Acórdão Nº 01002927320178200160 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Tribunal Pleno, 03-02-2021

Data de Julgamento03 Fevereiro 2021
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo01002927320178200160
ÓrgãoTribunal Pleno
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0100292-73.2017.8.20.0160
Polo ativo
JOSE EVILASIO DOS SANTOS
Advogado(s): EVERSON CLEBER DE SOUZA, PABLO WILSON GANDRA DE MELO FIRMINO, ELYS MARIA RODRIGUES, LOUISE CAMILA PAIVA, WAGNER SOARES RIBEIRO DE AMORIM, WALTENCY SOARES RIBEIRO AMORIM
Polo passivo
MUNICIPIO DE UPANEMA e outros
Advogado(s):


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Gab. Des. Vivaldo Pinheiro na Câmara Cível - Juíza Convocada Dra. Maria Neize de Andrade

Apelação Cível nº 0100292-73.2017.8.20.0160

Origem: Vara Única da Comarca de Upanema/RN.

Apelante: Município de Upanema.

Procurador: Rodolfo Vinícius F. Rodrigues.

Apelado: José Evilásio dos Santos

Advogadas:Elys Maria Rodrigues Salvador e Outra

Apelado: Estado do Rio Grande do Norte

Procuradora: Adriana Torquato da Silva

Relatora: Drª. Maria Neíze de Andrade Fernandes (Juíza Convocada)

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, SUSCITADA NAS CONTRARRAZÕES: SUPOSTA INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL. APELO QUE REBATE OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO: PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. DIREITO À SAÚDE. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES FEDERADOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELOS DANOS QUE OS AGENTES PÚBLICOS, NESSA QUALIDADE, CAUSAREM A TERCEIROS, INDEPENDENTE DE A CONDUTA SER OMISSIVA OU COMISSIVA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ORÇAMENTÁRIA E RESERVA DO POSSÍVEL. OBRIGAÇÃO DE CUSTEAR A CIRURGIA NECESSÁRIA AO TRATAMENTO DE SAÚDE DO APELADO. DEMORA DE APROXIMADAMENTE 22 MESES PARA REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO. HIATO TEMPORAL EXTREMAMENTE LONGO. DANO MORAL CONFIGURADO. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA ADEQUADAMENTE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.

ACÓRDÃO

ACORDAM os eminentes Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento à Apelação Cível, nos termos do voto da Relatora.


RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Município de Upanema contra sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Upanema/RN, nos autos da Ação Ordinária nº 0100292-73.2017.8.20.0160, que julgou procedente a pretensão formulada à exordial, nos seguintes termos:

"(...) pra determinar que as partes Requeridas, solidariamente, procedam: 1. à realização do procedimento médico requerido na peça inicial; e 2. ao pagamento do valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de indenização por danos morais, em favor de JOSÉ EVILÁSIO DOS SANTOS. Sobre esse valor, incidirá correção monetária (IPCA-e) a partir da presente sentença (enunciado sumular n. 43, do Superior Tribunal de Justiça) e juros de mora pelo índice que remunera a caderneta de poupança a partir do evento danoso (enunciado sumular n. 54, do Superior Tribunal de Justiça).

Custas na forma da lei. Nos termos do artigo 85, caput, do Novo Código de Processo Civil, condeno o Estado do Rio Grande do Norte e o Município de Upanema em honorários advocatícios. (...) fixo os honorários advocatícios em 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação (...)”.

Em suas razões, o Município Apelante defende a necessidade de chamamento da União para compor o polo passivo, diante da hipossuficiência financeira do Município.

Na sequência, apoia-se na reserva do financeiramente possível, argumentando que não está obrigado a garantir o tratamento mais moderno e eficaz e, ainda, não ser permitido retirar-lhe recursos financeiros indispensáveis à preservação da vida de outros diversos pacientes igualmente carentes e necessitados.

Além disso, sustenta ser aplicável à espécie a responsabilidade civil subjetiva, a inexistência do dever de indenizar e de abalo moral indenizável.

Secundariamente, considera elevada a verba indenizatória fixada na sentença e, ao final, pugna pelo provimento do recurso para julgar improcedentes os pedidos iniciais.

Contrarrazões apresentadas apenas pelo autor, arguindo, de início, a preliminar de não conhecimento do recurso por ausência de impugnação específica aos fundamentos da sentença. No mérito, rebate os argumentos da parte adversa e pede o desprovimento do apelo.

