Acórdão Nº 00116252120088200001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 29-01-2020

Data de Julgamento29 Janeiro 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo00116252120088200001
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0011625-21.2008.8.20.0001
Polo ativo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s): ELIZABETH AGRA DUARTE DE LIMA
Polo passivo
BANCO DO BRASIL SA e outros
Advogado(s): ELIZABETH AGRA DUARTE DE LIMA

EMENTA: CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE ABUSIVIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO MÚTUA. I) RECURSO DO BANCO DO BRASIL. A) PRELIMINAR DE PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE PROCESSUAL. ALTERAÇÃO DO TEOR DE PARTE DOS ELEMENTOS IMPUGNADOS QUE NÃO IMPLICA EM CARÊNCIA DA AÇÃO. REJIÇÃO. B) PLEITO DE AFASTAMENTO DA HOMOLOGAÇÃO DO RECONHECIMENTO JURÍDICO DE PARTE DOS PEDIDOS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE, VOLUNTARIAMENTE, PROCEDEU COM A REFORMULAÇÃO DE PARCELA DAS DISPOSIÇÕES NEGOCIAIS QUESTIONADAS. RECONHECIMENTO JURÍDICO TÁCITO CONFIGURADO. INCIDÊNCIA DO ART. 487, INCISO III, ALÍNEA “A”, DO CPC. C) IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. EMISSÃO DE CARTA-CIRCULAR. POSSIBILIDADE. MEDIDA QUE, ALÉM DE PERTINENTE AO CUMPRIMENTO DO PROVIMENTO JUDICIAL DEFERIDO, ENCONTRA FUNDAMENTAÇÃO LEGAL NO ART. 3º DA LEI Nº 7.347/85 (AÇÃO CIVIL PÚBLICA). D) AFASTAMENTO DAS ASTREINTES. REJEIÇÃO. MEDIDA FIXADA CONSOANTE O ART. 139, INCISO IV, DO CPC. II) RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DANO MORAL COLETIVO INOCORRENTE. AÇÃO QUE TUTELA DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. APELOS CÍVEIS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, conhecer de ambas as apelações cíveis para, rejeitar a preliminar de perda superveniente do interesse recursal suscitada no recurso do Banco do Brasil S/A e, no mérito, negar-lhes provimento, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública tombada sob o nº 0011625-21.2008.8.20.0001, movida pelo Ministério Público Estadual em desfavor do Banco do Brasil S.A., por meio da qual o Parquet persegue provimento jurisdicional que reconheça a abusividade de cláusulas de contratos consumeristas administrados pela casa bancária ré.

Após regular trâmite processual, o Juízo da Juízo da 11ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN proferiu sentença nos seguintes termos (Id 2904163):

Ante o exposto:

a) HOMOLOGO, por sentença o reconhecimento jurídico dos pedidos de declaração de nulidade das cláusulas 2ª, §8º e 5ª, §3º, do contrato de emissão e utilização do cartão do Banco do Brasil Visa Electron, 10 do contrato de emissão e utilização dos Cartões Ourocard correntistas e não correntistas do Banco do Brasil S/A e 11, §2º, do contrato de abertura de crédito rotativo;

b) JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão autoral e, em decorrência, declaro a abusividade da cláusula 7ª, §1º, do contrato de abertura de crédito em conta corrente – contas especiais, e dos itens 20.1 e 25.2 do contrato de conta corrente e de conta poupança, determinando, ainda, que a parte ré, sob pena de suportar multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada evento que caracterize o descumprimento das obrigações:

b.1) no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do trânsito em julgado, informe aos seus consumidores, através de Carta Circular, sobre a declaração de nulidade das cláusulas, decorrente de decisão judicial proferida em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte;

b.2) abstenha-se de exigir o cumprimento de quaisquer das cláusulas declaradas abusivas na presente sentença; e,

b.3) não repita as cláusulas ora declaradas abusivas em contratos futuros. De consequência, declaro extinto o processo com resolução do mérito, nos termos dos arts. 487, incisos I e III, alínea "a", do CPC. Diante da sucumbência recíproca, condeno a parte ré ao pagamento do percentual de 75% das custas processuais e deixo de condená-la em honorários advocatícios, em razão do princípio da simetria. Sem condenação do MP em custas e honorários, por força do disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/1985.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, arquivem-se.

Irresignados, ambos os litigantes interpõem recurso voluntário, perseguindo a reforma do édito judicial a quo.

