Acórdão Nº 01002979020148200131 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 06-10-2022

Data de Julgamento06 Outubro 2022
Classe processualREMESSA NECESSÁRIA CÍVEL
Número do processo01002979020148200131
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0100297-90.2014.8.20.0131
Polo ativo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):
Polo passivo
MUNICIPIO DE SAO MIGUEL
Advogado(s):

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSÃO DE BOLSAS ESTUDANTIS A ALUNOS FORA DA EDUCAÇÃO INFANTIL PELO MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL. POSSIBILIDADE. CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO. ATUAÇÃO PRIORITÁRIA, E NÃO EXCLUSIVA, DOS MUNICÍPIOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL. ART. 211, § 2º DA CF. COMPETÊNCIA COMUM DOS ENTES FEDERATIVOS. ART. 23, V, 29, IX E 30, I E II DA CF. PRECEDENTE DESTA CORTE EM SITUAÇÃO ANÁLOGA, REFERENDADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Terceira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à remessa necessária, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário de sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de São Miguel nos autos de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Estadual em desfavor do Município de São Miguel.

A sentença (Id. 12633811) em análise julgou improcedente a pretensão ministerial, ao fundamento de ausência de “argumentos ou provas que anunciem a inconstitucionalidade da lei 18/2013, oriunda do município de São Miguel”.

Intimadas, as partes deixaram transcorrer in albis o prazo para apresentação de recurso.

Parecer ofertado pela 13ª Procuradoria de Justiça, pelo conhecimento e desprovimento da Remessa Necessária (Id. 14022553).

É o relatório.

VOTO


Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da Remessa Necessária.


O cerne da Remessa é a regularidade da concessão de bolsas de estudo ofertada pelo Município de São Miguel aos alunos que estejam regularmente matriculados em cursinho preparatório para ingresso na Universidade e Ensino Superior, de acordo com o dispositivo impugnado, Lei Municipal nº 18/2013.


No caso dos autos, tem-se que o programa de concessão de bolsas estudantis pelo Município de São Miguel possui amparo na Lei Municipal nº 18/2013 (Id. nº 12633805 – 16 a 18), cujos principais dispositivos seguem transcritos:


“Art. 1º Fica criado o Programa Municipal de Bolsa de Estudo, que tem por objetivo a concessão de bolsa de auxílio nanceiro para estudantes que estejam regularmente matriculados em cursinho preparatório para ingresso na Universidade e Ensino Superior, em instituições pública ou privada reconhecidas pelo Ministério da Educação e não sediadas no Município.

[...]

Art. 7º - O Município disponibilizará 100 bolsas de estudo, no valor de R$ 100,00 (cem reais) para os alunos selecionados conforme critérios pré-estabelecidos.

§ 1º - A ajuda de custo mencionada no artigo anterior será repassada mensalmente com exceção do período de férias.

§ 2º - O benefício tem validade de um ano, podendo ser renovado a cada início do ano letivo.”


Possui como objetivo auxiliar financeiramente os alunos matriculados em estabelecimento de ensino situado fora do seu limite territorial, e que estejam matriculados em cursinhos preparatórios para ingresso na Universidade e Ensino Superior; ou seja, ato devidamente acobertado pelo determinado na Constituição Federal em seu Art. 23, V, vejamos:


“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;” (Destaques Nossos)


Temos, ainda, de acordo com a Constituição Federal no Art. 211, §2º, que os Municípios atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e educação infantil, possuindo a obrigatoriedade de assegurar em creches e pré-escola todas as crianças até cinco anos de idade.


Ocorre que, não obstante haver no dispositivo supratranscrito, certa restrição na concessão de bolsas para o ensino fundamental e médio, o Município não esta restrito somente a esses níveis educacionais, pois sua atuação não é exclusiva, visto que na organização dos sistemas de ensino há uma colaboração entre os entes da federação.


Assim já entendeu essa Corte de Justiça, em situação análoga (ADI 2014.023541-7), sobre a possibilidade de concessão do benefício também aos estudantes em preparação de nível superior, dada a ausência de vedação expressa neste sentido, e interpretação sistemática da constituição, vejamos:


EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADI PROPOSTA EM FACE DA LEI 257/2008 DO MUNICÍPIO DE NATAL, INSTITUIDORA DO PROEDUC - PROGRAMA DE INCENTIVO À EDUCAÇÃO UNIVERSITÁRIA. VÍCIO MATERIAL, POR VIOLAÇÃO AO ART. 138, §1º, DA CE (DEVER DOS MUNICÍPIOS DE ATUAREM PRIORITARIAMENTE NO ENSINO FUNDAMENTAL E PRÉ-ESCOLAR). INOCORRÊNCIA. CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO, EM CUJO ÂMBITO NÃO SE DISCUTE MATÉRIA DE ÍNDOLE SUBJETIVA, MAS, TÃO SÓ, A VALIDADE DA LEI EM TESE PARA GARANTIR A ORDEM CONSTITUCIONAL. DEVER DE AGIR APRIORÍSTICO, PORÉM NÃO EXCLUSIVO, SEM ESVAZIAR, POR COMPLETO, A POSSIBILIDADE DE ESTÍMULO AO ACESSO NO ENSINO SUPERIOR, A DESPEITO DA PRECARIEDADE DA EDUCAÇÃO BÁSICA NA CAPITAL. COMPETÊNCIA COMUM DE ATUAÇÃO DOS ENTES FEDERADOS OBJETIVANDO PROPORCIONAR A EDUCAÇÃO COMO UM TODO. USURPAÇÃO LEGISLATIVA SUPLEMENTAR QUE NÃO SE ALCANÇA (ART. 24, DA CE), BEM ASSIM OFENSA A EVENTUAL RESTRIÇÃO IMPOSTA PELA LDB (LEI 9.394/96). EXAME IN ABSTRACTO DO ATO REALIZADO, ESPECIFICAMENTE, À LUZ DO TEXTO CONSTITUCIONAL. SUBJETIVIDADE DA TEMÁTICA INVOCADA PELO ÓRGÃO MINISTERIAL NÃO SUSCETÍVEL DE ANÁLISE POR VIA DO CONTROLE CONCENTRADO, SENÃO EM DEMANDAS DE NATUREZA CONCRETA, ONDE PODER-SE-Á GARANTIR O MELHOR DIRECIONAMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. INCONSTITUCIONALIDADE NÃO VISLUMBRADA. PRECEDENTES DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL. IMPROCEDÊNCIA DA ADI. (TJRN. ADI 2014.023541-7. Tribunal Pleno. Relator: Desembargador Saraiva Sobrinho. Publicado em 28/06/2015). (Destaques acrescentados)


Quando o constituinte derivado, seguindo a linha da CF, atribuiu aos Municípios o dever de atuar "prioritariamente no ensino fundamental e pré-escolar" não retirou, penso, por completo, a possibilidade de o Ente Municipal incentivar o acesso dos alunos ao ensino terciário, deveras no próprio dispositivo não se empregou o advérbio "exclusivamente".


Como bem leciona a Professora da USP Nina Ranieri, "o ponto de partida é a competência comum, para, a partir de tal atribuição, indicar-se a atuação prioritária, não exclusiva, dos entes federados, com relação aos níveis de ensino (...) O regime de colaboração é salientado no art. 211, §4º, da CR/88 ..." (RANIERI, Nina Beatriz. Educação Superior, Direito e Estado na Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96). São Paulo: Edusp, Fapesp, 2000).(...) Daí sobressai a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para proporcionar "os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência" (art. 23, V, da CF, reproduzido no art. 9º, V, da CE), sendo legítima a atuação no terceiro grau de ensino por quaisquer das entidades federadas, em regime de colaboração, embora tal incumbência, à vista pequena, caiba à União Federal.


A propósito, a decisão acima mencionada (TJRN. ADI 2014.023541-7. Tribunal Pleno. Relator: Desembargador Saraiva Sobrinho. Publicado em 28/06/2015), foi submetida ao Supremo Tribunal Federal, em face de interposição de RE 964660, cuja conclusão foi referendada pelo Ministro Edson Fachim, nos seguintes termos:


“(...) O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do que assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal. Entender de modo diverso demandaria a reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível portanto, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. Agravo regimental conhecido e não provido.” (ARE 879204 AgR, Relatora Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 14.05.2015)


Ademais, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, em tema análogo, acerca da competência legislativa municipal para legislar sobre a concessão de bolsas de estudo:


“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL. CONCESSÃO DE BOLSAS DE ESTUDO A PROFESSORES. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE (ART. 24, IX, DA CRFB/88). COMPREENSÃO AXIOLÓGICA E PLURALISTA DO FEDERALISMO BRASILEIRO (ART. 1º, V, DA CRFB/88). NECESSIDADE DE PRESTIGIAR INICIATIVAS NORMATIVAS REGIONAIS E LOCAIS SEMPRE QUE NÃO HOUVER EXPRESSA E CATEGÓRICA INTERDIÇÃO CONSTITUCIONAL. EXERCÍCIO REGULAR DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PELO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. INSTITUIÇÃO UNILATERAL DE BENEFÍCIO FISCAL RELATIVO AO ICMS. EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE PRÉVIO CONVÊNIO INTERESTADUAL (ART. 155, § 2º, XII, ‘g’, da...

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