Com vista dos autos, a 10ª Procuradora de Justiça declinou de sua intervenção no feito.

É o relatório.

VOTO

I – Preliminar de Não Conhecimento do Recurso, suscitada pela Recorrida

Em sede de contrarrazões, a apelada aponta inobservância do princípio da dialeticidade recursal, pretendendo, com isso, o não conhecimento do recurso.

Pelo princípio da dialeticidade, "(...) compete à parte insurgente, sob pena de não conhecimento do recurso, infirmar especificamente os fundamentos adotados pela decisão objurgada (...)". (AgRg no RMS 19.481/PE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/11/2014)

Na espécie, observando o recurso interposto, resta nítido que este contém as razões de fato e de direito que justificariam o pedido de reforma da sentença, impugnando devidamente os fundamentos em que se apoiou o comando sentencial.

Ante o exposto, rejeito a preliminar suscitada.

II – MÉRITO

De antemão, consigno, como bem ponderado pelo magistrado de base, que a sentença não se sujeita ao reexame necessário, tendo em vista que “a condenação não alcança 500 (quinhentos) salários-mínimos".

Seguindo adiante, discute-se nos autos a suposta responsabilidade do Município pelo custeio de tratamento cirúrgico necessitado pelo apelado.

Segundo entendimento pacífico desta Corte de Justiça, bem como do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, este, inclusive, em sede de Repercussão Geral, a responsabilidade para fornecer medicamento/tratamento à parte hipossuficiente é solidária entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, de forma que o polo passivo pode ser integrado por um, alguns ou todos os entes federativos a critério do demandante, ex vi:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MEDICAMENTO. FORNECIMENTO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (Tema 793). 2. Agravo a que se nega provimento.(RE 892590 AgR-segundo, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 16/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-209 DIVULG 29-09-2016 PUBLIC 30-09-2016) (grifos acrescentados)

Assim sendo, com base na supracitada tese firmada e à luz das disposições constitucionais acerca do tema, torna-se imperioso consignar a legitimidade do Município em lides como esta, isolada ou conjuntamente com os demais entes que compõe a República Federativa do Brasil.

De mais a mais, tenho que as ações e serviços na área da saúde têm por escopo o atendimento integral do indivíduo, no qual se inclui o fornecimento do medicamento ou exames necessários à preservação da saúde e da vida digna.

Mesmo porque o que se pretende tutelar é bem jurídico da maior importância, qual seja, a vida humana, cuja proteção decorre de imperativo constitucional, como prevê o art. 5º, caput, da Carta Constitucional de 1988, tendo primazia sobre qualquer bem ou interesse meramente patrimonial.

E, ao contrário dos argumentos apelatórios, impera a teoria da Responsabilidade Objetiva do ente público pelos atos comissivos ou omissivos realizados pelos agentes públicos que, nessa qualidade, resultem em danos a terceiros.

Tal teoria encontra-se constitucionalmente normatizada no art. 37, §6º, da Constituição Federal, vejamos:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.(grifos nossos)

Portanto, o Município é responsável pelos danos que causar aos particulares quando no exercício comissivo ou omissivo de suas atividades, havendo ou não culpa de seus agentes, bastando que reste demonstrado o dano e o seu nexo com aquela atividade.

Na situação em particular, o Apelado, após sofrer acidente automobilístico, somente conseguiu submeter-se à cirurgia ortopédica de que necessitava após, aproximadamente, 22 meses, lapso temporal extremamente longo e penoso para aquele cujo restabelecimento da saúde e bem-estar dependia do procedimento.

Portanto, identificados os elementos ensejadores do dever de indenizar.

A respeito da fixação do valor indenizatório, é aconselhável que seja proporcional ao prejuízo sofrido pela vítima do dano e à conduta do causador de tal prejuízo, considerando também a situação econômica de cada uma das partes, de modo a compensar os danos extrapatrimoniais sem gerar o enriquecimento ilícito e, por fim, desestimular ao agente da lesão que reincida nas condutas que resultaram no litígio.

Dessa forma, atenta ao princípio da razoabilidade, precedentes desta Corte e peculiaridades do caso, considero adequado e justo o valor indenizatório arbitrado pelo Juízo a quo – R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Ademais, não há que se falar em afronta ao Princípio da Legalidade Orçamentária e da Reserva do Possível, uma vez que se está diante do conflito de normas referentes à saúde e, principalmente, o direito fundamental à vida, que não pode...

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