Acórdão Nº 00007471120118200105 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 07-04-2022

Data de Julgamento07 Abril 2022
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo00007471120118200105
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0000747-11.2011.8.20.0105
Polo ativo
CAMANOR PRODUTOS MARINHOS LTDA
Advogado(s): ARTHUR CESAR DANTAS SILVA, PRISCILA CRISTINA CUNHA DO O, CAMILA GOMES CAMARA
Polo passivo
MUNICIPIO DE GUAMARE e outros
Advogado(s): MAYRON SILVEIRA SILVA

EMENTA: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. LEI MUNICIPAL Nº 496/2010. INSTITUIÇÃO DE CINCO FERIADOS RELIGIOSOS E UM FERIADO CIVIL NO MUNICÍPIO DE GUAMARÉ. PLEITO DE SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DA LEI COM A EXCLUSÃO DO FERIADO DE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DO MUNICÍPIO POR OFENSA A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA SUSCITADA DE OFÍCIO PELO RELATOR. PRETENSÃO EQUIVALENTE À DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DE CONTROLE CONCENTRADO PELA PRESENTE VIA PROCESSUAL. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, NOS TERMOS DO ART. 485, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas. Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em acolher a preliminar de inadequação da via eleita, suscitada pelo relator, e via de consequência, extinguir o processo sem julgamento do mérito, nos termos do voto do Relator, que passa a fazer parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por CAMANOR PRODUTOS MARINHOS S.A., em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Macau que, nos autos da Ação Ordinária n° 0000747-11.2011.8.20.0105, movida em desfavor do MUNICÍPIO DE GUAMARÉ, julgou improcedente a pretensão inicial, e condenou o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios sucumbenciais fixados em 10% sobre o valor da causa.

Em suas razões de apelo, o recorrente narra inicialmente que o município apelado em 26.11.2010 sancionou a Lei nº 496/2010, instituindo seis feriados municipais, sendo cinco feriados religiosos e um feriado civil, embora a Lei Federal nº 9.093/95, preveja a competência do ente público municipal para fixar através de lei apenas quatro feriados religiosos e dois civis, definindo quais as hipóteses cabíveis.

Aduz que a Lei federal em comento faculta a instituição pelo município de apenas dois feriados civis, sendo estes os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal, nos termos do seu art. 1º, inciso III, contudo, o feriado civil instituído pela Lei Municipal nº 496/2010 não se enquadra nas referidas hipóteses legais, tratando-se de feriado da Emancipação Política.

Afirma que as regras da Lei nº 9.093/95 não podem ser desrespeitadas pelo legislador infraconstitucional, e que deve ser realizada pelo Poder Judiciário a análise da constitucionalidade ou não das leis ou atos normativos, sendo este controle imprescindível à solução do caso concreto.

Sustenta que a análise constitucional não perfaz a pretensão principal, sendo considerada causa de pedir e razão de decidir, produzindo efeitos inter partes e ex tunc, considerando os inúmeros prejuízos ocasionados à ordem econômica e à apelante.

Arrazoa que a perda superveniente de parte do objeto, no que diz respeito ao feriado do Dia da Bíblia, diante da alteração na Lei pelo Município apelado para exclusão deste, não afasta o fato de que o ente público deu causa ao ajuizamento da presente ação judicial.

Pugna ao final pelo conhecimento e provimento do apelo para que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 496/2010 diante da sua incompatibilidade com os artigos 22, I e 30, I da Constituição Federal, a fim de que seja suspensa sua eficácia, com efeito entre partes e retroativos, tendo como efeito concreto a exclusão do feriado de Emancipação Política do Município de Guamaré. Ainda, que não seja afastada a aplicação do princípio da causalidade em razão da parcial perda superveniente do objeto, sendo devida a condenação do réu ao pagamento dos ônus da sucumbência, ou, em sendo parcialmente vencedora, que estes sejam rateados entre as partes.

A parte apelada ofertou contrarrazões pelo total desprovimento do apelo, com a manutenção da sentença por seus próprios fundamentos.

Instada a se manifestar, a 14ª Procuradoria de Justiça não opinou no feito por entender pela sua desnecessidade.

Da análise dos autos, diante do pedido autoral de reconhecimento e declaração da incompatibilidade formal da Lei Municipal nº 496/2010 com o disposto nos artigos 22, I e 30, I da Constituição Federal, com a declaração da sua inconstitucionalidade, foi determinada a intimação das partes para se manifestar sobre o interesse de agir tendo em vista possível inadequação da via processual eleita (Id. 10300251).

