Acórdão Nº 01004812120158200128 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 16-06-2023

Data de Julgamento16 Junho 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo01004812120158200128
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0100481-21.2015.8.20.0128
Polo ativo
MARCIA PEREIRA DA SILVA
Advogado(s): MARCOS ANTONIO INACIO DA SILVA, AGNALDO DA SILVA GOMES
Polo passivo
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):

EMENTA: DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. EXAME DE HIV. RESULTADO FALSO-POSITIVO. ERRO NO DIAGNÓSTICO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. APLICAÇÃO DO ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO. LAPSO TEMPORAL PARA REALIZAÇÃO DO SEGUNDO EXAME EM DESOBEDIÊNCIA ÀS ORIENTAÇÕES DA PORTARIA Nº 151/2008 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO, CONDUTA OMISSIVA E NEXO CAUSAL EVIDENCIADOS. DEVER DE INDENIZAR QUE SE IMPÕE. REPERCUSSÃO MORAL INEQUÍVOCA. MANUTENÇÃO DO MONTANTE INDENIZATÓRIO QUE SE IMPÕE, EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DOS RECURSOS.

1. Considera-se, pois, que a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, para sua caracterização é suficiente a demonstração de uma conduta, o dano suportado e o nexo causal entre conduta e dano.

2. A partir dos exames colacionados aos autos, vislumbra-se a inobservância do dever de cuidado do ente público para evitar o erro no resultado, eis que, em situações como essa, deve ser solicitada pelo menos uma segunda amostra de exame, nos termos da Portaria nº 151 do Ministério da Saúde, o que somente veio a ocorrer 04 (quatro) meses após o início do tratamento, de maneira que os danos experimentados pela autora podem ser facilmente vinculados à falha na prestação do serviço público.

3. Nesse contexto, é inegável o sofrimento, a dor e o desespero experimentados pela autora/apelada, considerando-se o tempo que foi submetida ao tratamento de maneira desnecessária e enquanto estava grávida.

4. Precedente do TJRN (Apelação Cível nº 0000858-78.2010.8.20.0121, Dr. Diego de Almeida Cabral substituindo Des. Vivaldo Pinheiro, Terceira Câmara Cível, assinado em 17/02/2022).

5. Conhecimento e desprovimento dos recursos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas.

Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por unanimidade de votos, conhecer e negar provimento aos recursos, mantendo a sentença inalterada em todos os fundamentos, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.

RELATÓRIO

1. Trata-se de apelações cíveis interpostas por ambas as partes em face da sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Santo Antônio/RN (Id 16502706), que, nos autos da Ação Indenizatória por Danos Morais (Proc. nº 0100481-21.2015.8.20.0128) ajuizada por MARCIA PEREIRA DA SILVA em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, julgou procedente a pretensão autoral no sentido de condenar o ente público a indenizar a autora no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), acrescido de juros e correção monetária.

2. No mesmo dispositivo, condenou o demandado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação.

3. Em suas razões recursais (Id 16502709), a autora/apelante pugnou pelo provimento do recurso com a reforma da sentença, a fim de que seja majorado o importe arbitrado a título de danos morais.

4. O ente público apelante, por sua vez, requereu o conhecimento e provimento do apelo para julgar totalmente improcedente a pretensão inicial, sustentando a ausência de falha na prestação do serviço, bem como a impossibilidade de condenação em danos morais. Em caso de entendimento em sentido contrário, pediu pela redução dos danos morais (Id 16502714).

5. Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (Id 19227602).

6. Com vista dos autos, Dr. Arly de Brito Maia, Décimo Sexto Procurador de Justiça, declinou de sua intervenção no feito por não restar evidenciada a necessidade de manifestação ministerial (Id 16735066).

7. É o relatório.

VOTO

8. Conheço do apelo.

9. Insurge-se o ente público apelante face à sentença que o condenou ao pagamento de indenização por danos morais, em virtude de suposta negligência cometida pelos funcionários do Laboratório Central de Saúde Pública estadual, enquanto a autora busca a majoração do quantum arbitrado.

