Acórdão Nº 01004319420178200137 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 27-05-2022

Data de Julgamento27 Maio 2022
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo01004319420178200137
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0100431-94.2017.8.20.0137
Polo ativo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s): JOSE GILSON DE OLIVEIRA
Polo passivo
MPRN - PROMOTORIA CAMPO GRANDE
Advogado(s):

Apelação Criminal nº 0100431-94.2017.8.20.0137

Origem: Vara Única da Comarca de Campo Grande

Apelante: Francisco Almeida de Mendonça

Advogado: José Gilson de Oliveira

Apelado: Ministério Público

Relator: Desembargador Saraiva Sobrinho

EMENTA: PENAL. APCRIM. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR, SEM CNH E COM OMISSÃO DE SOCORRO (ART. 302, §1º, I E III DA LEI 9.503/97). ÉDITO CONDENATÓRIO. ROGO ABSOLUTÓRIO POR AUSÊNCIA DE PROVA. AUTORIA E MATERIALIDADE BEM DEMONSTRADAS A PARTIR DE FOTOGRAFIAS, LAUDO DE EXAME NECROSCÓPICO, TESTEMUNHOS E EXPEDIENTES POLICIAIS. TESE IMPRÓSPERA. EXCESSO NA DOSIMETRIA. REPRIMENDA EXASPERADA NA TERCEIRA FASE. APENADO COM CNH VENCIDA E SEM PRESTAR SOCORRO A VÍTIMA. PREMISSAS OBSERVADAS A PARTIR DE DADOS CONCRETOS EXTRAÍDOS DOS AUTOS. INCREMENTOS DEVIDOS. DESCABIMENTO. DECISUM MANTIDO. PRECEDENTES. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos e em consonância com a 2ª Procuradoria de Justiça, conhecer e desprover o Recurso, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

1. Apelação interposta por Francisco Almeida de Mendonça em face da sentença do Juiz de Campo Grande, o qual na AP 0100431-94.2017.8.20.0137, onde se acha incurso no art. 302, §1º, I e III da Lei 9.503/97 (homicídio culposo na direção de veículo automotor, sem possuir CNH e em omissão de socorro), lhe imputou 03 (três) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de detenção, em regime aberto, substituída por medidas restritivas de direito, além de suspender o direito de dirigir veículo automotor por igual período (ID 13683016).

2. Segundo a Denúncia, "... a pessoa de KLISMANN GOMES DA SILVA, aos 10 de outubro de 2015, por volta das 18h10min foi vítima de acidente de trânsito, tendo sido socorrido para a Unidade Hospital desta Urbe e sendo transferido para o Hospital Regional Tarcísio Maia, Mossoró/RN, porém, não resistiu aos ferimentos, vindo infelizmente a óbito ..." (ID 13682974).

3. Sustenta, em resumo:

3.1) ausência de prova da autoria; e

3.2) subsidiariamente, excesso na dosimetria (ID 13683373).

4. Contrarrazões (ID 13683378).

5. Parecer pelo desprovimento (ID 13779134).

6. É o relatório.

7. Feito sem revisor.

VOTO

8. Conheço do Apelo.

9. No mais, não merece acolhimento.

10. Com efeito, malgrado a sustentativa de falta de prova da autoria (subitem 3.1), após revolver o enredo probatório não vejo como acatar o intento.

11. No particular, a materialidade se acha disposta nas fotografias do local do acidente, testemunhos colhidos e expedientes policiais, além do laudo de exame necroscópico.

12. Por sua vez, a autoria é induvidosa, mormente ao conjugar os itens supra nominados com a oitiva do próprio Apenado e sua companheira, em especial ao descreverem o sentido do deslocamento dos veículos e a conversão aplicada pelo ora Recorrente.

13. Nesta alheta, é bastante elucidativa a exegese do Juiz a quo ao arrematar a quaestio:

... A materialidade do delito está assentada nos autos, não pairando dúvidas quanto ao evento delituoso, conforme se depreende do Laudo de Exame Necroscópico, id 63951524 - f. 28/29 - em que consta que a morte da vítima KLISNMANN GOMES DA SILVA ocorreu por choque hipovolêmico devido a lesões de vasos ilíacos, devido a acidente de trânsito.

...

Passando ao exame da autoria, tenho que esta também restou demonstrada, de forma a inexistir qualquer dúvida acerca da prática, pelo acusado, da conduta delituosa de homicídio culposo na direção de veículo automotor, apesar deste se eximir da culpa.

O declarante ANTÔNIO HELITON GOMES, pai da vítima, disse em Juízo que:

(Id 75078189)

Vídeo - 6’40”

(…) na verdade a vez era dele (vítima) passar, não era do outro entrar; ai quando cuidou ele já estava no chão.

JUIZ DE DIREITO: Sr. Antônio, seu vinha de onde?

DECLARANTE: vinha de Janduís para Campo Grande, na BR 226; e na entrada do contorno, o cara (denunciado) entrou e bateu; meu filho só me disse que quando cuidou já estava no chão ...”. (negritei).

