Acórdão nº0003014-12.2020.8.17.9000 de Gabinete do Des. Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima (1ª CC), 18-05-2023

Data de Julgamento18 Maio 2023
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
Número do processo0003014-12.2020.8.17.9000
AssuntoCartão de Crédito
Tipo de documentoAcórdão

Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário 1ª Câmara Cível - Recife - F:( ) Processo nº 0003014-12.2020.8.17.9000 AGRAVANTE: BANCO BMG AGRAVADO: DAVI DE MELO SILVA INTEIRO TEOR
Relator: FABIO EUGENIO DANTAS DE OLIVEIRA LIMA Relatório: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0003014-12.2020.8.17.9000
ÓRGÃO JULGADOR: 1ª Câmara Cível
RELATOR: Desembargador Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima JUIZ PROLATOR: Carlos Eugênio de Castro Montenegro – 28ª Vara Cível da Capital – Seção B AGRAVANTE: Banco BMG AGRAVADA: Davi de Melo Silva RELATÓRIO Cuida-se, na origem, de ação ajuizada por DAVI DE MELO SILVA em face de BANCO BMG (processo nº 0002225-58.2020.8.17.2001), em que pretende, em primeiro plano, a intervenção judicial no contrato de empréstimo pessoal via cartão de crédito firmado entre as partespara declarar a nulidade do ajuste, sob o argumento de que avençou um mútuo em 2011, sendo certo que, embora venha sendo descontado em folha de pagamento desde então,permanece, até o momento do ajuizamento da ação, em janeiro de 2018, com o saldo devedor em aberto sem qualquer indicação sobre o termo final do contrato.


Pretende, ainda, indenizaçãopor dano moralepor dano material,este consistente na devolução do indébito.


O juiz a quo deferiu o pedido de concessão da tutela de urgência, determinando a suspensão dos descontos, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais).


Irresignado, o BANCO BMG interpôs o presente agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, alegando, em síntese, a ausência dos requisitos autorizadores da concessão da tutela de urgência e a desproporcionalidade da multa cominatória.


Subsidiariamente, pede a alteração da periodicidade das astreintes de diária para mensal.


Intimada, a parte agravada não apresentou contrarrazões.


É o relatório.

Inclua-se em pauta para julgamento.


Recife, Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima Desembargador Relator
Voto vencedor: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0003014-12.2020.8.17.9000
ÓRGÃO JULGADOR: 1ª Câmara Cível
RELATOR: Desembargador Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima JUIZ PROLATOR: Carlos Eugênio de Castro Montenegro – 28ª Vara Cível da Capital – Seção B AGRAVANTE: Banco BMG AGRAVADA: Davi de Melo Silva VOTO Sob o aspecto estritamente formal a relação de direito material firmada entre as partes consiste, em última análise, num contrato de empréstimo pessoal, obtido pela via da utilização de cartão de crédito, em que há a opção de saque, cujo pagamento dar-se-ia por desconto em folhado valor correspondente ao pagamento mínimo da fatura de cartão de crédito e pelo pagamento, via boleto, do remanescente da fatura.


À míngua de informações didáticas, tem-se que o consumidor estava seguro que contratara, em real verdade, um empréstimo pessoal e não uma modalidade peculiar e especial de cartão de crédito.


Não lhe foi dado saber, via contrato, que pagava mês a mês apenas parte da fatura de cartão de crédito e não a quitação de parcela de empréstimo.


Não lhe foi informado, com clareza e objetividade, que seguindo o curso ordinário dos termos da avença, vale dizer a amortização mínima correspondente ao valor descontado em folha, permaneceria indefinidamente em mora, o que o levaria a suportar os juros e encargos sobre o saldo devedor total desde o primeiro mês.


Ao reverso, o consumidor foi deliberadamente induzido a compreender que, ao efetuar as parcelas pela via do desconto em folha, não havia inadimplência e não haveria incidência de juros ou encargos.


A simples concepção e engenharia jurídica do contrato já encerra uma vantagem excessiva para a instituição financeira.


Com efeito, o BANCO BMG conta coma garantia do empréstimo consignado em folha de pagamento, o que lhe confere a segurança do recebimento da dívida, e, de outro lado, estipula, pela via indireta, os juros altíssimos dos cartões de crédito inadimplidos.


Registre-se que diante da sistemática contratual,o consumidor começa a relação em mora e subordinado aos juros do rotativo do cartão de crédito, porquanto o desconto em folha dar-se-ia, nos termos da avença, pelo valor do mínimo da fatura mensal do cartão.


Em outros termos, a instituição financeira tem o melhor de todos os mundos: a garantia do empréstimo consignado, juros do rotativo do cartão de crédito e a certeza de que o consumidor estará desde sempre em mora.


De outra banda, a amortização pelo mínimo da fatura levará a uma dívida de impossível quitação para o consumidor que recorre a esse tipo de empréstimo.


