Acórdão Nº 00148938820108200106 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 27-05-2021

Data de Julgamento27 Maio 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo00148938820108200106
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0014893-88.2010.8.20.0106
Polo ativo
FRANCISCO ALEXSANDRO PEREIRA DA SILVA e outros
Advogado(s): BRUNO DE MEDEIROS CELESTINO, MARIA DE LOURDES XAVIER DE MEDEIROS
Polo passivo
SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANCA PUBLICA E DA DEFESA SOCIAL e outros
Advogado(s):

Apelação Cível n° 0014893-88.2010.8.20.0106

Apelante: Estado do Rio Grande do Norte

Procurador: Victor Barbosa Santos

Apelados: Francisco Alexsandro Pereira da Silva e outros

Advogados: Maria de Lourdes Xavier de Medeiros (OAB/RN 5562) e outro

Relatora: Desembargadora Judite Nunes

EMENTA: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. LESÕES CORPORAIS PROVOCADAS COM ARMA DE FOGO EM DETENTO DENTRO DE UNIDADE PRISIONAL. OMISSÃO ESTATAL. DEVER DE VIGILÂNCIA E DE SEGURANÇA DOS PRESOS. OBRIGAÇÃO DE GARANTIR A INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DOS CUSTODIADOS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO DEVIDA. QUANTUM FIXADO COM RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO CÍVEL.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas, ACORDAM os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em consonância com o parecer da Sétima Procuradoria de Justiça, conhecer e negar provimento ao apelo, mantida a sentença vergastada, nos termos do voto da Relatora, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Estado do Rio Grande do Norte em face da sentença proferida pelo Juízo da Segunda Vara de Fazenda Pública da Comarca de Mossoró, que nos autos da Ação Indenizatória ajuizada por Francisco Josafá da Silva (falecido no curso do processo, habilitados seus sucessores Francisco Alexsandro Pereira da Silva e outros), julgou procedente o pleito autoral para condenar o ente público ora apelante ao pagamento de indenização por danos morais no valor de 15.000,00 (quinze mil reais), acrescidos de correção monetária desde o arbitramento e juros moratórios desde o evento danoso. Condenou o demandado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação. Sem custas.


Em suas razões, sustentou o recorrente a ausência de responsabilidade estatal, tratando-se de culpa exclusiva de terceiro, não dando ensejo à condenação indenizatória. Reclamou do quantum fixado, requerendo o conhecimento e provimento total do apelo, ou que, pelo menos, seja reconhecida a culpa concorrente da vítima, com a redução do valor da condenação.


A parte apelada ofereceu contrarrazões, pugnando pela manutenção da sentença.

Com vista dos autos, a Sétima Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

É o relatório.

V O T O

Presentes seus requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.

O mérito da questão se cinge em perquirir a responsabilidade civil do Estado em razão das lesões corporais sofridas pelo detento Francisco Josafá da Silva, por disparos de arma de fogo dentro Complexo Penal Estadual Agrícola Dr. Mário Negócio, localizado em Mossoró, onde se encontrava sob a custódia estatal, bem como a razoabilidade do quantum indenizatório fixado.

A responsabilidade civil do Estado pela atuação de seus agentes está prevista no artigo 37, § 6º da Constituição Federal, que consagra a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco administrativo, pela qual basta à parte autora a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre este e a ação ou omissão específica do agente público (fato administrativo) para que se configure a obrigação de indenizar. Demonstrados esses elementos, é desnecessária a exposição de culpa do agente envolvido para caracterização da responsabilidade civil do Estado.

Sobre o risco administrativo, leciona Sérgio Cavalieri Filho (In Programa de Responsabilidade Civil, 10ª edição. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 257):

"Em apertada síntese, a teoria do risco administrativo importa atribuir ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa. Esta teoria, como se vê, surge como expressão concreta do princípio da igualdade dos indivíduos diante dos encargos públicos. É a forma democrática de repartir o ônus e encargos sociais por todos aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração Pública. Toda lesão sofrida pelo particular deve ser ressarcida, independentemente do agente público que a causou. O que se tem que verificar é, apenas, a relação de causalidade entre a ação administrativa e o dano sofrido pelo administrado."

É da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto para as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. 9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal. 10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (STJ, RE 841526, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016).

Há de ser feita distinção entre as omissões genéricas do poder público e as omissões específicas. Em relação a estas, o Estado tem o dever de evitar o dano e assume o risco da sua ocorrência, do que decorre, então, a responsabilidade objetiva (teoria do risco administrativo), consoante a decisão do Supremo Tribunal Federal com repercussão geral reconhecida (ARE 638467 – Tema 5922).

Assim, não há que se falar em aplicação da responsabilidade civil subjetiva a impor a necessidade de exposição da culpa dos agentes públicos envolvidos como requisito necessário a ensejar o reconhecimento do dever reparatório estatal. São imprescindíveis para a análise do caso: a identificação da conduta (omissiva ou comissiva) do Estado, o nexo de causalidade e dano experimentado pela parte postulante.

In casu, as lesões corporais sofridas pelo Sr. Francisco Josafá ocorreram em decorrência de omissão estatal, visto que foi vítima de disparos de arma de fogo efetuados por outro detento, dentro do estabelecimento prisional, resultando em lesões do tipo transfixante no fígado, no estômago, lesão renal direita e lesão diafragmática bilateral. Assim, não restam dúvidas quanto à presença do fato administrativo, dano e do nexo de causalidade, mostrando-se incontroversa a responsabilidade do Estado do Rio Grande do Norte.

Outrossim, necessário destacar que não há nos autos nenhum elemento que possa configurar conduta realizada pela vítima a ponto de ensejar culpa concorrente, restando evidente que os danos sofridos ocorreram em razão da omissão do ente público estatal, que tem o dever de adotar medidas efetivas de segurança para garantir a integridade do custodiado.

Nesse sentido é o ensinamento de Rui Stoco (In Tratado de Responsabilidade Civil, 8ª ed., Revista dos Tribunais, pp. 1319/1321):

"O preso, a partir de sua prisão ou detenção, é submetido à guarda, vigilância e responsabilidade da autoridade policial, ou da administração penitenciária, que assume o dever de guarda e vigilância e se obriga a tomar medidas tendentes à preservação da integridade física daquele, protegendo-o de violências contra ele praticadas, seja por parte de seus próprios agentes, seja por parte de companheiros de cela ou outros reclusos com os quais mantém contato, ainda que esporádico.

[...]

Assim, se um detento fere, mutila ou mata outro...

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