Acórdão Nº 01004052720178200160 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Terceira Câmara Cível, 31-03-2020

Data de Julgamento31 Março 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo01004052720178200160
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0100405-27.2017.8.20.0160
Polo ativo
MANOEL JERONIMO DA COSTA
Advogado(s): JOAO PAULO DE OLIVEIRA FREIRE
Polo passivo
ANTONIO SANTIAGO DA COSTA e outros
Advogado(s): LUIZ GONZAGA GONDIM JUNIOR, FELIPE DE MEDEIROS SILVA

Apelação Cível nº 0100405-27.2017.8.20.0160

EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE CONEXA A AÇÃO DE USUCAPIÃO. 1 – PREJUDICIAL DE NULIDADE PROCESSUAL DA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE POR CARÊNCIA DE AÇÃO. LEGITIMIDADE E INTERESSE DE HERDEIRO PARA DEFENDER O ACERVO HEREDITÁRIO. DEFESA DA POSSE A TÍTULO DE DOMÍNIO QUE NÃO IMPLICA EM NULIDADE PROCESSUAL. MATÉRIA AFEITA AO MÉRITO DA DEMANDA. PREJUDICIAL NÃO ACOLHIDA. 2 – ANÁLISE DO MÉRITO PROPRIAMENTE DITO DO RECURSO. IMÓVEL URBANO OBJETO DE HERANÇA. OCUPAÇÃO POR TERCEIRO. ESBULHO POSSESSÓRIO NÃO IDENTIFICADO. VENDA DA POSSE REALIZADA POR UM DOS HERDEIROS E SEM O CONHECIMENTO DOS DEMAIS. MÃ-FÉ DO COMPRADOR NA AQUISIÇÃO NÃO COMPROVADA. FRUTOS DA VENDA NÃO PARTILHADA ENTRE DEMAIS SUCESSORES. SITUAÇÃO ALHEIA A RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE QUE PAGOU PELA POSSE DIRETA DO BEM. OCUPAÇÃO COM ÂNIMO DE DONO, DE FORMA CONTÍNUA E ININTERRUPTA HÁ MAIS DE 10 ANOS. EXPLORAÇÃO COMERCIAL EVIDENCIADA. AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO PELA MODALIDADE DA USUCAPIÃO PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO Art. 1.238 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Acordam aos Desembargadores da 3ª Câmara Cível, à unanimidade, sem opinamento do Ministério Público, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.


RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível movida por MANOEL JERÔNIMO DA COSTA em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Upanema que, nos autos da ação de usucapião nº 0100405-27.2017.8.20.0106 conexa a ação de reintegração de posse nº 0100321-26.2017.8.20.0160, nas quais contende com o ESPÓLIO DE ANTÔNIO EDILSON DA COSTA e OUTROS, julgou improcedentes os pedidos da ação de usucapião e procedentes os pedidos da ação possessória, determinando, após o trânsito em julgado, a emissão do mandado de reintegração de posse, condenando-os, igualmente nas custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, permanecendo a cobrança suspensa dada a gratuidade da justiça concedida às partes.

Recorre MANOEL JERÔNIMO DA COSTA dessa sentença, alegando, em suma:

1 – carência de ação, eis que a defesa da posse é feita a título de domínio, todavia, jamais os herdeiros tiveram poder sobre o imóvel e reconheceram, em audiência de instrução, que o terreno lhe foi doado e que a ocupação se dá a título de exploração há 27 anos;

2 - preencheu os requisitos da usucapião do imóvel que é um armazém com extensão de 25 metros de fundo e 6 metros de frente, numa área total de 150 metros quadrados, situado na zona urbana do Município de Upanema, registrado em nome do falecido irmão ANTÔNIO EDILSON DA COSTA;

Assim discorrendo, requer: (1) a concessão da gratuidade da justiça; (2) o acolhimento da preliminar de carência de ação retornando os autos à origem; (3)o provimento do apelo a fim de reformar a sentença declarando a aquisição do imóvel pela usucapião; (4)de forma alternativa a aplicação do art. 1.238 do CC para reconhecer a ocupação da terra pelo período de 13 anos;(5) não sendo suficientes as provas orais e documentais sobre a utilização do bem para comércio que seja anulada a sentença e determinada uma inspeção social para averiguação do fato.

Nas contrarrazões, os apelados pugnam pelo desprovimento do apelo.

Sem opinamento do Ministério Público.

É o relatório.

VOTO

De início ressalto que a gratuidade da justiça já foi concedida na origem ao recorrente, benefício que o acompanha em todas as instâncias.

Assim, presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

1 – PREJUDICIAL DE NULIDADE PROCESSUAL POR CARÊNCIA DE AÇÃO.

Quanto à nulidade processual, por carência de ação, esta não se observa na medida em que ao herdeiro é conferida legitimidade e reconhecido o interesse para figurar no polo ativo de ação possessória com o objetivo de obter um provimento judicial útil que resguarde a posse de bem que integra o acervo hereditário.

Eventual defesa da posse com base no domínio não implica em nulidade processual, tratando-se de matéria afeita ao mérito da demanda possessória.

Ausente à nulidade processual arguida, rejeito a prejudicial de mérito.

2 – ANÁLISE DO MÉRITO PROPRIAMENTE DITO DO RECURSO.