Resta configurado, assim, uma postura contratual perversa, iniqua, adedremente concebida para manter o consumidor indefinidamente em mora.


Há, por assim dizer, uma evidente vantagem manifestamente excessiva e uma iniquidade contratual, posturas contratuais expressamente vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor (art 51, inciso VI, e art. 39, inciso V, CDC).


De ponderar, com elevado destaque, que oCódigo de Defesa do Consumidor erigiu a boa-fé a princípio de primeira grandeza na proteção contratual do fornecedor e do consumidor e, como corolário seu, o direito à informação clara e precisa sobre produtos e serviços (arts.
4º, III e 6º, III, da Lei 8.078/90). Cuida-se aqui da boa-fé objetiva, vale dizer, aquela segundo a qual consumidor e fornecedor devem procurar o equilíbrio contratual e pautar-se pelo respeito, pela lealdade e pela transparência recíprocos.

Daí porque o fornecedor, dominador das informações especializadas sobre o produto e o serviço, deve adotar medidas úteis e eficazes para não passar ao consumidor uma ideia aparente ou incompleta acerca do produto ou serviço que comercializa.


Importa realçar que direito à informação significa clareza e precisão quanto ao real e efetivo conteúdo do contrato.


Exige, por seu turno, cláusulas redigidas sem fórmulas e conceitos abstratos, de difícil entendimento para os leigos ou para quem não detém informações especializadas sobre os produtos e serviços.


Essa exigência, tem ainda maior razão de ser nos contratos de adesão, em relação aos quais dispõe o art. 54, § 3º, CDC:
“os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”.

Em sentido idêntico, o § 4º do mesmo dispositivo afirma que
“as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”.

De novo, o consumidor não foi esclarecido, com objetividade e lealdade, de que deveria pagar, cumulativamente, um desconto em folha de pagamento referente ao pagamento mínimo e o seu restante via boleto.


Em conclusão,os termos da avença, por frontal violação ao princípio básico e fundamental da boa-fé objetiva (art.
e 51, IV, CDC), que orienta, limita e baliza as posturas e as práticas das partes desde a formação do contrato de consumo até a sua execução, além do que impõe aos fornecedores de produtos e serviços uma revisitação nas suas práticas comerciais, é de abusividade evidente.

Diria de uma abusividade evidente e qualificada, na medida em que deliberadamente pensada para levar a erro o consumidor, para obter umavantagem manifestamente excessiva, tudo isso originando uma iniquidade contratual em desfavor do consumidor.


Assim sendo, à luz de cognição sumária, imperiosa a suspensão das cobranças na folha de pagamento atrelada ao contrato em referência.


No tocante as astreintes, estas possuem o objetivo de pressionar o obrigado, com a ameaça de prejuízo, a cumprir o estabelecido na decisão judicial.


É dizer, visam dar efetividade às decisões.


Há que se compreender que a sua ratio essendi
“não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade).

Neste contexto, percebendo o magistrado a necessidade da cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da decisão antecipatória de tutela, pode e deve aplicá-la, desde que em parâmetros compatíveis com o valor da obrigação e em prazo razoável (Art. 537 do CPC).


O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu os parâmetros a serem observados pelo magistrado quando do arbitramento do valor da multa coercitiva, quais sejam, i) o valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) o tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) a capacidade econômica e de resistência do devedor; iv) a possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo.


(AgInt no AgRg no AREsp 738.682/RJ, Rel.


Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel.


p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016).


No caso, na decisão agravada o magistrado fixou a multa cominatória em R$ 200,00 (duzentos reais).


Esse valor não se afigura desarrazoado, sendo apto a pressionar o obrigado, com a ameaça do prejuízo, a cumprir o estabelecido na decisão judicial, sem, por outro lado, representar a priori enriquecimento ilícito da parte contrária.


Por outro lado, levando-se em conta que a parte autora, ora agravada, pleiteia a suspensão dos descontos em seus vencimentos e considerando que os descontos se dão mensalmente, a periodicidade da multa deve ser alterada para cada mês de descumprimento, por se demonstrar mais compatível com a obrigação.


Anote-se, por relevante, que o NCPC já não fala em multa diária, de modo que o juiz fica autorizado a fixar a periodicidade de incidência da multa em observância ao caso concreto.


Nesse sentido: PROCESSO CIVIL.


AGRAVO DE INSTRUMENTO.


ASTREINTES.

MODIFICAÇÃO DA PERIODICIDADE.


ALTERAÇÃO, DE OFÍCIO, DO VALOR DA MULTA.


AGRAVO PROVIDO EM PARTE.
1. Considerando que o juízo a quo deferiu medida antecipatória para obrigar a instituição financeira a não realizar descontos mensais na folha de pagamento de consumidora, mais consentâneo com a natureza da obrigação é fixar que a multa cominatória incidirá por...

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