Acórdão Nº 01002311820198200105 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 06-07-2021

Data de Julgamento06 Julho 2021
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo01002311820198200105
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0100231-18.2019.8.20.0105
Polo ativo
MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s): PAULO EDUARDO CAVALCANTI DE ARAUJO, CESAR VIRGILIO DE SOUZA E SILVA, ALECSANDER TOSTES DE LUCENA
Polo passivo
MPRN - 02ª PROMOTORIA MACAU
Advogado(s):

APELAÇÃO CRIMINAL nº 0100231-18.2019.8.20.0105

Origem: Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Macau/RN

Apelante: Emilson de Borba Cunha

Advogados: Paulo Eduardo Cavalcanti de Araújo e Outros

Apelado: Ministério Público

Relator: Desembargador SARAIVA SOBRINHO

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APCRIM. PECULATO E FRAUDE NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO (ARTS. 312 DO CP E 90 DA LEI 8.666/93). ALEGATIVA DE AUSÊNCIA DE PROVAS/ATIPICIDADE DA CONDUTA EM RELAÇÃO AO SEGUNDO DELITO. MATERIALIDADE E AUTORIA REVELADAS A PARTIR DA CONFISSÃO DOS DEMAIS ENVOLVIDOS E DOCUMENTOS ANEXADOS. IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO ABSOLUTÓRIO. DOSIMETRIA. PENA ARBITRADA EM TERMOS RAZOÁVEIS E PROPORCIONAIS, COM ESTEIO EM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PROGRESSÃO DE REGIME A SER ANALISADA, EM PRIMEIRA NOTA, PELO JUÍZO EXECUTÓRIO. SENTENÇA MANTIDA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos e em harmonia com a 1ª PJ, conhecer e desprover o Apelo, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

1. Apelação interposto por Emilson de Borba Cunha em face da sentença do Juiz da 2ª Vara de Macau, o qual na AP 0100231-18.2019.8.20.0105, onde se acha incurso nos arts. 312 do CP e 90 da Lei 8.666/93, lhe imputou 06 anos de reclusão e 02 anos e 11 meses de detenção em regime fechado, além de 250 dias-multa.

2. Segundo a Denúncia e reproduzido na sentença, “… no dia 27/03/2018, no município de Guamaré, os denunciados, de forma livre e consciente, em união de desígnios, realizaram ajuste para que LEANDRO RÉGIS fosse o vencedor do pregão presencial nº 003/2018, além de incluírem na licitação cláusulas restritivas da concorrência para favorecer este demandado, com o intuito de obterem para si vantagens decorrentes da adjudicação do objeto da licitação, incidindo nos tipos penais dos art. 90, caput, da Lei 8.666/93 …”.

3. No Id 9586842, aduz: i) inexistir provas a embasar sua condenação pelo crime capitulado no Estatuto de Licitações, sendo, ademais, atípica sua conduta; ii) equívoco no arbitramento pelo delito de peculato; e iii) fazer jus à progressão de regime.

4. Pugna, ao fim, pelo seu conhecimento e provimento.

5. Contrarrazões apresentadas (Id 9586842).

6. Parecer pela manutenção do Decisum (Id 98884427).

7. É o relatório.

VOTO

8. Conheço do Apelo.

9. No mais deve ser desprovido.

10. Iniciando pela tese absolutória (i), malgrado o viés retórico desenvolvido pela Defesa, militam contra o Recorrente a confissão do também denunciado Leandro Régis e própria fala dos acusados Júlio César e Laíse de Souza, adiante sintetizadas pela 1ª PJ:

“… Acerca da participação do recorrente no esquema fraudulento, transcreve-se passagem das declarações prestadas por Leandro Régis, reproduzidas por ocasião da apresentação de contrarrazões (Id 9586842, p. 10-11): PROMOTOR: E aí o senhor tinha conhecimento que o Presidente da Câmara sabia dessa situação? Ele anuía a isso? Algum dinheiro era repassado a ele? DENUNCIADO: Ele tinha conhecimento, com certeza, do contrato, foi dada a benção por ele do contrato, pra eu ser contratado, e eu tenho praticamente certeza que ele recebia algo também. Devido aos burburinhos que existiam nos corredores da Câmara, tinha muitas pessoas que recebiam também. PROMOTOR: Como assim? DENUNCIADO: Vários funcionários que recebiam seu salário e tinham o repasse pra ele também. PROMOTOR: Então havia um sistema dentro da Câmara que as pessoas, sejam funcionários, sejam empresas contratadas, tinham que pagar uma parcela para ele? DENUNCIADO: Sim, tinha. PROMOTOR: E quem era o caixa de Emilson? DENUNCIADO: Era Júlio. PROMOTOR: Júlio ficava, então, na função de gerenciar os contratos e receber valores para repassar a Emilson? DENUNCIADO: Ele organizava a vida do Emilson, na verdade. PROMOTOR: Como assim organizava a vida? DENUNCIADO: Até pagamento de contas de água e luz era Júlio que fazia. Coisas pessoais, sabe. PROMOTOR: E essa conta que o senhor recebia o salário, foi aberta pra isso? DENUNCIADO: Sim, abri lá em Guamaré. PROMOTOR: Aí o salário entrava normalmente e o senhor sacava? DENUNCIADO: É, eu ia lá, sacava ele todo, aí pegava minha parte e dava. PROMOTOR: Dava em mãos? Em espécie? Isso …”.