Em suas razões (Id 2904164), o demandado argumenta que: i) “depreende-se que, a postura do Réu, ao declarar que já procedeu com a alteração e adequação de determinadas cláusulas contratuais previstas nas minutas de Contrato de Conta Corrente e Contrato de Utilização de Cartões de Crédito, não implica em reconhecimento expresso dos pedidos formulados pelo MPRN, mas sim configura o cumprimento espontâneo do teor de uma norma legal, que sofreu reformulações, e da aplicação da jurisprudência predominante, editada pelos Tribunais Superiores.”; ii) “considerando que as alterações de parte das cláusulas contratuais, discutidas na demanda, já vieram a ser implementadas, de forma espontânea antes mesmo da distribuição da Ação, entende-se que essas alterações consubstanciam a existência de fatos supervenientes que deveriam ter sido levados em conta no momento do julgamento, de forma a prevalecer a realidade fática em, consequentemente, ser utilizada como fundamento para a Declaração de perda superveniente do Interesse Processual, posto não mais persistirem as alegadas abusividades ou nulidades indicadas na exordial.” iii) a obrigação de fazer que lhe fora imposta, consubstanciada na expedição de “Carta Circular, visando comunicar aos consumidores acerca da Declaração de Nulidade das Cláusulas Contratuais” não encontra respaldo legal. “Noutro pórtico, observa-se que a mesma se apresenta como inócua, posto que, conforme já esclarecido e fundamento alhures, o Banco já teria procedido com as necessárias alterações em suas minutas contratuais (...)”; iv) o valor fixado a título de multa pelo eventual descumprimento da obrigação de fazer não atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Ao fim, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para: a) afastamento da homologação encontrada no item “a” do dispositivo sentencial; b) que seja acolhida a tese de perda superveniente do interesse processual; c) exclusão da obrigação de expedir Carta Circular de divulgação aos consumidores do teor da sentença; d) eliminação ou redução do valor das astreintes arbitradas pelo Juízo a quo.

Ao seu turno, o MPRN oferta Apelação Cível ao Id (2904166), alegando que “é possível conceber que a submissão dos consumidores às cláusulas abusivas inseridas pelo Banco do Brasil em seus contratos ocasiona um dano moral de caráter coletivo que merece reparação.”

Assim, requer a condenação do promovido ao pagamento de danos morais coletivos no importe de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).

Contrarrazões do autor ao Id 2904167 e do promovido ao Id 2404169, nas quais repristinam a argumentação já edificada nos apelos, pugnando pelo desprovimento do recurso da parte adversa.

Com vistas dos autos, o 17º Procurador de Justiça opinou “pelo conhecimento das apelações cíveis, e no mérito pelo improvimento do apelo da instituição bancária e provimento do recurso do Ministério Público.” (Id 4141829)

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço de ambos os recursos.

Para melhor inteligibilidade da presente decisão, observado o volume e a complexidade das matérias devolvidas a este Órgão Recursal, passo à análise apartada de cada apelo.

1 - DA APELAÇÃO CÍVEL DO BANDO DO BRASIL

I – Da preliminar de perda superveniente do interesse processual

Afirma o promovido que a demanda deve ser extinta, sem resolução do mérito, em virtude da perda superveniente do interesse recursal, ao argumento de que, de forma espontânea, promoveu com alterações em parte das cláusulas contratuais discutidas nos autos.

Costuma-se entender o interesse processual (de agir) pela conjugação dos elementos da utilidade e necessidade (para muitos também a adequação) na provocação do Poder Judiciário.

Para Fredie Didier Jr.:

Há utilidade sempre que o processo puder propiciar ao demandante o resultado favorável pretendido; sempre que o processo puder resultar em algum proveito ao demandante". 9 (...) "O exame da 'necessidade da jurisdição' fundamenta-se na premissa de que a jurisdição tem de ser encarada como última forma de solução do conflito".

A adequação, por fim, é identificada na escolha do procedimento adequado para obtenção da tutela jurisdicional pretendida.

In casu, não vislumbro a perda superveniente da referida condição da ação. Isto porque, mesmo na hipótese da cabal demonstração de que o demandado não mais inclui em seus contratos as cláusulas impugnadas na presente demanda – o que, adiante-se, não restou comprovado – ainda subsistiria o interesse do perseguido provimento jurisdicional.

É que, nos termos da irretocável valoração da magistrada singular:

“(...) não se reveste de relevância o fato de a instituição financeira ter adaptado as cláusulas contratuais impugnadas na presente demanda à legislação consumerista, haja vista que é possível que existam relações de consumo ainda regidas pelos instrumentos contratuais antigos, subsistindo, portanto, o interesse na declaração de abusividade pretendida pelo Ministério Público.

Pela mesma razão, também remanescem hígidos os pleitos consistentes em compelir o banco a informar aos consumidores acerca da declaração de abusividade e a se abster de fazer uso das cláusulas declaradas abusivas, por serem dependentes do pedido de declaração de nulidade (cumulação própria sucessiva)

Outrossim, os requerimentos de indenização por danos morais coletivos e de imposição de obrigação de não repetir as cláusulas abusivas em contrato futuros não são atingidos pela adequação das cláusulas contratuais promovida pelo banco...

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