Acórdão nº0010559-31.2023.8.17.9000 de Gabinete do Des. Francisco José dos Anjos Bandeira de Mello, 14-09-2023

Data de Julgamento14 Setembro 2023
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo0010559-31.2023.8.17.9000
AssuntoObrigação de Fazer / Não Fazer
Tipo de documentoAcórdão

Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário 2ª Câmara Direito Público - Recife , 593, Forum Thomaz de Aquino Cyrillo Wanderley (2º andar), RECIFE - PE - CEP: 50010-230 - F:(81) 31820830 Processo nº 0010559-31.2023.8.17.9000 AGRAVANTE: MUNICIPIO DO RECIFE AGRAVADO: H. M. G. D. S. INTEIRO TEOR
Relator: FRANCISCO JOSE DOS ANJOS BANDEIRA DE MELLO Relatório: Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Gabinete do Des.
Francisco Bandeira de Mello AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº: 0010559-31.2023.8.17.9000 AGRAVANTE: Município do Recife AGRAVADA: Heitor Miguel Gomes de Souza, representado por sua genitora, Paloma Gabriele Barbosa de Souza.


RELATOR: Des. Francisco Bandeira de Mello RELATÓRIO Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de atribuição de efeito suspensivo, interposto em face de decisão proferida pelo Juízo de Direito do Núcleo de Justiça 4.0 – de Saúde da Infância e Juventude, nos autos da Ação Ordinária tombada sob o NPU nº 0000086-68.2023.8.17.2021, que deferiu o pedido de tutela antecipada formulado pelo autor/agravado, nos seguintes termos (ID 131262266 – autos originários): “DECISÃO Vistos etc.

Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA PARA VAGA CONSULTA COM ESPECIALISTA E TRATAMENTO DE SAÚDE COM AVALIAÇÃO GLOBAL, AVALIAÇÃO GLOBAL COGNITIVA, TERAPIA OCUPACIONAL, FONOAUDIOLOGIA E PSICOPEDAGOGIA proposta por HEITOR MIGUEL GOMES DE SOUZA, menor impúbere, representado por sua genitora, PALOMA GABRIELE BARBOSA DE SOUZA, contra o MUNICÍPIO DO RECIFE, através da qual, requer “seja o requerido compelido a proceder à marcação da consulta com profissional especializado psiquiatra e neuropediatra para diagnosticar o autor, avaliação global, avaliação global cognitiva, acompanhamento com terapia ocupacional – TO, fonoaudiologia e psicopedagogia, e, após a consulta de avaliação global, que seja determinado e realizado os tratamentos aos quais forem solicitados”
.

Instado a se manifestar sobre o pedido de tutela (ID.
128339594), o MUNICÍPIO DO RECIFE pugna pelo indeferimento do pedido, sustentando que o Município do Recife não está negligenciando o atendimento do menor.

Destaca, ainda, que o tratamento requerido na exordial não haver sido prescrito por médico, “MAS POR ENFERMEIRA”.


Em seu parecer, a representante do Ministério Público manifestou-se favoravelmente ao pedido, destacando que a parte juntou guia de encaminhamento assinada por enfermeira, entretanto, observa-se que há, sim, laudos médicos assinados por médicos nos autos, com o encaminhamento das consultas e terapias necessárias ao menor, conforme documentos de ID.
127620054, ID. 127621953 e ID. 127621947.

Defiro os benefícios da justiça gratuita (art. 98 do CPC/15).


Como se sabe, nos termos de expresso mandamento constitucional, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196 da CF).


Insta destacar, inicialmente, que o valor da vida humana se sobrepõe a burocracias e interesses econômicos, por ser conditio sine qua non ao gozo de todos os demais direitos humanos, sendo decerto o principal direito fundamental consagrado na Constituição Federal.


Sendo assim, o reconhecimento da proteção à saúde como uma obrigação do Estado é um dever que vincula o Poder Público como um todo, devendo a presente situação ser encarada à luz da efetivação do núcleo basilar que qualifica o mínimo existencial.


No presente caso, vislumbro que o menor tem diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, consoante documentação médica anexada aos autos (ID.
127620054, ID. 127621953 e ID. 127621947), necessidade de tratamento multidisciplinar.

A legislação infraconstitucional regulou o pedido de tutela antecipada, a fim de que a parte adquira, provisoriamente, em sede de juízo não exauriente, o próprio pedido de mérito, que só seria analisado, por ocasião da sentença, desde que presentes os respectivos pressupostos, quais sejam, a probabilidade do direito quanto aos fatos alegados pela parte autora e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300, caput, do CPC/15).


