Acórdão Nº 01000127720168200115 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 09-12-2021

Data de Julgamento09 Dezembro 2021
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo01000127720168200115
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0100012-77.2016.8.20.0115
Polo ativo
MPRN - PROMOTORIA CARAÚBAS e outros
Advogado(s):
Polo passivo
JOANA DARCK TARGINO JACOME
Advogado(s): ANDREO ZAMENHOF DE MACEDO ALVES


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Gabinete do Desembargador Gilson Barbosa

Apelação Criminal n° 0100012-77.2016.8.20.0115

Origem: Vara Única da Comarca de Caraúbas/RN

Apelante: Ministério Público

Apelado: Joana Darck Targino Jacome

Advogado: Dr. Osmar José Maciel de Oliveira - OAB/RN 17.487

Relator: Desembargador Gilson Barbosa

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. APELAÇÃO MINISTERIAL. PRETENSA CONDENAÇÃO DA RÉ PELO CRIME DE PECULATO, PREVISTO NO ART. 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. IMPROCEDÊNCIA. DELITO NÃO CONFIGURADO. FUNCIONÁRIO FANTASMA ATIPICIDADE FORMAL. CONDUTA QUE NÃO SE AMOLDA AO TIPO PENAL. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CÂMARA CRIMINAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. CONSONÂNCIA COM O PARECER DA 1ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, por unanimidade, em consonância com o parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, conhecer e negar provimento ao apelo, mantendo, na íntegra, a sentença que absolveu sumariamente a apelada Joana Darck Targino Jácome do crime de peculato, previsto no art. 312, caput, do Código Penal, nos termos do voto do Relator, que deste passa a fazer integrante.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público, p. 325 e 330-339 (ID 9511059 e 9511063), contra a sentença prolatada pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Apodi/RN, p. 317-323 (ID 9511057), que absolveu sumariamente a ré Joana Darck Targino Jácome da prática do crime de peculato, previsto no art. 312, caput, do Código Penal, diante da atipicidade da conduta, nos termos do art. 397, III, do Código de Processo Penal.

Nas razões recursais, o apelante pugnou pela anulação da sentença absolutória sumária, com a subsequente continuidade do processo, aduzindo que a conduta da servidora se amolda ao tipo penal descrito art. 312, caput, do Código Penal.

Afirmou, ainda, que o desfecho prematuro da ação penal viola os arts. 41, 395 e 651, do Código de Processo Penal e o princípio do in dubio pro societate.

Contrarrazoando o recurso interposto, p. 345-371 (ID 9511065), a apelada pugnou pelo desprovimento, para que fosse mantida a sentença absolutória.

Instada a se pronunciar, p. 387-393 (ID 10942457), a 1ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso, devendo ser mantida a absolvição sumária de Joana Darck Targino Jácome.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, deve ser conhecido o recurso de apelação.

Busca o apelante a reforma da sentença que absolveu sumariamente a ré Joana Darck Targino Jácome da prática do crime de peculato, previsto no art. 312, caput, do Código Penal, diante da atipicidade da conduta, nos termos do art. 397, III, do Código de Processo Penal.

Razão não lhe assiste.

Narra a denúncia que, no intervalo de janeiro de 2004 a dezembro de 2013, a denunciada Joana Dark Targino Jácome, na condição de funcionária pública, apropriou-se de dinheiro público, de propriedade do Município de Caraúbas, do qual se apossou em razão do seu cargo, no montante total de R$ 34.312,91 (trinta e quatro mil, trezentos e doze reais e noventa e um centavos).

Conforme a exordial acusatória, a denunciada foi admitida pela Prefeitura de Caraúbas em 03/07/1984 para exercer as funções do cargo de Professora, com jornada de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais, percebendo vencimentos de janeiro de 1985 a dezembro de 2013. Ocorre que, a partir de junho de 1990, a acusada manteve concomitantemente vínculo estatutário como Estado do Rio Grande do Norte, exercendo suas funções na cidade de Natal/RN, com carga horária de 30 (trinta) horas semanais e, dada a distância física entre as duas cidades, não se revelava crível que exercesse simultaneamente o cargo de professora nos dois Municípios.

Outrossim, consta que a própria denunciada assumiu que residia em Natal/RN há mais de dez anos e que durante esse período não havia retornado ao Município de Caraúbas.

Pois bem.

Não obstante as alegações ministerias, da análise dos autos, verifica-se, de fato, a atipicidade da conduta imputada à ré, ora apelada.

