Acórdão Nº 01002387420168200150 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 14-04-2020

Data de Julgamento14 Abril 2020
Tipo de documentoAcórdão
Número do processo01002387420168200150
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0100238-74.2016.8.20.0150
Polo ativo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):
Polo passivo
MUNICIPIO DE PORTALEGRE
Advogado(s):

Apelação Cível0100238-74.2016.8.20.0150

Apelante: Município de Portalegre

Advogado: Francisco Gaspar Pinheiro Brilhante (OAB/RN 8233)

Apelado: Ministério Público

Relatora: Desembargadora Judite Nunes



EMENTA: CONSTITUCIONAL, ECA E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSELHO TUTELAR. CONDENAÇÃO DO ENTE MUNICIPAL À INCLUSÃO NA LEI ORÇAMENTÁRIA DO ANO SEGUINTE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA SUFICIENTE PARA PAGAR OS DIREITOS SOCIAIS DOS CONSELHEIROS TUTELARES, CONFORME LEI Nº 12.696/2012, QUE ALTEROU O ARTIGO 134 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, DENTRE OUTRAS MEDIDAS. INÉRCIA DO MUNICÍPIO NÃO JUSTIFICADA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL QUE NÃO SE ADMITE. DIREITOS FUNDAMENTAIS QUE DEVEM SER PRIORIZADOS, EM DETRIMENTO DA ORGANIZAÇÃO FINANCEIRA. SENTENÇA MANTIDA. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.



ACÓRDÃO



Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em consonância com o opinamento ministerial, conhecer e negar provimento ao recurso, mantida a sentença recorrida, nos termos do voto da relatora, que integra este acórdão.



RELATÓRIO



Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Município de Portalegre em face de sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Portalegre, que nos autos da Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público em seu desfavor, julgou procedentes os pedidos contidos na inicial, para:



a) condenar o ente público municipal para manter à disposição do Conselho Tutelar, em caráter permanente, um motorista exclusivamente dedicado à condução do veículo deste órgão colegiado, obrigando-o ainda a arcar com a manutenção e abastecimento do veículo, sob pena de multa diária de R$ 100,00;

b) incluir na Lei Orçamentária orçamento de 2019 dotação específica para cumprimento do item ‘a’ desta sentença, sob pena de multa diária de R$ 100,00;

c) incluir na lei orçamentária de 2019 dotação específica para garantia dos direitos sociais dos conselheiros tutelares, quais sejam: cobertura previdenciária, gozo de férias anuais remuneradas acrescidas de 1/3 da remuneração mensal, licença-maternidade, licença-paternidade, gratificação natalina, sob pena de multa diária de R$100,00;

d) determinar ao Sr. Prefeito que envie, em 30 dias, à Câmara Municipal de Portalegre, projeto de lei que adeque a lei municipal nº 181/90 aos ditames da lei nacional nº 12.696/2012, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00 a partir do 31º dia;

e) envidar esforços para que o projeto de lei citado no item ‘d’ seja aprovado em um prazo máximo de 180 dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00 a partir do 181º dia.”



Em suas razões recursais, o Município de Portalegre sustentou que não tem condições de implementar os direitos sociais diante da vedação imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal, ultrapassando o limite prudencial. Requereu, assim, o conhecimento e provimento do recurso.



O Ministério Público ofereceu contrarrazões, pugnando pela manutenção da sentença.



Com vista dos autos, a Décima Quarta Procuradora de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo.



É o relatório.





VOTO



Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo.



Conforme relatado, discute-se nos autos a responsabilidade do Município de Portalegre pela contratação de motorista para dirigir veículo do Conselho Tutelar, bem como a implementação dos direitos sociais dos conselheiros, na forma estabelecida pela Constituição Federal e pela Lei nº 12.696/2012, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente.



Desde logo, em que pesem os esforços da edilidade para sustentar que a implementação das medidas impostas pela nova legislação ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal, entendo que não assiste razão à pretensão recursal, devendo ser mantida a sentença em sua integralidade.



A Lei nº 12.696/2012 estabeleceu direitos sociais aos conselheiros dos Conselhos Tutelares, alterando a redação do artigo 134 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que passou a vigorar com a seguinte redação (verbis):


Art. 134. Lei municipal ou distrital disporá sobre o local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar, inclusive quanto à remuneração dos respectivos membros, aos quais é assegurado o direito a:

I – cobertura previdenciária;

II – gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3 (um terço) do valor da remuneração mensal;

III – licença-maternidade;

IV – licença-paternidade;

V – gratificação natalina.

