pelo CPC, me faz reavaliar o meu posicionamento habitual.


Diante dessa situação específica, considero que o amplo acesso à justiça garantido pelo Art. 5º, XXXIV, da Carta Maior, deve caminhar ao lado de outros Princípios Fundamentais tais como a garantia do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) e da razoável duração do processo (Art.


LXXVIII, C.F./88) de modo a se evitar que o seu livre exercício não se traduza num impedimento à efetivação de um processo justo e célere.


É o que acontece, por exemplo, quando o Poder Judiciário se depara com o ajuizamento de demandas em larga escala movidas pelo mesmo advogado, que muitas vezes utiliza-se de artifícios fraudulentos como a falsificação de documentos produzidos por recortes de assinaturas de documentos pessoais manipulados de clientes capitados por meio de banco de dados, como também na tentativa de escolha do juízo, abarrotando a comarca com um número de ações produzidas de modo artificial e sem o próprio conhecimento do demandante.


A propositura em massa de demandas com essas características específicas tem chamado a atenção deste TJPE de tal modo que o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Estado de Pernambuco (CIJUSPE), alerta por meio da Nota Técnica nº.
02/2021, para as ações que apresentem, dentre outras propriedades, o seguinte perfil: (I) usualmente, o polo ativo das referidas demandas é composto por pessoas analfabetas ou com baixo grau de instrução, aposentadas, pensionistas ou beneficiários do INSS, desempregados, pessoas de baixa renda, idosos e devedores e/ou litigantes contumazes; (II) advogados que possuem quantidade exorbitante de ações, comparativamente à média dos profissionais da área, mas que apresentam enorme quantidade de pedidos de desistência ou de perícia (no caso dos Juizados Especiais) após contestação ou que dão causa à extinção da ação pelo não comparecimento injustificado do autor; (III) ausência de apresentação de comprovante de residência ou apresentação de comprovante de residência em nome de terceiros ou, ainda, fabricado, de modo que se pode verificar um mesmo endereço sendo atribuído a diversas partes; (IV) documentos que instruem a inicial contendo assinaturas idênticas, através da colagem de assinatura extraída de documento diverso, denotando a falsidade daqueles e, além disso, a falta de anuência da parte quanto ao conteúdo do documento trazido nos autos; (V)...

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