Acórdão Nº 01002262320178200151 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 14-08-2021

Data de Julgamento14 Agosto 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo01002262320178200151
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0100226-23.2017.8.20.0151
Polo ativo
MPRN - PROMOTORIA SÃO BENTO DO NORTE e outros
Advogado(s):
Polo passivo
AMARILDO ELIAS DE MORAIS
Advogado(s): FREDERICO CARLOS FERREIRA MACHADO

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO SEM OBSERVÂNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE LEI AUTORIZANDO CONTRATAÇÃO EXCEPCIONAL. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CARACTERIZAÇÃO DO ATO ÍMPROBO PREVISTO NO ART. 11 DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DOLO DEMONSTRADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima nominadas:

Acordam os Desembargadores da Segunda Turma da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, por unanimidade de votos, em consonância com o parecer da 17ª Procuradoria de Justiça, conhecer e julgar desprovido o apelo, nos termos do voto do relator.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por Amarildo Elias de Morais em face de sentença proferida pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de São Bento do Norte/RN (ID 8532975), que no bojo de Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público/RN, julgou procedente o pedido inicial, reconhecendo a prática de ato constante no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, condenou a parte recorrente ao pagamento de multa civil, em favor da municipalidade, de três vezes o valor da remuneração percebida à época e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos creditícios.

Em suas razões recursais de ID 8532975, aduz a parte apelante que havia lei municipal que autorizava a contratação excepcional.

Afirma que não agiu de má-fé e que não houve danos aos cofres públicos, devendo ser aplicado o princípio da insignificância.

Destaca que não podia fazer concurso, à época, pois havia concurso em andamento sendo questionado judicialmente.

Termina requerendo o provimento do recurso.

Intimado, o Ministério Público em primeiro grau apresentou suas contrarrazões (ID 8532975), nas quais sustenta que houve clara ofensa ao princípio da legalidade, pois não havia qualquer contrato formalizado pela prefeitura.

Discorre que, apesar do apelante alegar a existência de legislação que autorizasse as contratações, não juntou a mesma aos autos.

Afirma que eventual contratação precisaria de um mínimo de formalidades, o que não foi observador.

Ao final, pugna pelo desprovimento do apelo.

Instado a se manifestar, o Ministério Público, por sua 17ª Procuradoria de Justiça, opinou pelo desprovimento do recurso (ID 8565420).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, voto pelo conhecimento do apelo.

Cinge-se o mérito dos recursos em verificar o acerto da sentença ao condenar o demandado nas penalidades previstas na Lei de Improbidade Administrativa.

Cumpre analisar a caracterização de ato de improbidade administrativa em relação a parte apelante, consistente na contratação de pessoas para prestarem serviço a prefeitura de Caiçara do Norte, quando o mesmo exercia o cargo de Prefeito Municipal.

Na expressão de Marino Pazzaglini Filho, "a improbidade administrativa constitui violação ao princípio constitucional da probidade administrativa, isto é, ao dever do agente público de agir sempre com probidade (honestidade, decência, honradez) na gestão dos negócios públicos", acrescentando que "Improbidade administrativa, pois, é mais que singela atuação desconforme com a fria letra da lei. Em outras palavras, não é sinônimo de mera ilegalidade administrativa, mas de ilegalidade qualificada pela imoralidade, desonestidade, má-fé. Em suma, pela falta de probidade do agente público no desempenho de função pública" (Lei de improbidade administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal, p. 16).

No caso dos autos em específico, é imputada ao apelante a ofensa ao art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, que assim prescreve:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

Sabe-se que, para a responsabilização por ato de improbidade por enriquecimento ilícito (art. 9, LIA) que lesa o erário (art. 10, LIA) e que atenta contra os princípios da administração pública (art. 11, LIA) é preciso a demonstração de dolo ou ao menos culpa grave, sob pena de restar caracterizada a responsabilidade objetiva, o que não é aceito em sede de improbidade administrativa.

Nesse ponto, acerca do elemento volitivo, é essencial para configurar ato de improbidade quanto à ofensa a princípio da administração pública, Superior Tribunal de Justiça e esta Egrégia Corte já assentaram que:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. GESTOR PÚBLICO MUNICIPAL QUE FAZ PUBLICAR ATOS ADMINISTRATIVOS E LEIS EM DIÁRIO OFICIAL DA FEMURN – FEDERAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO RIO GRANDE DO NORTE SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCESSO LEGISLATIVO LOCAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA PUBLICIDADE. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO DIRETO. DESNECESSIDADE. OFENSA A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ELEMENTO VOLITIVO. DOLO GENÉRICO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE. APLICAÇÃO DE SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12 DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SANÇÕES PROPORCIONAIS E RAZOÁVEIS AO COMPORTAMENTO DO AGENTE. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO (AC nº 2016.014076-7, Rel. Juiz Roberto Guedes (Convocado), j. 19/02/2019 -1ª Câmara Cível do TJRN).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTS. 10, XII E XIII, E 11, CAPUT, DA LEI N.º 8.429/92 (LIA). PREFEITA MUNICIPAL. AUTORIZAÇÃO PARA QUE SERVIDORES DO MUNICÍPIO (PEDREIROS E SERVENTES) TRABALHASSEM EM OBRAS DE PARTICULARES. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO ECONÔMICO AO ERÁRIO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE PREVISTO NO ART. 10 DA LIA. VIOLAÇÃO, TODAVIA, A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DOLO GENÉRICO SUFICIENTE À CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE DO ART. 11 DA LIA. PRECEDENTES DO STJ. REFORMA DA SENTENÇA. CONDENAÇÃO DA APELADA À SANÇÃO DE PAGAMENTO DE MULTA CIVIL. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (AC nº 2016.006218-8, Rel. Des. Amílcar Maia, j. em 04/12/2018 – Grifo nosso).

Assim, basta o dolo genérico como elemento volitivo para configurar o ato de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública.

Analisando detidamente os autos, vislumbra-se que, de fato, o apelante fez diversas contratações sem concurso público, quando exercia o cargo de prefeito.

Validamente, a prova testemunhal colhida não deixa dúvidas de que os pagamentos foram feitos sem qualquer contrato assinado pelas partes contratadas pela Prefeitura, bem como sem a observância da regra constitucional do concurso público.

Ademais, o próprio apelante, em contestação e nas razões recursais, não nega que as contratações ocorreram sem concurso, mas afirma que as mesmas tinham um cunho social e não causaram prejuízo ao poder público.

Assume, pois, que tinha consciência de que não estava respeitando as regras.

O arcabouço probatório produzido demonstra, assim, que o recorrente agiu com dolo, pois tinha ciência de que não poderia fazer contratação sem concurso público ou sem estar amparado por legislação excepcional.

Neste ponto, importa frisar que, nada obstante a alegação da parte recorrente da existência dessa lei, não procedeu com a juntada da mesma aos autos, deixando de cumprir com seu ônus probatório.

Sobre as contratações temporárias, induvidosamente realizadas pelo recorrente, dispõe a Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[…]

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

E no Recurso Extraordinário Repetitivo nº 658.026/MG (Tema 612), o Supremo Tribunal Federal decidiu:

EMENTA: Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos. 1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, [d]a constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”. 2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente. 3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso...

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