Acórdão Nº 01005309620148200128 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 12-05-2022

Data de Julgamento12 Maio 2022
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo01005309620148200128
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0100530-96.2014.8.20.0128
Polo ativo
MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s): VALERIO DJALMA CAVALCANTI MARINHO, ISABEL HELENA MEIRA E SILVA CAVALCANTI MARINHO
Polo passivo
MPRN - PROMOTORIA SANTO ANTÔNIO
Advogado(s):

APELAÇÃO CRIMINAL nº 0100530-96.2014.8.20.0128

APELANTE: JOSÉ LOURENÇO DA SILVA

ADVOGADOS: VALÉRIO DJALMA CAVALCANTI MARINHO E OUTRA

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

RELATOR: DESEMBARGADOR SARAIVA SOBRINHO

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APCRIM. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 302, §1º, I, DA LEI 9.503/97 c/c ART. 70 DO CP). ROGO ABSOLUTÓRIO. ACERVO PROBANTE ASSAZ A DENOTAR MANIFESTA AUSÊNCIA DO DEVER DE CUIDADO. AUTOMÓVEL GUIADO NA CONTRAMÃO, POR PESSOA INABILITADA E EM ALTA VELOCIDADE. DECISUM MANTIDO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores integrantes da Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos e em consonância com a 4ª PJ, conhecer e desprover o Recurso, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

1. Apelação interposta por José Lourenço da Silva em face da sentença do Juiz de Santo Antônio, o qual, na AP 0100530-96.2014.8.20.0128, onde se acha incurso no art. 302, §1º, I do CTB c/c o art. 70 do CP, lhe imputou 03 anos, 06 meses e 20 dias de detenção em regime aberto, além da suspensão e/ou proibição de obter a permissão ou a habilitação para dirigir por 10 meses e 20 dias.

2. Segundo a Denúncia, “… no dia 11 de maio de 2014, por volta das 19h, na RN 317, sentido Brejinho/RN para Santo Antônio/RN, já nos limites desta comarca, o acusado José Lourenço da Silva, na condução de veículo automotor Corsa Sedan Premium, de placas KIV-7529/RN, veio a colidir com a motocicleta Honda/CG 125 Fan, de placas MZC-9628/RN, que trafegava em sentido contrário aquele, conduzido por José Nilton Silva Moreira em companhia de seu irmão, Elenilson Silva Moreira, causando, por imprudência a morte dos dois ocupantes da motocicleta …”.

3. Sustenta, em resumo, ter apenas desviado de um animal solto na estrada, quando terminou por atingir a motocicleta onde se achavam as vítimas (ID 70530617).

4. Pugna, ao fim, pelo conhecimento e provimento.

5. Contrarrazões apresentadas (ID 13713732).

6. Parecer pela manutenção do édito condenatório (ID 13808686).

7. É o relatório. Dispensada a revisão.

8. Embora verse sobre crime ocorrido em 2014, é curial registrar, a presente ApCrim só foi distribuída e encaminhada a este Gabinete em 22 de abril 2021, quando, na mesma data, foi despachada pelo Juiz Convocado Roberto Guedes (ID 9385791).

9. Importante frisar ainda que, com a ordem de intimação do Recorrente para os fins do o §4°, do art. 600 do CPP e do MP para contrarrazões, o feito veio concluso com manifestação da 4ª PJ apenas em 20 de abril último (ID 13808677).

VOTO

10. Conheço do Recurso.

11. No mais, deve ser desprovido.

12. Com efeito, malgrado se busque atribuir o móbil do delito à necessidade de desviar de um animal (jumento), as provas colacionadas apontam à realidade diversa.

13. Na hipótese, os depoimentos colhidos, tanto em inquérito como em juízo, são bastante esclarecedores, havendo de ser sublinhado, em primeira nota, a própria confissão do Apelante quanto à sua condição de inabilitado (ausência de CNH) e a de usuário de medicamentos controlados.

14. Aliás, embora cônscio desses impedimentos, também admitiu o Recorrente dirigir veículos há anos, demonstrando, outrossim, pleno e total descaso com a incolumidade física dos seus coestaduanos.

15. No ponto, digno de transcrição é o testemunho de Alif Marcílio da Silva:

“… presenciou o fato e não conhece o acusado; disse que não viu o acusado… soube que a vítima estava morta e chegou alguém do seu lado e perguntou o que aconteceu e eu disse Nito e Lenilson morreu, ai não prestei atenção que era ele… viu o acidente… pela velocidade que ele vinha, acha que ele vinha a 140 ou 150 KM, com farol alto, que deu luz pra ele baixar e não baixou, quando passou por ele… estava de carro e vinha com quatro pessoas… a vítima vinha atrás dele… o acusado vinha em sua frente, e cortou luz pra ele baixar os faróis, mas ele não baixou e vinha muito rápido e que se ele (testemunha) estivesse com a carrocinha ele tinha lhe atingido… pegou fino em sua traseira… antes de ultrapassar ele jogou pra mão da testemunha e ficou nas duas mãos, a traseira dele ficou na mão dele e a frente na contramão, foi quando atingiu a moto… não tinha jumento (o burro) não… a motocicleta estava na sua mão, em torno de 40 a 60 KM… na hora que bateu os dois voaram e pelo retrovisor ele viu só o vulto, inclusive escutou um grito na hora e os dois morreram na hora… um ficou do outro lado da cerca e o outro no pé da cerca… o impacto foi grande, a moto ficou igual uma folha toda amassada… ele (o acusado) perdeu o controle e pela velocidade pegou nas duas mãos, ele não saiu rodando, na hora que ele pegou aqui, ele saiu derrapando pra cima dos dois meninos, Nito e Lenilson…”.