MANOEL JERÔNIMO DA COSTA insiste que usucapiu o imóvel com extensão de 25 metros de fundo e 6 metros de frente, numa área total de 150 metros quadrados, situado na zona urbana do Município de Upanema, registrado em nome do falecido irmão ANTÔNIO EDILSON DA COSTA.

Razões lhe assistem.

Notadamente, inexiste escritura pública ou particular, nos termos do art. 1.168 do CC/1916, art. 541 do Código Civil/2002, que albergue a alegação do apelante de que o bem veio a seu poder por intermédio de doação feita por seu falecido irmão.

Apura-se que o tempo da posse exercida pelo recorrente MANOEL JERÔNIMO DA COSTA de 1989 até 2006, deu-se por liberalidade, quer seja por parte de seu irmão ANTÔNIO EDILSON DA COSTA, quando em vida, quer seja pelos sucessores deste.

A posse exercida, por mero consentimento, jamais evoluirá para posse ad usucapionem, por se tratar o ocupante de um mero fâmulo, um detentor, sendo desnecessário o argumento de que os herdeiros jamais exerceram a posse direta, eis que o armazém, até o falecimento de EDILSON DA COSTA em 13/03/2004 estava sendo utilizado, conservado e vigiado, pelo recorrente, mas em nome do proprietário. Com a morte deste em 2004, pelo princípio da saisine (art. 1.784 do CC), a posse passou aos herdeiros e permaneceu sendo conservada em nome destes até 2006.

Sucede que essa situação se modificou, ocorrendo a inversão do ânimo de dono em 2006, quando o herdeiro mais velho, CLAY REGAZONNI DE AQUINO COSTA, vendeu, ao recorrente, a posse desse imóvel pelo valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), sob a alegação de que necessitava de valor para custeio de transplante da herdeira SAMIRA ROCHELY DE AQUINO COSTA.

A ocorrência dessa cirurgia é inequívoca, assim como a entrega do valor de R$ 50.000,00, mas THIAGO HENRIQUE DE AQUINO COSTA, em audiência de instrução e julgamento, afirmou que demais herdeiros não sabiam da venda posse feita pelo herdeiro mais velho e tanto THIAGO quanto SAMIRA ROCHELY DE AQUINO COSTA, indicada como a beneficiária da quantia, negaram que o valor foi revertido em prol do procedimento ou de qualquer outro herdeiro.

Sucede que nenhuma prova há de que MANOEL JERÔNIMO DA COSTA agiu de má-fé e que tinha conhecimento inequívoco de que CLAY REGAZONNI DE AQUINO COSTA estava lhe vendendo a posse sem o conhecimento dos demais herdeiros ou que o valor da venda não teria o destino anunciado.

Nenhuma responsabilidade recai sobre o usucapiente se CLAY REGAZONNI DE AQUINO COSTA não realizou a partilha do valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) que recebeu entre demais herdeiros.

Como é cediço, a má-fé não se presume, devendo estar provada nos autos, o que não ocorre na hipótese.

Até então, a compra da posse permanece válida pois “Se o parágrafo único do art. 1.827 do Código Civil reconhece como eficaz a alienação onerosa realizada pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé, mais lógico ainda é reconhecer a legitimidade da alienação realizada por herdeiros legítimos a terceiro de boa-fé” (TJ-PB – AC 00009843420168150000, 1ª Câmara Especializada Cível, Relator Aluízio Bezerra Filho, julgado em 28/03/2017)

Do contexto das provas se apura que a ocupação do imóvel permaneceu mansa, tranquila e ininterrupta até agosto de 2017 quando o herdeiro THIAGO HENRIQUE DE AQUINO COSTA procurou MANOEL JERÔNIMO DA COSTA para desocupá-lo.

A recusa da desocupação motivada pelo pagamento da posse implicou no ajuizamento da ação de Reintegração de Posse no dia 28/08/2017 por THIAGO HENRIQUE DE AQUINO COSTA e outra, seguida da ação de Usucapião nº 0100405-27.2017.8.20.0160 movida por MANOEL JERÔNIMO DA COSTA no dia 23/10/2017.

Julgadas as demandas, o Juízo decidiu não estar provado o lapso temporal de 15 anos de posse passível da usucapião extraordinária, tão pouco demonstrada à moradia no imóvel ou a realização de obras ou serviços de caráter produtivo que autorizasse a redução do prazo de ocupação para 10 (dez) anos.

Todavia, não comungo com o entendimento do julgador, havendo provas bastantes da exploração do imóvel pelo usucapiente pelo tempo necessário à aquisição de seu domínio.

De fato, a inversão do ânimo de dono ocorreu em 2006, e a ação de reintegração de posse foi ajuizada em 28/08/2017, ou seja, quando a posse já contava com 11 anos, aplicando-se o disposto no parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil, o qual reduz de 15 para 10 anos o prazo da aquisição do bem pela usucapião extraordinária. Vejamos:

“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Quanto à exigência da norma para que o usucapiente tenha se “estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.“, este está demonstrado nos autos.

As testemunhas e os dois únicos herdeiros que contestaram a ação de usucapião consignaram que o bem é explorado pelo comércio.

A prova documental demonstra que, desde longa data, o apelante MANOEL JERÔNIMO DA COSTA é quem paga...

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