14. Em seguida, o sentenciante aprofunda os relatos em sede de AIJ:

... A declarante Liduina Peixoto da Silva informou em Juízo:

(id 75078200, vídeo 1’10”)

... vinha no veículo com o denunciado; ... foram almoçar em Apodi e passamos na sorveteria em Campo Grande; e já era mais de 18 horas, ai retornamos para Assu, e quando íamos fazer o retorno no sentido Triunfo Potiguar/RN e inesperadamente agente se deparou com a moto quando estava praticamente em cima do carro; como já tava escuro, não vimos a moto que estava com o farol apagado; ai assim que o carro parou e a moto bateu de frente; e a moto vinha em alta velocidade; ai quando desci prestei socorro e assistência, pois sou profissional da área de saúde; a vítima pediu para tirar o capacete; e Francisco Almeida - denunciado foi chamar a ambulância.

(...)

Em seu depoimento no Juízo (id75078200), o acusado confirmou que dirigia de Campo Grande e contornou para Triunfo Potiguar/RN; e a vítima o surpreendeu vindo de Janduís/RN, com o farol apagado e causou o acidente. Ainda do depoimento do acusado em Juízo tem-se:

(ID 75078201)

vídeo 00’40”

JUIZ DE DIREITO: O senhor para fazer a conversão da pista, o senhor foi para o acostamento ou fez essa conversão direto?

ACUSADO: não doutor, eu entrei na minha mão normal; eu não fui para o acostamento; não vinha carro; não vinha nada; ele vinha de luz apagada;

JUIZ DE DIREITO: O senhor estava com a CNH vencida?

ACUSADO: sim;

JUIZ DE DIREITO: O senhor usava esse óculos?

ACUSADO: não; mas eu vejo bem para longe, vejo ótimo;

...

Como não bastasse dirigir com habilitação vencida (de forma ilegal), o acusado não observou, no momento da manobra, que o veículo da vítima trafegava na faixa contrária. Da transcrição dos depoimentos acima, dessume-se que o réu incorreu em culpa, ao agir imprudentemente na direção do veículo automotor.

Mesmo assim, porque estamos no terreno da culpa, a conduta do acusado não seria suficiente para caracterizar o delito, se não tivesse gerado resultado. É que, tal conduta sem resultado seria fato penalmente impunível.

Ocorre que, no caso dos autos, o acusado com sua atitude deixou de cumprir as normas de trânsito, o que acabou por produzir o evento morte da vítima KLISNMANN GOMES DA SILVA, numa demonstração inequívoca de imprudência ...

Todos essas infrações de trânsito implicam no reconhecimento da culpa do acusado pelo evento danoso. E muito embora se esteja falando da imprevisão do resultado, o acusado não poderia deixar de prever a imensa possibilidade de ocorrer um acidente gravoso, como de fato ocorreu.

Ora, se tivesse conduzido o veículo para o acostamento, observado com calma a via (BR movimentada) e só realizado a manobra para a outra pista com a devida segurança, teria evitado o trágico acidente.

Ademais, o próprio croqui da dinâmica do acidente - id 63951524, pág. 16, confirmado pelo próprio acusado, deixa claro que este não agiu com o devido cuidado que se exige na condução de veículo, uma vez que na BR226, local da manobra (mudança de uma via para outra) tinha acostamento (como é de conhecimento público) para o denunciado parar, embora não o tenha feito ...”.

15. Logo adiante, Sua Excelência ponderou a exculpatória do Indigitado, acerca da condução da motocicleta com os faróis supostamente apagados:

... Além do mais, mesmo admitindo a contribuição da vítima que não restou provado nos autos, isto é, que trafegava com farol apagado, tal fato não exime o acusado de sua responsabilidade, já que o Direito Penal não admite compensação de culpas, devendo cada um ser responsabilizado pela sua conduta. Somente a culpa exclusiva da vítima retiraria sua culpabilidade, o que, como visto, não ocorreu.

Nesse sentido ensina César Roberto Bitencourt: "Eventual culpa da vítima não exclui a do agente; elas não se compensam. As culpas recíprocas do ofensor e do ofendido não se extinguem. A teoria da equivalência dos antecedentes causais, adotadas pelo nosso Código Penal, não autoriza outro entendimento". (Manual de Direito Penal. V. 1, SP, Saraiva, p. 231 6ª Edição) ...”. (destaquei).

16. Em suma, todas as vertentes levam a demonstrar o zelo do Magistrado de origem ao apurar a responsabilidade do Indigitado, maiormentemente ao esvaziar a versão justificativa do causador do fato.

17. Daí, não se concebe a reforma do tema de fundo.

18. Por derradeiro, como almeja a redução da reprimenda, atento para as únicas variáveis empregadas no édito, especificamente dos incisos I e III do at. 302 do CTB, haja vista não possuir CNH e deixar de prestar socorro ao injuriado, tudo concretizado no feito com bastante verossimilhança, conforme pontuou a PJ nesta Instância:

“... Analisando-se a sentença condenatória, vê-se que a pena do acusado se afastou do mínimo legal apenas na terceira fase da dosimetria da pena, com a incidência das causas de aumento previstas no art. 302, §1º, I e III, da Lei nº 9.503/97 - Código de Trânsito Brasileiro, consubstanciadas, respectivamente, no fato de o autor não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação e de ter deixado de prestar socorro.

Com relação à primeira, trata-se, na hipótese dos autos, de fato incontroverso, haja vista que o acusado, consoante informado em seu próprio interrogatório, estava, no dia dos fatos, com a carteira de habilitação vencida desde 2012 - ou seja, há cerca de 3 anos.

No que concerne à ausência de prestação de socorro por parte do recorrente, observa-se que o depoimento de Edmara Almeida da Conceição, que chegou ao local dos fatos logo a pós o ocorrido, tendo permanecido na companhia da vítima por mais de 1h, inclusive o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT