Acórdão Nº 01007126420178200100 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Primeira Câmara Cível, 19-08-2020

Data de Julgamento19 Agosto 2020
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo01007126420178200100
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0100712-64.2017.8.20.0100
Polo ativo
JACKSON MARCAL DE AZEVEDO
Advogado(s): LUIZ ANTONIO MAGALHAES HOLANDA
Polo passivo
JOÃO ANDRADE DO NASCIMENTO e outros
Advogado(s): MARCOS ANTONIO INACIO DA SILVA, PAULO ROBERTO DE CARVALHO PINTO

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE PROVAS DO ESBULHO E DE POSSE ANTERIOR DO AUTOR SOBRE O IMÓVEL LITIGIOSO. ÔNUS DA PROVA DO AUTOR. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, I DO CPC. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 561 do CPC DO CPC. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. Na ação de reintegração de posse não basta a descrição da coisa possuída, ou a prova da propriedade, faz-se necessário provar a posse anterior do autor, o esbulho realizado pela parte ré e a consequente perda da posse, nos termos do artigo 561 do CPC.

2. Apelo conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao apelo, nos termos do voto do relator que integra este acórdão.


Trata-se de Apelação Cível interposta por Jackson Marçal de Azevedo em face de sentença proferida pelo Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Assú, que, nos autos da Ação de Reintegração de Posse, promovida em desfavor de João Andrade do Nascimento e outros, julgou improcedentes os pedidos autorais. E, ainda, condenou o apelante ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, arbitrados em 20% sobre o valor da causa.

Em suas razões, o apelante aduz que adquiriu o imóvel objeto da lide em 2013, e que desde então mantém a posse do bem, inclusive pagando encargos tributários e exercendo atividade pecuária no local.

Diz que há alguns meses vem sofrendo turbações no imóvel pelos apelados, que adentraram no imóvel e estão desmatando a área para produção de carvão vegetal.

Argumenta que o pleito de usucapião é descabido, uma vez que os apelados não tinham animus domini, mas uma mera detenção, mesmo que tivessem firmado uma “espécie de comodato rural” com a antiga proprietária como alegam.

Relata que a antiga proprietária afirmou que autorizou tão somente o Sr. Luiz Santana a criar alguns bois em seu terreno, de modo que os demais apelados teriam esbulhado o imóvel.

Afirma que declarada suspeita a testemunha Sr. Raimundo Amâncio, não devendo o seu depoimento ser levado em consideração, pois tem interesse no feito, já que também esbulhou o imóvel.

Defende que a exceção de Usucapião não se sustenta em relação aos apelados, e que todos eles possuem outros imóveis dos quais podem e tiram seu sustento.

Assevera que a sentença foi contraditória, uma vez que embora tenha rejeitado a exceção de usucapião, entendendo que os apelados possuíam somente permissão de uso do antigo proprietário, sem animus domini, julgou improcedente a pretensão de reintegração de posse.

Ao final, requer o conhecimento e provimento do apelo, reformando a sentença para julgar procedentes os pedidos iniciais.

O apelado apresentou as contrarrazões, pugnando, em suma, pelo desprovimento do recurso.

O Ministério Público, considerando a inexistência de interesse público, deixou de emitir opinião sobre a lide recursal.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cinge-se a análise do presente recurso, acerca da configuração ou não da posse sobre o imóvel indicado na exordial pela parte autora e a caracterização do alegado esbulho possessório, nos termos inicialmente narrados.

De início, cumpre mencionar, que a sentença vergastada rejeitou a exceção de usucapião arguida pelos apelados/demandados, de modo que, não tendo havido recurso pelos interessados, não se discutirá neste recurso sobre tal matéria.

Nos termos do art. 1.196 do Código Civil, a posse nada mais é do que o exercício de fato de um dos poderes inerentes à propriedade, ou seja, disposição, uso ou gozo. É, portanto, um fato jurídico, a possibilidade do possuidor de exercer fisicamente poder sobre a coisa possuída.

O esbulho, por sua vez, é a destituição, seja de que forma for, do possuidor da posse direta do bem, conforme dispõe o caput do 1.210 do CC.

A reintegração de posse é uma forma pela qual aquele possuidor que acabou sendo, sem um bom motivo, tirado de sua posse, ou seja, perdeu o ligação de possuidor em relação a coisa que possuía, caracterizando assim o esbulho, poderá reivindicar o seu direito a ter de volta a posse sobre a coisa (art. 560 do CPC).

Assim como as demais ações possessórias, a reintegratória tem como requisito para a sua admissibilidade, além dos previstos no artigo 319 do CPC, a prova da posse, o esbulho realizado pela parte ré, a data do esbulho e a consequente perda da posse, conforme preceitua o art. 561 do CPC. Vejamos a redação do referido artigo:

“Art. 561. Incumbe ao autor provar:

I - a sua posse;

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.”