Descrevendo o fato típico consistente no peculato e algumas de suas modalidades, o art. 312 do Código Penal assinala que:

"Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Peculato culposo § 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano.

§ 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta".

Da leitura do dispositivo acima, tem-se que a sua redação contempla quatro figuras típicas de peculato, quais sejam:

a) peculato-apropriação (primeira parte do caput do art. 312, CP), quando o agente toma para si ou se apodera de valor, dinheiro ou qualquer bem público ou privado de que tem a posse, em razão do cargo público que exerce; b) peculato-desvio (segunda parte do caput do art. 312, CP), no qual o autor, em razão do cargo público que ocupa, desvia, desencaminha ou dá destinação diversa a valores, dinheiro ou bens públicos ou particular, igualmente sob sua posse, em proveito próprio ou alheio; c) peculato-furto (§ 1º), em que o funcionário público, tendo em vista a facilidade franqueada pelo seu cargo, conquanto não tenha a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai ou concorre para tanto, em proveito próprio ou alheio, e, finalmente, d) peculato culposo (§ 2º), quando o funcionário público, deixando de observar o seu dever objetivo de zelo, concorre para que terceiro se aproprie, desvie ou subtraia dinheiro, valor ou bem público ou particular confiado à Administração. Neste caso, por força do disposto no § 3º do art. 312, em sendo o dano reparado até a sentença irrecorrível, será extinta a punibilidade; em sendo posterior a reparação, a pena será reduzida de metade.

A consumação do peculato-apropriação ocorre quando o agente transfere em seu favor a posse do bem que não lhe pertence, agindo como se dono fosse.

Já no peculato-desvio, quando se dá a destinação diversa em proveito do agente ou de outrem.

No peculato-furto, quando se tem a posse tranquila da coisa subtraída, mesmo que por exíguo espaço temporal.

Assim, pode-se extrair que o tipo em estudo é crime próprio, no que toca ao sujeito ativo, e comum, quanto ao sujeito passivo (Estado ou particular); doloso (apropriação, desvio e furto) ou culposo (§ 2º, do art. 312 do Código Penal); comissivo ou omissivo impróprio (art. 13, § 2º, Código Penal); cujo bem juridicamente protegido pela norma é a Administração Pública e que tem por objeto material o dinheiro, valor ou bem móvel público ou particular.

Destaque-se que, em conformidade com o art. 327, § 2º, do Código Penal, a pena deverá ser aumentada da terça parte (causa especial de aumento de pena) quando os agentes exercerem cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Estes são, em linhas gerais, os contornos delineadores do tipo penal em exame.

No caso, nada obstante as assertivas do Ministério Público no sentido de que fatos envolvendo “funcionário fantasma” caracteriza, o delito de peculato tipificado no art. 312 do Código Penal, não é esse o entendimento que vem sendo seguido por esta Câmara Criminal e pelo Superior Tribunal de Justiça.

Isto porque, mesmo demonstrada a ausência da ré ao trabalho e a percepção normal de seus vencimentos na condição de servidora, não há tipificação do crime de peculato-apropriação.

O entendimento dominante é de que o servidor não terá se apropriado de nada que não fosse seu por lei (salário/vencimento).

Também não terá passado a agir como se dono fosse de verba do Estado e nem invertido a posse de dinheiro alheio, eis que, como dito, os valores lhe pertenciam, a título de contraprestação do serviço na condição de funcionário público.

Isso por uma razão definitiva: o paciente mantinha vínculo estável com o Estado do RN e o Município de Apodi, como exposto nos autos.

Neste ponto, enfatizo que o fato da ausência da efetiva contraprestação do serviço a que estaria obrigada a funcionária, ora apelada, mesmo que comprovada, não configura o tipo do art. 312 do Código Penal, pelo simples fato de não se tratar de desvio, apropriação ou furto de verba pública, nem dolosa nem culposa, mas simplesmente de percepção dos vencimentos do cargo na forma da lei.

Não se identifica, ainda, a eventual prática do peculato-desvio, porquanto não houve alteração do destino natural da verba ou aplicação diversa da que lhe foi legalmente determinada, na medida em que ela apenas recebeu o salário a que tinha direito na condição de servidora pública, não havendo que se falar em desvio de verba.

Muito menos configura-se eventual caracterização do peculato-furto, na medida em que, nesta modalidade de peculato, exige-se que a...

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