Acórdão Nº 01008037120158200118 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 22-06-2021

Data de Julgamento22 Junho 2021
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo01008037120158200118
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0100803-71.2015.8.20.0118
Polo ativo
SUELIA SUELI BEZERRA
Advogado(s): ANAIRAM CARLA DE LIMA
Polo passivo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
Advogado(s):

Apelação Criminal nº 0100803-71.2015.8.20.0118

Apelante: Sélia Sueli Bezerra

Advogado: Anairam Carla de Lima

Apelados: Ministério Público

Relator: Desembargador Saraiva Sobrinho

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APCRIM. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 14 DA LEI 10.826/03). ACERVO PROBANTE CONSTITUÍDO A PARTIR DO MALSINADO FLAGRANTE PREPARADO. INEXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS A EMBASAR A CONDENAÇÃO. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROCEDÊNCIA DA TESE ABSOLUTÓRIA. SENTENÇA REFORMADA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, em dissonância com a 4ª PJ, conhecer e prover o Apelo, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

1. Apelo interposto por Suélia Sueli Bezerra em face da Sentença do Juiz de Jucurutu, o qual na AP 0100803-71.2015.8.20.0118, onde se acha incursa no art. 14 da Lei 10.826/04, lhe imputou 02 (dois) anos de reclusão em regime inicialmente aberto, além de 10 (dez) dias-multa.

2. Segundo o MP, “… em 10 de novembro de 2015, por volta das 22h30m, na Rua Santa Terezinha, bairro Novo Horizonte, neste Município, a apelante portava e transportava em uma sacola, sem autorização e em desacordo com a determinação legal, um revólver, calibre 38, marca Rossi, com capacidade para cinco munições, descrito no Auto de Exibição e Apreensão constante dos autos …”.

3. No ID 9735132, sustenta, em resumo, ausência de acervo probante, porquanto as coligidas se mostram eivadas de nulidade.

4. Pugna, ao fim, pelo conhecimento e provimento do Recurso.

5. Contrarrazões apresentadas (ID 9735143)

6. Parecer pelo provimento parcial (ID 9760760).

7. É o relatório.

VOTO

8. Conheço do Recurso.

9. No mais, é de ser provido.

10. Ora, do constante dos autos, pode-se facilmente perceber que a prisão da Acusada revela exemplo clássico de flagrante preparado, tendo os Policiais responsáveis pelas diligências se apossado do aparelho celular de um dos detentos do CDP de Jucurutu, passando-se pelo seu titular para atrair a Apelante a determinado local, onde então receberiam a arma prometida.

11. A propósito, em juízo, admitiu o Policial João Maria Benedito da Silva:

“… Durante a revista a gente encontrou cerca, eu num lembro, eu acho que uns três celulares. Aí em um dos celulares a pessoa tava passando mensagem. Aí ela informou que, ela … a pessoa, a gente não sabia se era homem ou mulher no começo, aí disse eu tô aqui aonde tem dois carros. Aí nós imaginamos que seria dois carros pra fuga. Aí começamos a conversar com ela. Ela dizendo que ia entregar a mercadoria a gente, só que nós pensava que seria a chave dos carros ou alguma coisa assim e pelo que a gente imaginava, tipo a pessoa que fosse fugir não sabia onde era o local dos carros. Aí a gente combinou com ela de ir até o local para ela entregar a mercadoria. Aí ela disse mas como é que vocês vão vim, em que é que vocês vão vim. Aí eu disse o seguinte, nós vamos em um carro, para na rua, dá um toque de luz e você vem entregar a gente. Só que nós imaginava que seria as chaves dos carros. Aí a gente chegou na rua que ela disse, quando a gente deu o toque de luz ela veio até nós com uma sacola e entregou, que a gente olhou, era um revólver …”.

12. Diante desse cenário, donde se usou e abusou da ilicitude instrutória, não pode o édito vergastado sobreviver. Afinal, é nula a prova embriã como também são as que lhe sobrevieram, incidindo na espécie a famosa e propalada teria dos frutos da árvore envenenada.

13. Aliás, conquanto o MP insista na tese de que sobrevindo a nulidade em relação ao crime de porte, o delito de posse haveria de subsistir com escoras no depoimento de Jonas Lopes da Silva (responsável pela entrega do revólver à Apelante), essa oitiva, bem ou mal, teve igualmente relação direta com o desastroso e atabalhoado flagrante, estando igualmente contaminada.

14. Sobre o tema, é o escólio de Aury Lopes Jr:

“… O flagrante forjado existe quando é criada, forjada uma situação fática de flagrância delitiva para (tentar) legitimar a prisão. Cria-se uma situação de fato que é falsa. Exemplo típico é o enxerto de substâncias entorpecentes (ou armas) para, a partir dessa posse forjada, falsamente criada, realizar a prisão (em flagrante) do agente. É, portanto, um flagrante ilegal, até porque não existe crime. O flagrante provocado também é ilegal e ocorre quando existe uma indução, um estímulo para que o agente cometa um delito exatamente para ser preso. Trata-se daquilo que o Direito Penal chama de delito putativo por obra do agente provocador. BITENCOURT explica que isso não passa de uma cilada, uma encenação teatral, em que o agente é impelido à prática de um delito por um agente provocador, normalmente um policial ou alguém a seu serviço. É o clássico exemplo do policial que, se fazendo passar por usuário, induz alguém a vender-lhe a substância entorpecente para, a partir do resultado desse estímulo, realizar uma prisão em flagrante (que será ilegal). E uma provocação meticulosamente engendrada para fazer nascer em alguém a intenção, viciada, de praticar um delito, com o fim de prendê-lo. Penalmente, considera-se que o agente não tem qualquer possibilidade de êxito, aplicando-se a regra do crime impossível, art. 17 do CP: Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. É, portanto, ilegal o flagrante provocado.

O flagrante preparado é ilegal, pois também vinculado à existência de um crime impossível. Aqui não há indução ou provocação, senão que a preparação do flagrante é tão meticulosa e perfeita que em momento algum o bem jurídico tutelado é colocado em risco…”. (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2013. p. 815-816).

15. Ou seja, não se trata aqui de se apurar a ocorrência de delito preexistente e supostamente ultimado por ações autônomas, retórica até avalizada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, mas da total e absoluta falta de prova lícita em relação a esse antecedente, o qual, repito, acha-se supedaneado em um depoimento atingido, no mínimo por ricochete, pela eiva da ilegalidade.

16. Ante o exposto, em dissonância com a 4ª PJ, provejo o Apelo para declarando nulas as provas constantes dos autos, e na ausência doutras legítimas, absolver a Recorrente na forma do art. 386, II do CPP.

Natal, data da assinatura eletrônica.

Desembargador Saraiva Sobrinho

Relator

Natal/RN, 22 de Junho de 2021.

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