11. Logo após, reforça o ilustre Procurador:

“… destaque-se, ainda, o depoimento prestado por Laíse de Souza Martins, chefe de redação de ata da Câmara Municipal de Guamaré, a qual relatou que ter percebido a existência de fraudes diante do elevado número de dispensas e inexigibilidades de licitação, destacando que os processos já chegavam prontos, inclusive, com os pareceres dentro dos autos. Destacou que o Pregão Presencial nº 003/2018 foi alvo de diversas críticas, tendo em vista que o valor referente à contratação do ano de 2017 foi bem menor. Afirmou ainda que Leandro é sobrinho de Julio, diretor e braço direito de Emilson de Borba…”.

12. Para além disso, é curial constar, o cenário fático foi exaustivamente bem delineado pelo Juiz a quo, não fugindo aos seus detalhes e tampouco à sua adequação ao tipo do art. 90 da Lei 8.666/93, com e vê dos excertos sentencias ora selecionados:

“… Após a regular instrução processual, conclui-se que referido certame nunca visou uma concorrência real e efetiva, pois seu vencedor já estava determinado antes mesmo de seu início, de modo que ele não passou de uma maquiagem para viabilizar a contratação da empresa REGIS SERVIÇOS pelo legislativo municipal, bem como se constituiu em um instrumento para os acusados desviarem verbas públicas, mediante superfaturamento dos valores pagos pelo órgão público. Com efeito, observou-se que os denunciados, antes mesmo de se iniciarem os trâmites administrativos para elaboração do Pregão presencial nº 003/2018, providenciaram a vinda do senhor LEANDRO REGIS do Rio de Janeiro para o Rio Grande do Norte, bem como criaram uma empresa de fachada, a REGIS SERVIÇOS, para viabilizar a contratação ilícita ora vergastada. Vejamos. O legislativo de Guamaré/RN abriu o Pregão Presencial nº 003/2018, fls. 113/129, cujo objeto era “contratar empresa especializada na prestação de serviços de assessoria e consultoria de apoio administrativo em sistema de gestão, para atender as necessidades da Câmara Municipal de Guamaré/RN”, sendo o edital de referido certame assinado por EMILSON DE BORBA CUNHA, na qualidade de presidente, e JULIO CESAR COSTA DE OLIVEIRA, como Diretor Geral. Referido edital trazia, como anexo I, o Termo de Referência, o qual especificava os serviços a serem prestados, bem como apontava como valor total do contrato a ser firmado o montante de R$ 55.200,00…”.

13. Em seguida, acrescenta:

“… De acordo com o Relatório Técnico de Análise nº 0190/2019, juntado aos autos pelo Ministério Público, fls. 94/111, LEANDRO REGIS, sobrinho por afinidade de JULIO CÉSAR, então Diretor Geral da casa legislativa, residia na cidade de Nilópolis/RJ, onde exerceu, em junho de 2017, a função de contínuo, na empresa INOVE SER. LIMPEZA PROFISSIONAL E TERCEIRIZADOS LTDA, e se registrou como empresário individual, sob nome fantasia REGIS SERVIÇOS, no dia 16/10/2017, possuindo como atividade econômica principal a prestação de “serviços combinados de escritório e apoio administrativo”. Ocorre que referido empresário individual nunca prestou nenhum serviço a particular ou administração. Pelo contrário, há indícios de que o titular da empresa individual (LEANDRO REGIS) exercia o comércio de roupas, conforme postagens extraídas de seu facebook, nas quais ele informa, no início de janeiro de 2018, que faria uma última ida ao fornecedor antes de viajar para o Rio Grande do Norte. Corroborando os indícios de que a empresa era fantasma, sem efetivamente exercer qualquer atividade econômica e foi constituída com a única finalidade de firmar contratos com o legislativo de Guamaré/RN, tem-se o fato de que ela não funciona no endereço informado em seu cadastro, vez que GAECO realizou diligências no local, encontrando nele uma casa, cuja a moradora informou desconhecer citada empresa. Ademais, não há bens móveis ou imóveis registrados em seu nome, nem registro de funcionários…”.

14. Para, ao final, concluir:

“… As postagens de facebook do denunciado LEANDRO REGIS, datadas do início de janeiro de 2018, mencionadas na inicial à fl. 22, demonstram que ele, neste período, em breve estaria de mudança do Rio de Janeiro para o Rio Grande do Norte. Tal mudança para o Rio Grande do Norte, conforme se depreende dos autos, tinha uma razão de ser: realizar contratos com a Câmara Municipal de Guamaré. De fato, logo no final de janeiro de 2018 (26/01/2018), a empresa do senhor LEANDRO REGIS foi contratada pelo legislativo municipal, mediante dispensa de licitação nº 008/2018, como “empresa especializada na prestação de serviço de reorganização patrimonial, de todos os bens móveis e imóveis da Câmara Municipal”, conforme se depreende do extrato de contrato publicado no Diário Oficial das Câmaras Municipais do Rio Grande do Norte FECAMRN, do dia 02/02/2012, Ano I, nº 310. Referido contrato tinha duração de dois meses, vigendo até 26/03/2018. Ato contínuo, sem solução de continuidade, no dia do encerramento do contrato acima mencionado (26/03/2018), foi realizado o Pregão Presencial nº 003/2018, o qual tinha por objetivo contratar empresa especializada na prestação de serviços de assessoria e consultoria de apoio administrativo em sistema de gestão, o qual contou com apenas um concorrente, a empresa REGIS SERVIÇOS, de propriedade do senhor LEANDRO REGIS, conforme se depreende da ata de reunião e abertura de envelopes de...

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