Nesse sentido, depreende-se que um dos objetivos traçados pelo legislador infraconstitucional ao prever o instituto da tutela antecipada, é manejá-lo como verdadeiro escudo protetivo para evitar lesões graves ou de difíceis reparações à parte interessada, desde que preenchidos os pressupostos autorizadores.


Cabe ao estado (lato sensu) garantir, como fundamento da sua própria existência, a dignidade da pessoa humana, sendo este claramente o substrato do pedido autoral.


(art. 1º, III da CF).


Presente, portanto, a probabilidade do direito (fumus boni iuris).


Quanto ao segundo requisito autorizativo da tutela antecipada, qual seja, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, mostra-se cristalina a sua presença, o que presume a urgência e premência do tratamento.


Ou seja, se verifica a possibilidade, caso não seja deferida a medida, de sério risco à integridade física do postulante.


Assim, presente, também, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), de modo que deve ser conferida primazia ao direito à manutenção da saúde do menor.


Recorrendo-se ao princípio da universalidade e da dignidade da pessoa humana, considerando que o que se busca preservar é a vida digna, importante consignar que não cabe ao Poder Judiciário determinar qual tratamento deve ser dispensado aos pacientes, eis que cabe ao profissional de saúde que os assistem, sob sua inteira responsabilidade, avaliar e apontar qual o tratamento adequado a que deve ser submetido o enfermo, cabendo ao profissional competente (médico especializado) definir as diretrizes clínicas necessárias a fim de garantir qualidade de vida e condições de restabelecer a saúde do paciente, em razão de condições impostas de forma objetiva, estabelecendo o procedimento como melhor – e mais seguro – meio de solucionar o problema de saúde, sendo certo que tal indicação deverá ser compatibilizada com os mais atualizados estudos de eficácia medicamentosa, baseando-se, sobretudo, nos postulados da medicina por evidência, de modo a prestigiar a política pública em detrimento de procedimentos alternativos, quando aqueles disponibilizados nos protocolos clínicos sejam suficientes e indicados para a recuperação da saúde do enfermo.


Ressalto que o e.

STF sedimentou o entendimento de que o princípio da reserva do possível não pode ser invocado, sempre que essa cláusula comprometer o núcleo mínimo dos direitos fundamentais que gravitam em torno da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da CF/88).


Ademais, a jurisprudência não admite a alegação de irreversibilidade como empecilho à antecipação de tutela que visa salvaguardar direito à saúde e à vida.


Anoto que o ente público – teoricamente – pode ser ressarcido daquilo que desembolsou, se ao final for vencedor da demanda.


Já o menor, caso a medida não seja atendida, pode ter uma piora acentuada no seu estado de saúde, ficando sujeito a danos irreparáveis.


Sendo assim, verifico que a prova documental produzida no presente feito corroborou os argumentos expostos na queixa, permitindo-se, partindo do suposto fático apresentado e diante dos elementos aferíveis em sede de cognição sumária, enxergar a plausibilidade do direito invocado.


Em vista dos fatos apresentados, DEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, determinando que o MUNICÍPIO DO RECIFE disponibilize ao menor os tratamentos indicados nos laudos médicos anexados aos autos: marcação da consulta com profissional especializado psiquiatra e neuropediatra para diagnosticar o autor, avaliação global, avaliação global cognitiva, acompanhamento com terapia ocupacional – TO, fonoaudiologia e psicopedagogia, e, após a consulta de avaliação global, que seja determinado e realizado os tratamentos aos quais forem solicitados, no prazo de 10 (dez) dias a contar de intimação da presente decisão.


Em virtude da provisoriedade da presente medida judicial, a continuidade/prestação do tratamento está condicionada à apresentação periódica de relatório médico-pedagógico (laudo evolutivo e circunstanciado) sobre eventual progresso no estado de saúde do autor.


O não cumprimento da obrigação ora determinada importará no bloqueio, via SISBAJUD, dos valores necessários ao custeio do referido tratamento, cuja prescrição médica deverá ser atualizada trimestralmente (após o efetivo início do tratamento).


Intimem-se, com urgência (por Oficial de Justiça), ambas as partes para que fiquem cientes do inteiro teor da decisão, ocasião em que iniciará o prazo da parte demandada para apresentação da contestação.


Apresentada defesa, intime-se a parte autora para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar réplica.


Cumpra-se.

Recife, 27 de abril de 2023” (destaquei).


Irresignado, o Município do Recife interpôs o
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