Parágrafo único. Constará da lei orçamentária municipal e da do Distrito Federal previsão dos recursos necessários ao funcionamento do Conselho Tutelar e à remuneração e formação continuada dos conselheiros tutelares.



Nesse contexto, na esteira dos direitos sociais previstos constitucionalmente, a Lei Federal os assegura aos conselheiros tutelares, sendo inaceitáveis as justificativas do Município para não implementar os ditames legais, deixando de editar as Lei Municipais necessárias.



Com efeito, a Lei nº 12.696/2012 encontra-se em vigor desde julho de 2012, não sendo razoável que, passados cerca de seis anos (na data da prolação da sentença), as despesas decorrentes da citada norma ainda não tivesse sido incluída no orçamento anual municipal.



Ora, trata a lide de direitos fundamentais, de índole constitucional, não podendo a organização financeira da administração pública municipal a eles se sobrepor, não tendo cabimento, assim, a justificativa de violação à Lei de Responsabilidade Fiscal.



Verifica-se, in casu, a omissão do Poder Executivo Municipal, incumbido de destinar recursos para as necessidades de implantação, desenvolvimento e trabalho operacional dos Conselhos Tutelares, situação que não pode ser tolerada, eis que lesiva a direitos básicos das crianças e adolescentes do Município de Portalegre.



Cito precedentes desta Corte que, guardadas as peculiaridades de cada caso, adequa-se ao ora em julgamento:



EMENTA: DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PRETENSÃO DE APARELHAMENTO DO CONSELHO TUTELAR NO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE/RN. ÓRGÃO PREVISTO EM LEI E DE CRIAÇÃO OBRIGATÓRIA, CONFORME ART. 132 DO ECA. NECESSIDADE DE REGULARIZAÇÃO ESTRUTURAL E FUNCIONAL DO CONSELHO TUTELAR. IMPOSIÇÃO LEGAL DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA ESPECÍFICA AO CUSTEIO DE SUAS ATIVIDADES. ART. 134, PARÁGRAFO ÚNICO, DO ECA. APELO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ/RN – Apelação Cível nº 2018.010792-1 – Relator: Des. Vivaldo Pinheiro, Julgamento: 08/10/2019, 3ª Câmara Cível).



EMENTA: CONSTITUCIONAL, CRIANÇA E ADOLESCENTE E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRETENSÃO DE INSTALAÇÃO E APARELHAMENTO DO CONSELHO TUTELAR NO MUNICÍPIO. ACORDO CELEBRADO EM AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO PARA OBRIGAÇÕES DE FAZER PARCIALMENTE DESCUMPRIDO. SENTENÇA QUE RECONHECEU A PERDA DO INTERESSE DE AGIR EM RELAÇÃO ÀS OBRIGAÇÕES DE FAZER DESCUMPRIDAS. DESCABIMENTO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL. ÓRGÃO PREVISTO EM LEI E DE CRIAÇÃO OBRIGATÓRIA. ART. 132 DO ECA. NECESSIDADE DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA ESPECÍFICA AO CUSTEIO DE SUAS ATIVIDADES. ART. 134, PARÁGRAFO ÚNICO, DO ECA. PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DA PRIORIDADE ABSOLUTA. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. EFETIVA REGULAMENTAÇÃO DO FIA POR LEI MUNICIPAL QUE IMPORTA NO ÚNICO PEDIDO POSSÍVEL DE RECONHECIMENTO DE PERDA DO INTERESSE PROCESSUAL SUPERVENIENTE. REFORMA DA SENTENÇA. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ/RN - Apelação Cível nº 2014.017511-1, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Dilermando Mota, julgado em 23/11/2017).



Assim sendo, revelando-se imprescindíveis e urgentes as medidas determinadas pelo Juiz a quo, considerando a diversidade de problemas que envolvem a infância e a juventude da edilidade recorrente, há que ser mantida a sentença, também no que se refere à disponibilização de motorista exclusivo para o Conselho Tutelar, arcando com a manutenção deste, bem como a edição de nova lei a fim de adequar a Lei nº 181/90 ao Estatuto da Criança e do Adolescente e à Lei Federal nº 12.696/2012, posteriores àquela.



Diante do exposto, em consonância com o parecer ministerial, conheço e nego provimento ao apelo.



É como voto.



Natal, 14 de abril de 2020.



Desembargadora Judite Nunes

Relatora



Natal/RN, 14 de Abril de 2020.

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