Acórdão Nº 01000757320188200102 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 02-03-2023

Data de Julgamento02 Março 2023
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo01000757320188200102
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0100075-73.2018.8.20.0102
Polo ativo
Raniel de Lima Medeiros e outros
Advogado(s):
Polo passivo
MPRN - 01ª Promotoria Ceará-Mirim e outros
Advogado(s):

APELAÇÃO CRIMINAL N.º 0100075-73.2018.8.20.0102

ORIGEM: 1ª VARA DA COMARCA DE CEARÁ-MIRIM/RN

APELANTE: RANIEL DE LIMA MEDEIROS

REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

RELATOR: DESEMBARGADOR GLAUBER RÊGO

REVISOR: JUIZ CONVOCADO RICARDO TINÔCO

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DO ART. 12 E DO ART. 14 DA LEI N.º 10.826/03. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO PELO PORTE ILEGAL. IMPOSSIBILIDADE. CONTEXTO PROBATÓRIO QUE ATESTA A AUTORIA E A MATERIALIDADE DE AMBOS OS DELITOS. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.

- Provada a materialidade e a autoria delitivas, não há de se falar em absolvição do crime do art. 14 da Lei n.º 10.286/03;

-“1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça aponta que os crimes previstos nos arts. 12, 14 e 16 da Lei n. 10.826/2003 são de perigo abstrato, sendo desnecessário perquirir sobre a lesividade concreta da conduta, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física e sim a segurança pública e a paz social (...)” (STJ, AgRg no HC n. 763.871/SP);

- Recurso conhecido e desprovido.


ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, em consonância com o parecer do 1º Procurador de Justiça, em substituição perante a 5ª Procuradoria, conhecer e negar provimento ao apelo defensivo, mantendo incólume a sentença hostilizada, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Criminal interposta por Raniel de Lima Medeiros, já qualificado nos autos, em face da sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Ceará-mirim/RN (ID 17014445), que o condenou a uma pena de 03 anos de reclusão, em regime aberto, pelos crimes dos art. 12 e 14 da Lei n.º 10.826/03.

O apelante, em suas razões recursais de ID 17014450, busca sua absolvição pelo crime do art. 14 da Lei n.º 10.826/03.

Intimado, o órgão ministerial atuante na primeira instância pugnou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (ID 16237795).

Por intermédio do parecer de ID 17431210, o 1º Procurador de Justiça, em substituição perante a 5ª Procuradoria, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório.

Ao Eminente Revisor.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.

A controvérsia recursal restringe-se à absolvição do acusado pelo crime do art. 14 da Lei n.º 10.826/03.

Contudo, melhor razão não lhe assiste. Explico.

A materialidade do delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido restou evidenciada pelo Laudo de Exame em Arma de Fogo (ID 17014153 - Pág. 1) e pelo Termo de Exibição e Apreensão (ID 7014158 - Pág. 6), sem prejuízo da prova oral colhida na instrução processual.

A autoria restou comprovada pela prova testemunhal, com destaque para o de Maria Adriana da Silva Virgínio, a qual narrou:

“(...) que estava em sua residência, quando o acusado chegou lá chamando por ela, por três vezes, no entanto ela não saiu de dentro de casa nessas três vezes. Na quarta vez, o marido dela disse ‘venha cá’, e quando ela saiu já viu o acusado no alpendre da casa dela, na frente da casa, e o acusado começou a esculhambar com ela. O acusado então foi até a casa dele e voltou armado para a frente da casa dela mandando ela sair para fora, mas ela não saiu (...)A depoente disse que a arma que o acusado portava era uma espingarda e que também tinha uma faca, que quando passava em frente a casa dela, ele subia a camisa e mostrava a faca na cintura... Entre a casa da depoente e a residência do acusado passavam três casas (...)”(depoimento de ID 17014434, 14min20seg, transcrição não literal de ID 17014447 - Pág. 2).

No mesmo sentido foram as declarações de Marcos Antônio Gomes dos Santos (ID 17014435, 04min15seg, 06min30seg) e de Ednalva Pedro Barbosa (ID 17014435, 10min15seg).