A apelante peticionou (Id. 10751431) aduzindo que a declaração de inconstitucionalidade embora necessária para a solução do caso concreto, não é o objeto principal da ação, sendo este tão somente a isenção da parte de ser obrigada a cumprir no caso concreto uma lei ou ato em dissonância com a Constituição Federal, tratando-se assim de controle difuso de constitucionalidade, reiterando ao final o pedido de conhecimento e provimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, SUSCITADA PELO RELATOR

Cinge-se o cerne da presente questão acerca da alegação de inconstitucionalidade da Lei nº 496/2010 do Município de Guamaré, que instituiu feriados municipais, em afronta à Constituição Federal, com o objetivo de suspender a aplicabilidade e eficácia da referida lei.

O apelante ajuizou a presente demanda sob o fundamento de que a legislação em questão viola princípios e dispositivos da Constituição Federal, mais precisamente os artigos 22, inciso I, e 30, inciso I, razão pela qual deve ser declarada sua inconstitucionalidade, e suspensa sua eficácia, com efeito entre partes e retroativos, tendo como efeito concreto a exclusão do feriado de Emancipação Política do Município de Guamaré.

O controle de constitucionalidade de normas consiste na verificação, por um órgão competente, da compatibilidade de uma determinada espécie normativa, adotando, como parâmetro, o texto constitucional.

Tal controle pode ser preventivo, realizado antes do ingresso da norma no ordenamento jurídico, ou repressivo, quando já existe uma norma pronta e acabada.

O sistema jurídico brasileiro adota o controle de constitucionalidade do tipo jurisdicional misto, de modo que existem dois métodos de controle judiciário de constitucionalidade repressivo, quais sejam: a) controle concentrado, abstrato ou reservado ou de via de ação; b) controle difuso, concreto ou aberto ou de via de exceção.

No controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade, procura-se obter a declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo em tese, independentemente da existência de um caso concreto. A declaração de inconstitucionalidade é, pois, o objeto principal da ação.

Por outro lado, o controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. A declaração de inconstitucionalidade, nesse caso, é necessária para o deslinde da controvérsia, não sendo, pois, objeto principal da ação, e é justamente por essa razão que a declaração somente produz efeitos em relação às partes envolvidas na demanda.

Na espécie versada, verifica-se que a parte autora pretende, por meio da presente Ação, a realização do controle de constitucionalidade concentrado de norma legal, embora alegue tratar-se de controle difuso-incidental. Com efeito, o pedido formulado é o de suspensão da eficácia da Lei Municipal nº 474/17, tendo como efeito concreto a exclusão do feriado de Emancipação Política do Município de Guamaré, por afronta aos artigos 22, inciso I, e 30, inciso I da Constituição Federal, que não terá efeitos apenas entre as partes, posto que em sendo reconhecida a inconstitucionalidade da instituição do referido feriado, este obrigatoriamente deverá deixar de existir para toda a municipalidade.

Não se trata, portanto, de pedido de mera declaração de inconstitucionalidade incidental prejudicial à análise de mérito de caso concreto, mas de verdadeira declaração de inconstitucionalidade da referida lei, porquanto constitui o objeto principal da demanda, que visa à obtenção da invalidação da aludida norma de forma genérica, e não apenas para afastar a sua aplicabilidade a um caso concreto especificamente, pois, em sendo reconhecida a inconstitucionalidade da instituição do feriado questionado, gerará efeito erga omnes, e não apenas à empresa apelante.

Nesse contexto, ao pugnar pela declaração de suspensão da eficácia da lei municipal, com a exclusão do feriado local, a parte autora está utilizando indevidamente ação declaratória para atacar a constitucionalidade de lei em tese, o que o ordenamento jurídico não permite.

Assim, diante de tais considerações, resta patente a inadequação da via eleita, considerando a impossibilidade de exercício de controle concentrado na via processual eleita, sendo devida a extinção da ação sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC.

Ante o exposto, suscito a presente prejudicial de inadequação da via eleita e, via de consequência, extingo o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC.

É como voto.

Natal, data da sessão.

Desembargador Amaury Moura Sobrinho

Relator

6

Natal/RN, 5 de Abril de 2022.

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