Acórdão Nº 00101531420178200148 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 3ª Turma Recursal, 24-09-2019

Data de Julgamento24 Setembro 2019
Classe processualRECURSO INOMINADO CÍVEL
Número do processo00101531420178200148
Órgão3ª Turma Recursal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA TURMA RECURSAL

Processo: RECURSO INOMINADO - 0010153-14.2017.8.20.0148
Polo ativo
VERA MARIA CABRAL DE SOUSA
Advogado(s): CICERO JUAREZ SARAIVA DA SILVA
Polo passivo
BANCO BMG SA
Advogado(s): ANA TEREZA DE AGUIAR VALENCA

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS ATRELADOS À CARTÃO DE CRÉDITO. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE INFORMAÇÃO CLARA PRECONIZADA NO CDC. ONEROSIDADE EXCESSIVA. HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REFORMA QUE SE IMPÕE. DEVER DE RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTATOS, AUTORIZADA A COMPENSAÇÃO DO VALOR DISPONIBILIZADO À AUTORA. DANO MORAL ARBITRADO EM R$ 3.000,00 (TRÊS MIL REAIS). RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. PRIORIDADE DE TRAMITAÇÃO NOS TERMOS DO ESTATUTO DO IDOSO.

ACÓRDÃO

VISTOS e relatados e discutidos estes autos do Recurso Inominado acima identificado, decidem os Juízes da Primeira Turma Recursal de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, para determinar a restituição em dobro de todas as parcelas efetivamente descontadas que tenham relação com o cartão de crédito objeto da presente lide, ficando o banco recorrido autorizado a compensar no valor das parcelas a ser restituído à recorrida, os valores recebidos por esta, acrescidos de juros e correção a contar da citação, fixando ainda, indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), acrescidos de juros de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação e correção monetária pelo INPC-A a partir desta decisão, nos termos do voto do relator.

Sem condenação em custas e honorários processuais, em virtude do provimento parcial do recurso.

Natal/RN, 19 de setembro de 2019.

VALDIR FLÁVIO LOBO MAIA

JUIZ RELATOR

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Inominado interposto por VERA MARIA CABRAL DE SOUSA em face da sentença que, nos autos da AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO, julgou improcedente a demanda, entendendo pela regular contratação entre as partes.

Segue sentença cujo relatório adoto:


  1. Trata-se de ação de restituição de valores c/c indenização por danos morais ajuizada por VERA MARIA CABRAL DE SOUSA contra BANCO BMG SA.

  2. Dispensado o relatório nos moldes do art. 38 da Lei 9099/95.

  3. Passo a Decidir.

Alega a autora ocorrência de vício de consentimento, arguindo que sua real intenção era de contratar empréstimo consignado, ao invés de cartão de crédito com reserva de margem consignada, no entanto, é incontroverso que fez uso do valor disponibilizado pela instituição financeira.

Nessa senda, entende-se como vício de consentimento os defeitos no negócio jurídico como o erro, o dolo e a coação que vão de encontro a autonomia da vontade, forçando a deliberação e estabelecendo divergência entre o que está sendo pactuado e a vontade real de um dos pactuantes.

Sobre o vício de consentimento o art. 138 preleciona que verificada a sua ocorrência são anuláveis os negócios jurídicos “São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.”

Em sede de contestação, a requerida apresentou contrato devidamente assinado pela requerente, que comprova a contratação de cartão de crédito com margem consignável e autoriza descontos em folha de pagamento.

Nesse caminho, vislumbra-se a ocorrência do negócio jurídico, com a contratação do empréstimo e o saque do valor ali disponibilizado, não verificada ocorrência de nenhuma irregularidade na contratação, que ensejasse a suspeita de coação, dolo ou que de alguma forma conduza a demandante a erro.

Nesse pórtico, não restou demonstrado que o objeto do contrato diverge da vontade real da requerente ao contratar com a requerida, ao passo que impõe-se reconhecer sua validade e concluir, pelas provas trazidas aos autos, que não houve vício de consentimento no presente caso, o que afasta por consequência, a procedência dos demais pleitos entabulados à exordial.

Nesse prisma, vejamos a jurisprudência,in verbis:

  1. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – IMPROCEDÊNCIA – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA MODALIDADE DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) – PRETENSÃO DE REFORMA SOB A ALEGAÇÃO DE NÃO CONTRATAÇÃO DO RESPECTIVO NEGÓCIO – DESCABIMENTO – Com a apresentação pelo banco réu do contrato de adesão à cartão de crédito consignado com autorização de descontos em folha de pagamento, cujo empréstimo respectivo foi contraído na modalidade de reserva de margem consignável (RMC), não se sustentam as alegações do autor apelante de inexistência do referido negócio e respectiva dívida, mostrando-se legítimo o negócio entabulado entre as partes, sendo de rigor a manutenção dos respectivos termos do contrato de empréstimo em questão, o que afasta, por via de consequência, os demais pleitos formulados, concernentes à condenação do banco apelado à repetição de indébito e à indenização por danos morais – Sentença mantida - Recurso desprovido, com majoração dos honorários advocatícios.