Ressalto que o próprio acusado confessou que realmente estava com a arma e passou com o artefato em frente à casa da Sra. Maria Adriana, enquadrando-se tal conduta no tipo do art.14 da Lei n.º 10.826/03 (ID 17014435, 20min10seg).

Ademais, não bastassem os elementos probatórios acima, o delito em tela é crime de mera conduta e de perigo abstrato, e põe em risco não uma pessoa individualizada, mas a incolumidade pública e a segurança da sociedade de modo geral, in verbis:

PROCESSO PENAL. PORTE DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. CONDENAÇÃO CONCOMITANTE POR CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça aponta que os crimes previstos nos arts. 12, 14 e 16 da Lei n. 10.826/2003 são de perigo abstrato, sendo desnecessário perquirir sobre a lesividade concreta da conduta, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física e sim a segurança pública e a paz social, colocadas em risco com o porte de munição, ainda que desacompanhada de arma de fogo. Por esses motivos, via de regra, é inaplicável o princípio da insignificância aos crimes de posse e de porte de arma de fogo ou munição.

2. Esta Corte acompanhou a nova diretriz jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que passou a admitir a incidência do princípio da insignificância na hipótese da posse de pequena quantidade de munição, desacompanhada de armamento hábil a deflagrá-la.

3. No caso, descabe falar em mínima ofensa ao bem jurídico tutelado pela normal penal incriminadora e, por consectário, em aplicação da bagatela, uma vez que as cinco munições de calibre .40 encontradas no veículo do acusado, embora desacompanhadas de arma de fogo, foram apreendidas no contexto de prisão em flagrante do réu pelo crime de tráfico ilícito de drogas, com a apreensão de significativa e variada quantidade de entorpecentes - 320 gramas de maconha, 378,3 gramas de cocaína e 602 gramas de crack.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC n. 763.871/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 21/9/2022.)


Logo, considero não merecer reparo a fundamentação do Magistrado (ID 17014445 - Pág. 5):

“(...) restou comprovado, conforme acima detalhado, que denunciado realmente portava a arma de fogo apreendida tipo espingarda, conforme se extrai de sua própria confissão, bem como foi encontrado em sua residência além da referida arma de fogo, 01 (uma) cápsula de munição calibre 38 e recipiente com pólvora e espoleta, artefatos pertencentes ao denunciado, consubstanciando a posse de arma de fogo. Essencial apontar que a arma de fogo e munição apreendidas não contavam com registro tal qual exige o Sistema Nacional de Armas – Sinarm – no art. 3° do Estatuto do Desarmamento. Compete esclarecer que apesar da apreensão de arma de fogo e munição no mesmo contexto caracterize, via de regra, delito único, o referido raciocínio não deve ser aplicado ao presente caso, já que a conduta praticada pelo acusado amolda-se a tipos penais diversos dos artigos 12 e 14 da Lei n. 10.826/2003, eis que além da apreensão da arma de fogo na casa do acusado, ele também confessou que fazia uso da mesma, portando-a para proteção de sua criação de galinhas em outras circunstâncias, o que afasta o reconhecimento de crime único, devendo ser aplicado o concurso entre os delitos. De fato, o acusado confessou que adquiriu o armamento há aproximadamente três meses e que utilizava a espingarda, portando-a “para espantar os carcarás que estavam comendo as galinhas”, o que é suficiente para caracterizar o tipo penal do art. 14 da Lei n° 10.826/2003. Por outro lado, na casa do denunciado, além de ter sido apreendida a mesma arma de fogo que caracterizou o tipo penal do porte ilegal de arma de fogo, foi encontrado também munição, denotando o delito de posse ilegal de arma de fogo.”

Sendo assim, como a materialidade e autoria do crime do art. 14 da Lei nº 10.826/03 restaram indubitavelmente provadas, outra providência não há senão a ratificação da decisão vergastada.

Diante do exposto, em consonância com o parecer 1º Procurador de Justiça, em substituição perante a 5ª Procuradoria, conheço e nego provimento ao apelo defensivo, mantendo incólume a sentença hostilizada, nos termos da fundamentação acima.

É como voto.

Natal/RN, data da assinatura eletrônica.

Desembargador Glauber Rêgo

Relator

Natal/RN, 2 de Março de 2023.

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