10. Acerca do caso, constata-se, através das provas colacionadas aos autos, que o laudo médico dos exames realizados na autora/apelante atestou diagnóstico de soro falso positivo para o vírus do HIV enquanto estava grávida, necessitando, dessa maneira, ser submetida a diversos tratamentos médicos para controlar a doença ainda durante o período gestacional.

11. Decerto que a responsabilidade da Administração Pública está disciplinada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, cuja redação é a seguinte:

"As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

12. Sobre o tema, este é o entendimento do mestre HELY LOPES MEIRELES, conforme excerto extraído de sua consagrada obra Direito Administrativo Brasileiro, 36ª edição, editora Malheiros, 2010, p. 686 e 691:

"O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão.

[...]

Para obter a indenização, basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (omissivo ou comissivo) e o dano, bem como seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se dessa obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o 'quantum' da indenização."

13. Considera-se, pois, que a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, para sua caracterização é suficiente a demonstração de uma conduta, o dano suportado e o nexo causal entre conduta e dano.

14. A partir dos exames colacionados aos autos, vislumbra-se a inobservância do dever de cuidado do ente público para evitar o erro no resultado, eis que, em situações como essa, deve ser solicitada pelo menos uma segunda amostra de exame, nos termos da Portaria nº 151 do Ministério da Saúde, o que somente veio a ocorrer 04 (quatro) meses após o início do tratamento, de maneira que os danos experimentados pela autora podem ser facilmente vinculados à falha na prestação do serviço público.

15. Registro, ainda, a conclusão da sentença monocrática (Id 16502706):

Ressalta-se que a genitora estava grávida quando recebeu o resultado positivo para o vírus, o que fez com que o nascituro, também, fosse submetido aos tratamentos médicos com o intuito de evitar que a doença lhe fosse transmitida.
Assim, diante dos fatos narrados, não há dúvidas do abalo psíquico e emocional vivido pela autora decorrente do diagnóstico de soro positivo para HIV, doença grave que exige um tratamento longo com drogas fortes, tendo as testemunhas ouvidas em juízo ratificado os fatos declarados pela autora, em seu depoimento pessoal [...].”

16. Portanto, não há como se reconhecer a existência de causa de interrupção do nexo de causalidade, seja o caso fortuito ou a força maior, porquanto a falha na prestação do serviço público foi determinante para ocorrência dos danos experimentados pela parte autora.

17. Nesse contexto, é inegável o sofrimento, a dor e o desespero experimentados pela autora/apelada, considerando-se o tempo que foi submetida ao tratamento de maneira desnecessária e enquanto estava grávida.

18. Logo, mostra-se inviável afastar a conclusão da sentença, pois restou demonstrada a conduta, o nexo e o dano no presente caso, os quais reunidos ensejam a condenação do ente público pelo dano causado.

19. Em relação ao quantum indenizatório por danos morais, há que se utilizar dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que não existem critérios taxativos que fixem os parâmetros da indenização.

20. O certo é que tal valor deve servir às finalidades da reparação, mas deve conter a parcimônia necessária a fim de evitar que a quantia se desvirtue de seu destino, constituindo-se fonte de enriquecimento sem causa.

21. Em relação à fixação do valor da indenização pelos danos morais, Sílvio de Salvo Venosa (In: Direito Civil – Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Ed. Atlas, 2004, p. 269) explica que:

“[...] Qualquer indenização não pode ser tão mínima a ponto de nada reparar, nem tão grande a ponto de levar à penúria o ofensor, criando para o estado mais um problema social. Isso é mais perfeitamente válido no dano moral. Não pode igualmente a indenização ser instrumento de enriquecimento sem causa para a vítima; nem ser de tal forma insignificante ao ponto de ser irrelevante ao ofensor, como meio punitivo e educativo, uma vez que a indenização desse jaez tem também essa finalidade”.

22. In casu, entendo que deve ser mantido o valor a título de dano moral fixado na primeira instância, no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

23. Nesse sentido, é a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça:

EMENTA: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXAME DE HIV. RESULTADO FALSO-POSITIVO. ERRO NO DIAGNÓSTICO. CONTRAPROVA NEGATIVA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. APLICAÇÃO DO ART. 37, §6º DA...

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