(TJ-SP 10062287320178260132 SP 1006228-73.2017.8.26.0132, Relator: Walter Fonseca, Data de Julgamento: 09/08/2018, 11ª

  1. Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/08/2018)

  2. DISPOSITIVO SENTENCIAL

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE todos os pedidos formulados na inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487,I.

Em suas razões recursais, a autora/recorrente alega a nulidade da contratação, asseverando que não obteve informação clara acerca dos termos da avença, incorrendo a instituição financeira recorrida em má-fé. Pugna ao final, pelo conhecimento e provimento do recurso inominado ora interposto, para reformar a sentença, em todos os seus termos, julgando procedente a ação, condenando o recorrido ao pagamento de uma indenização por danos morais, bem como a restituir em dobro os valores pagos a maior, compensando-se a quantia efetivamente utilizada pela autora.

Contrarrazões pelo desprovimento.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a apreciá-lo.

Compulsando os autos, tenho que merece parcial provimento ao recurso ora interposto.

A relação jurídica travada entre o banco recorrido e a parte autora/recorrente é relação de consumo, na forma dos arts. e e 29 da Lei n. 8.078/90 do CDC. Desta forma, evidente se torna a incidência das regras previstas na mencionada lei para o caso dos autos.

Ademais, o STJ sedimentou a discussão no enunciado sumular de sua jurisprudência dominante de n. 297, verbis: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

O caso em análise versa acerca de desconto realizado pela Recorrente no contracheque da Autora, referente ao contrato de cartão de crédito consignado.

Em relação ao contrato objeto da lide, verifica-se por parte do banco recorrido a clara falha na prestação de serviço, por ferir diretamente normas de proteção ao consumidor e impor a este onerosidade excessiva.

A parte autora, ora recorrente, reconhece que pretendia celebrar contrato de empréstimo consignado, afirmando que não solicitou o cartão de crédito, não sendo esclarecida das reais condições do contrato.

O banco explica que a transação realizada teria ocorrido por meio de um cartão comum onde o titular do cartão autoriza o banco a ser realizado o desconto da fatura diretamente no contracheque ou benefício, respeitado a Reserva de Margem Consignável para obrigações dessa natureza. No caso de cartão de crédito consignado, o art. 1º, §1º da Lei n. 10.820/2003 fixou o percentual de 5% (cinco por cento).

A lei não fixou os critérios de cálculo desses 5%. A Instrução Normativa do INSS n. 28, de 16 de maio de 2008, modificada pela IN INSS/PRES nº 80, de 14/08/2015, reiterou a reserva de até 5% (trinta por cento) para as operações de cartão de crédito? (art. 3º, §1º, II).

Quanto às exigências para a emissão do cartão de crédito consignado, a matéria está devidamente normatizada nos artigos 15 e seguintes da resolução. No particular, destaco os seguintes dispositivos:

Art. 15. Os titulares dos benefícios previdenciários de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão constituir RMC para utilização de cartão de crédito, de acordo com os seguintes critérios, observado no que couber o disposto no art. 58 desta Instrução Normativa:

I - a constituição de RMC somente poderá ocorrer após a solicitação formal firmada pelo titular do benefício, por escrito ou por meio eletrônico, sendo vedada à instituição financeira: emitir cartão de crédito adicional ou derivado; e cobrar taxa de manutenção ou anuidade;

...

Art. 16. Nas operações de cartão de crédito serão considerados, observado, no que couber, o disposto no art. 58 desta Instrução Normativa...

§ 2º A instituição financeira não poderá aplicar juros sobre o valor das compras pagas com cartão de crédito quando o beneficiário consignar a liquidação do valor total da fatura em uma única parcela na data de vencimento.

§ 3º É PROIBIDA A UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO PARA SAQUE.

Art. 17. A instituição financeira deverá encaminhar aos titulares dos benefícios com quem tenha celebrado contrato de cartão de crédito, mensalmente, extrato com descrição detalhada das operações realizadas, onde conste o valor de cada operação e local onde foram efetivadas, bem como o número de telefone e o endereço para a solução de dúvidas.

Considerando que o banco recorrido teria autorizado saque no cartão, o que é expressamente vedado, já há razão satisfatória para reconhecer a nulidade da contratação mediante SAQUE.

No entanto, passo a analisar as exigências...

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