Acórdão Nº 01002472720168200153 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 17-12-2021

Data de Julgamento17 Dezembro 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo01002472720168200153
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0100247-27.2016.8.20.0153
Polo ativo
BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.
Advogado(s): WILSON SALES BELCHIOR registrado(a) civilmente como WILSON SALES BELCHIOR, GRACA MARIA SILVA DE VASCONCELOS MAFRA
Polo passivo
MARIA CLAUDINO DA SILVA e outros
Advogado(s): OTACILIO CASSIANO DO NASCIMENTO NETO

EMENTA: CONSUMIDOR E CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FRAUDE EVIDENCIADA POR PROVA PERICIAL. EXAME GRAFOTÉCNICO QUE ATESTOU QUE AS ASSINATURAS DOS CONTRATOS NÃO PERTENCIAM À CONSUMIDORA. FALTA DE DILIGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. DANOS MATERIAIS CONFIGURADOS. COBRANÇA IRREGULAR. APLICAÇÃO DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. REPETIÇÃO DO INDÉBITO MANTIDA. DEVER DE INDENIZAR QUE SE IMPÕE. DANO MORAL CARACTERIZADO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. LESÃO PRESUMIDA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO (DANO IN RE IPSA). VALOR FIXADO EM DISSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. NECESSIDADE DE DIMINUIÇÃO DO MONTANTE ARBITRADO. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO DO APELO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são as partes acima identificadas, acordam os Desembargadores que compõem a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que integra o julgado.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta pelo BANCO BRADESCO S,A., por seu advogado, contra a sentença proferida pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de São José de Campestre/RN, que, nos autos da Ação Ordinária nº 0100247-27.2016.8.20.0153, contra si ajuizada por MARIA CLAUDINO DA SILVA, julgou parcialmente procedente a pretensão inicial, nos seguintes termos (ID n° 12182529):

“Por todo o exposto, JULGO PROCEDENTE os pedidos apresentados na inicial, pelo que declaro extinto o presente feito, com resolução do mérito, nos termo do art. 487, I, do CPC.

Em consequência, condeno o demandando a:

a) proceder com o cancelamento dos contratos objeto da lide;

b) realizar a restituição dobrada dos valores indevidamente descontados no benefício previdenciário da parte autora (R$ 3.108,80), acrescidos de eventuais valores descontados após o ajuizamento da demanda, incidindo sobre esse valor juros de mora de 1% ao mês e correção monetária de acordo com a tabela 1 da JFRN desde a realização de cada desconto,

c) pagar indenização por danos morais na ordem de R$ 10.000,00 (dez mil reais), incidindo sobre esse valor juros de mora de 1% ao mês e correção monetária de acordo com a tabela 1 da JFRN, aqueles com incidência desde o evento danoso e estes a contar da presente sentença (arbitramento).

Em sendo a parte ré a única sucumbente, deverá suportar a integralidade de seu ônus representados pelas custas processuais, na forma regimental, e honorário advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC.

P.R.I.

Nas razões recursais (ID nº 11886265) a parte ré argumentou, em síntese: a) regularidade da contratação, eis que o empréstimo foi disponibilizado diretamente ao autor por meio de TED, tendo a ré agido em exercício regular do seu direito, inexistência de responsabilidade no caso; b) o contrato foi celebrado com apresentação dos documentos pessoais da parte recorrida; c) não configuração dos danos morais; d) ausência de razoabilidade no quantum indenizatório; e) ) descabimento da repetição do indébito em dobro, ante a ausência de cobrança indevida.

Por fim, pugna pelo seu conhecimento e provimento, com a reforma parcial da sentença hostilizada.

Contrarrazões no ID n° 11888071.

Ante a ausência das hipóteses ensejadoras da manifestação ministerial, deixou-se de remeter os autos ao Ministério Público.

É o relatório.

VOTO

Conheço do presente recurso, pois atende aos requisitos de admissibilidade.

Cinge-se o mérito recursal em aferir a regularidade da contratação de empréstimos consignados nº 01587588.

Na exordial, aduziu a autora que não firmou o referido empréstimo consignado, tendo sido surpreendida com os descontos no seu benefício previdenciário nos valores de R$ 97,50 (noventa e sete reais e cinquenta centavos), sendo o empréstimo no valor total de R$ 3.133,26 (três mil reais, cento e trinta e três reais e vinte e seis centavos).

Primeiramente, é de se esclarecer que, no caso dos autos, tem-se por aplicável os dispositivos emanados do Código de Defesa do Consumidor – CDC, haja vista tratar-se de relação jurídico material em que de um lado a demandada figura como fornecedora de serviços, e do outro o demandante se apresenta como seu destinatário.

Ademais, cumpre ressaltar que, mesmo existindo pacto contratual livremente celebrado entre as partes, é assegurado ao Poder Judiciário intervir na relação jurídica, de modo a devolver ao negócio o equilíbrio determinado pela lei e a função social a ele inerente, sem que isso signifique interferência ilegal na autonomia da vontade das partes, mormente, porque o negócio se encontra regido pelo CDC.

Ato contínuo, cabível mencionar que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, estabeleceu a responsabilidade civil objetiva dos fornecedores de serviços, na qual, uma vez ocorrido o dano, será investigado tão somente o nexo de causalidade, inexistindo, portanto, aferição de culpa.

Pois bem. O Código de Processo Civil estabelece, no artigo 373, incisos I e II, o seguinte:

"Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor."

Observa-se que ao autor cumpre provar o fato constitutivo do direito alegado, cabendo ao réu demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo de tal direito.

Portanto, cabe à demandante, trazer aos autos elementos que possam formar a convicção do julgador.

Analisando o caderno processual, verifica-se que a postulante juntou cópia do extrato bancário contendo os efetivos descontos da tarifa objeto do litígio (ID nº 11886247 – fls. 18/20).

Porém, em que pese a alegação de regularidade dos descontos pela empresa ré/apelante, por meio de perícia grafotécnica acostada no ID n° 11886256, concluiu o expert que a assinatura constante no contrato acostado pela instituição financeira, não pertencia a demandante. Proferindo conclusão, que destaco a seguir:

“Diante dos documentos avaliados, juntado pela parte, fls. 116 e 118, sendo estescópias, com assinatura DIVERGENTE, diante do exame pericial realizado, conforme corpo do laudo e tabela apresentada, no estudo aplicado.

Hábitos gráficos são pessoais e mantém-se independentemente da idade cronológica da pessoa, e de seu grau de instrução.”

Ora, a instituição financeira, por estar inserida no conceito de prestadora de serviço, também é responsável objetivamente pelos prejuízos e danos causados ao consumidor. Logo, basta que se comprove o nexo causal entre o ato perpetrado pela instituição bancária e o consequente dano oriundo desta conduta para que surja o dever de indenizar o lesado, sem que seja necessária qualquer investigação acerca do elemento culpa.

Sabe-se que o banco tem o dever de aferir a autenticidade dos documentos apresentados por um pretenso cliente, para, além de resguardar seus direitos (garantia do cumprimento da obrigação contraída), prevenir eventual agressão a interesses de terceiros, como se deu no caso em deslinde.

A conduta desidiosa do demandado, decerto, acarretou dano moral a autora, cujos dados pessoais foram indevidamente utilizados para celebrar contrato de empréstimo com a Apelante, configurando-se o dano imaterial, bem assim o dever de indenizar por parte daquele que o causou.

Com efeito, cumpre ao prestador de serviço ser diligente na execução de seu mister. A instituição financeira não pode contratar sem se certificar sobre a idoneidade das informações prestadas pela pessoa interessada, de modo que é inquestionável a má prestação do serviço e a ocorrência do dano moral infligido ao Demandante, decorrente deste fato.

Ademais, tratando-se de uma relação consumerista, cumpria à instituição financeira, ora apelante, comprovar que o contrato de empréstimo foi celebrado efetivamente pela autora/apelada, ônus do qual não se desincumbiu, restando, assim, caracterizado o dano moral indenizável.

Certo, portanto, é o direito à indenização decorrente do dano moral infligido à pessoa física.

Impende destacar os seguintes julgados do Superior Tribunal e desta Corte:

"EMENTA: DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. INEXISTÊNCIA. DESCONTOS INDEVIDOS DA CONTA CORRENTE. VALOR FIXADO. MINORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Como a formalização do suposto contrato de empréstimo consignado em folha de pagamento não foi demonstrada, a realização de descontos mensais indevidos, sob o pretexto de que essas quantias seriam referentes às parcelas do valor emprestado, dá ensejo à condenação por dano moral.

2. Esta Corte Superior somente deve intervir para diminuir o valor arbitrado a título de danos morais quando se evidenciar manifesto excesso do quantum, o que não ocorre na espécie. Precedentes.

3. Recurso especial não provido." (STJ REsp 1238935 / RN Relª. Ministra NANCY ANDRIGHI T3 TERCEIRA TURMA, julg. 07/04/2011)

"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO QUE NÃO FOI FIRMADO ENTRE AS PARTES. NEGLIGÊNCIA DO DEMANDADO QUANTO À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE...

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