Não basta, portanto, a descrição da coisa possuída, ou a prova do domínio, faz-se necessário provar que sobre esta, o autor exercia a posse anteriormente. Portanto, a comprovação da posse preexistente é condição sine qua non ao reconhecimento da pretensão possessória. Assim, a rejeição da exceção de usucapião arguida pelos demandados não implica em necessária procedência do pedido reintegratório, porque o cabe ao autor comprovar a sua posse preexistente sobre o bem.

Importante mencionar que em sede possessória não se discute o domínio, que deve ficar restrito ao âmbito da ação reivindicatória, salvo na hipótese da Súmula nº 487 do Supremo Tribunal Federal ("Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada").

Nesse sentido é a lição de Arnaldo Rizzardo:

"A lei considera a proteção possessória inteiramente independente e desligada da proteção da propriedade. Protege-se o possuidor, simplesmente porque é possuidor, situação que lhe assegura mais direitos que o não possuidor, sem, em princípio, firmar-se na força do domínio."

In casu, entendo que não restou demonstrado, pelas provas acostadas e nem pelos depoimentos colhidos na audiência de instrução, que o apelante de fato exercia antes a posse do imóvel em questão e nem que os apelados tenham cometido o esbulho sobre o mesmo, já que estes ocupam o bem há décadas, e o autor adquiriu o imóvel somente em 2013.

Importante mencionar que não prova a posse do apelante/autor sobre os imóveis, o fato de ter pago tributos concernentes ao imóvel, e nem o fato de, eventualmente, os apelados/demandados terem outros bens ou trabalharem em outras propriedades, até porque aqui não se está discutindo a exceção de usucapião, que já foi rejeitada pela juíza a quo.

Como bem ressaltado no seguinte trecho da sentença, que passa a integrar o presente como fundamentação:

"[...]

Analisando-se a documentação fornecida por ambas as partes, assim como a prova oral coligida em contraditório, percebe-se que os réus estão na posse de fração do terreno há décadas, mas somente em 2013 o autor adquiriu a propriedade e somente no ano de 2017 sustentou ter havido a turbação de sua posse.

Conforme depoimento da testemunha Luiz Bezerra de Melo, não apenas os réus, mas diversas pessoas encontram-se na posse do bem, que se encontra fracionado em pequenas porções divididas por cercas. Nas suas palavras, "cada um tem plantação dentro da sua terra"(01min51s), sendo "vizinho de Domingos (réu) e está na terra há mais de 30 anos" 03min04s), desconhecendo qualquer invasão para produção de carvão vegetal (02min17s). Afirma que, quando o autor comprou o imóvel, os réus já estavam no local (03min6s), assim como "os limites da cerca já existem faz tempo" e não tem conhecimento de que houve mudança nos mesmos (04min13s). Corroborando tais alegações, a testemunha Raimundo Amâncio aduziu que "os réus já estavam antes de Jackson chegar"(02min09s), "trabalhando lá e todo mundo tem cerca" (02min32s) e quem fez nova cerca foi o dono (autor).

Tais fatos foram amplamente demonstrados também pela documentação fornecida em sede de contestação, havendo prova nos autos de que os réus, há vários e reiterados anos, utilizam a área em litígio para a promoção da atividade rurícola (diversos documentos expedidos pela EMATER-RN, declarações prestadas pela Prefeitura de Carnaubais/RN, etc).

Em verdade, analisando-se os documentos que instruem a exordial, verifico que todos foram produzidos após declarações prestadas pelo próprio autor (boletim de ocorrência, declaração de testemunha junto ao Ministério Público Estadual, fls. 30, 34-35, 40, 44-62) e, portanto, unilaterais. Deve-se considerar, ao julgamento da lide, as provas produzidas sob o manto do contraditório e ampla defesa, sendo certo que somente suas declarações não são suficientes ao deslinde da questão.”

Assim, o apelante não se desincumbiu do ônus de comprovar qualquer dos requisitos constantes no art. 561, do CPC, nos termos do art. 373, I, do Código de Processo Civil, razão pela qual, agiu com acerto a Magistrada a quo ao julgar improcedente a pretensão autoral.

Neste sentido a jurisprudência desta Corte de Justiça Estadual:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO EM ACTIO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ESBULHO DESCARACTERIZADO POR AUSÊNCIA DE POSSE PRETÉRITA. ÔNUS DA PROVA DO AUTOR. NÃO DESINCUMBÊNCIA (ART. 333, I, CPC). DECISUM MANTIDO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.

- A posse provém de um poder de fato sobre a coisa e independe do título jurídico que a liga a seu possuidor. Na esteira do artigo 927 do CPC, a tutela possessória reintegratória pleiteada só é devida quando o requerente comprova a sua posse...

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