16. Corroborando essa versão, pode-se ainda enumerar as oitivas de Antônio Vicente da Costa e João Maria Elpídio, sobretudo ao negarem, em termos absolutos, a existência de animal na pista.

17. Sobre a consistência desse acervo, o MP foi cirúrgico ao assinalar em sede de contrarrazões:

“… o apelante aduziu que não há provas de que ele tenha cometido os crimes ora apurados, uma vez que um animal solto na pista teria causado o acidente, não tendo como o réu evitar aquela colisão fatal. Sustentou que o evento fatal foi imprevisível e que teria atuado em suposto estado de necessidade… Todavia, da análise acurada das provas coligidas ao longo da instrução criminal, verifica-se que restou plenamente comprovada a prática dos crimes imputados ao réu, de modo que foi correta a sua condenação nas sanções contidas na sentença, como será novamente demonstrado dos elementos probatórios dos autos… Inicialmente, cabe destacar que o réu nunca possuiu Carteira Nacional de Habilitação, mas conduzia veículos automotores na comunidade há anos. Além disto, o apelante utiliza medicamentos controlados diariamente, mas dirige carros (desprovido de CNH), sem qualquer receio nesta Comarca (vide interrogatório do denunciado, em ID 67752478 - Pág. 14)…”.

18. Diante desse cenário, está satisfatoriamente provado haver o Recorrente, agindo em manifesta negligência/imprudência, ter provocado o óbito de José Nilton Silva Moreira e do seu irmão Elenilson Silva Moreira,

19. Daí, houve-se com inolvidável acerto o Sentenciante ao pontuar:

“… Pela prova dos autos, a materialidade e autoria delitivas restaram fartamente demonstradas, de forma a inexistir qualquer dúvida acerca da prática, pelo acusado, da conduta delituosa narrada na denúncia. Em relação à materialidade, destaca-se o Boletim de Ocorrência de Acidente de Trânsito e os Laudos de Exame Necroscópico, constantes do Inquérito Policial (em apenso) que dá conta das mortes das vítimas em acidente automobilístico. Ademais, a prova oral colhida em audiência também dá conta da autoria e materialidade delitiva… Apesar da declaração do réu de que havia um animal (jumento) na estrada, sendo a justificativa para o acidente, não há provas neste sentido, senão a afirmação do réu e das testemunhas por ele arroladas, e mesmo que existisse, é dever do mesmo, como motorista, prudência ao dirigir seu veículo automotor, já que estava trafegando à noite, em via sem acostamento e ainda dirigindo em alta velocidade, como foi constatado pelas testemunhas e admitido pelo próprio réu. Ressaltando-se ainda que tal fato, animal na pista, não afasta a culpa do réu que conduzia imprudentemente…” .

20. E, em linhas pospositivas, ao concluir:

“… A velocidade excessiva, no momento do fato, também é demonstrada pelo impacto de grande proporção entre os dois veículos, assumindo o próprio réu que perdeu o controle do carro, após o freio, fazendo-o rodopiar. Ademais, constata-se tal fato pelo grande estrago material ocorrido nos dois veículos, resultado de quem trafegava em grande velocidade. Nesse rumo, não há como afastar o fato de que o réu agiu de forma imprudente ao conduzir em alta velocidade, em estrada que não se permite tal excesso, perdendo o controle de seu veículo que invadiu a faixa contrária a sua e colidiu com a motocicleta das vítimas. Quando se fala na modalidade de culpa na espécie imprudência, podemos dizer que o agente praticou uma ação de forma precipitada e sem cautela. O agente toma sua atitude sem a cautela e zelo necessário que se esperava. Significa que sabe fazer a ação da forma correta, mas não toma o devido cuidado para que isso aconteça… De fato, o resultado (morte) decorreu da conduta do réu, que, dirigindo sem habilitação agiu com imprudência ao realizar manobra na faixa contrária ocasionando os óbitos de José Nilton Silva Moreira e Elenilson Silva Moreira… “.

21. Por derradeiro, é curial constar, mesmo se veraz resultasse a tese defensiva, a falta de cuidado do Recorrente é manifesta e, por conseguinte, alicerçaria o veredicto na modalidade culposa.

22. Destarte, em harmonia com a 4ª PJ, desprovejo o Recurso.

Natal, data assinatura eletrônica.

Desembargador SARAIVA SOBRINHO

Relator

Natal/RN, 12 de Maio de 2022.

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