Acórdão Nº 01008078520198200145 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 19-02-2024

Data de Julgamento19 Fevereiro 2024
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo01008078520198200145
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0100807-85.2019.8.20.0145
Polo ativo
FERNANDA COLANZI DA CRUZ
Advogado(s): VITOR MANUEL PINTO DE DEUS
Polo passivo
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Advogado(s):

Apelação Criminal nº 0100807-85.2019.8.20.0145

Origem: Gabinete da UJUDOCrim de Natal

Apelante: Fernanda Colanzi da Cruz

Advogado: Vitor Manuel Pinto de Deus (OAB/RN 871-A)

Apelado: Ministério Público

Relator: Desembargador Saraiva Sobrinho

Revisor: Desembargador Glauber Rêgo

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APCRIM. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º, §2º DA LEI 12.850/13). ÉDITO CONDENATÓRIO. ROGO DE NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIO DA BUSCA PESSOAL E ESCUTA AMBIENTAL. GARANTIA CONSTITUCIONAL EXCETUADA PELAS “FUNDADAS RAZÕES”. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DECORRENTE DO COMPARTILHAMENTO DE PROVAS AUTORIZADO EM OUTRO PROCESSO. POSSIBILIDADE. MÁCULA INOCORRENTE. ALEGATIVA DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. SUPERVENIÊNCIA DO DECRETO SANCIONATÓRIO. TESE IMPRÓSPERA. PLEITO ABSOLUTIVO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELINEADAS A PARTIR DOS RELATÓRIOS TÉCNICOS, CAPTAÇÕES DE AMBIENTE E DEPOIMENTOS. ACERVO BASTANTE AO DESFECHO PUNITIVO. ESTABILIDADE, PERMANÊNCIA E DIVISÃO DE TAREFAS DEMONSTRADAS QUANTUM SATIS. TESE IMPROCEDENTE. DECOTE DA MAJORANTE DO §2º DO ART. 2º DA LEI 12.850/13. INCIDÊNCIA ESGRIMADA EM CONJUNTO PROBATÓRIO APTO A ENSEJAR O USO DE ARSENAL BÉLICO. DESCABIMENTO. DECISUM MANTIDO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos e em consonância com a 5ª PJ, conhecer e desprover o Recurso, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

1. Apelo interposto por Fernanda Colanzi da Cruz em face da sentença do Gabinete UJUDOCrim de Natal, o qual, na AP 0100807-85.2019.8.20.0145, onde se acha incursa no art. 2º, §2º da Lei 12.850/13, lhe imputou 04 anos e 06 meses de reclusão em regime semiaberto, além de 15 dias-multa (ID 17845831).

2. Segundo a exordial, “... Consta dos autos do PIC 070.2018.001430- PMJ NÍSIA FLORESTA, Processo nº 0102410-33.2018.820.045 (interceptação ambiental) e Relatórios Técnicos de Análise 366 e 368 do GAECO/RN que a denunciada acima passou a integrar (27 de setembro de 2018 a 27 de março de 2019) de forma contínua, estável e ininterrupta a organização criminosa armada, autodenominada “Sindicato do Crime ou Sindicato do RN” - “SDC, com atuação regional, que tem como finalidade a prática de crimes, especialmente os de tráfico de entorpecentes, delitos contra patrimônio, crimes relacionados à aquisição, posse, porte, guarda, manutenção em depósito, transporte, fornecimento, empréstimo e emprego de armas de fogo, além de crimes contra a vida de agentes públicos da área da segurança pública e de integrantes da facção rival PCC, entre outros, cujo comando, liderança e as principais ordens são proferidas a partir de integrantes da “Final” e do “Conselho”. Desse modo, Fernanda Colanzi da Cruz está sendo denunciada por promover, constituir, financiar ou integrar organização criminosa denominada SINDICATO DO CRIME OU SINDICATO DO RN (art. 2º, caput da Lei nº. 12.850/2012)... na qual tem função transmitir recados criminosos de presidiários custodiados no Presídio Estadual Rogério Coutinho Madruga, para os demais integrantes da facção, bem como o inverso, utilizando-se do seu título de advogada, no entanto com função diversa de patrocínio da causa processual. Tal fato foi apurado à partir do relatório nº. 15/2018 GAECO/MPRN...”. (ID 17843664).

3. Sustenta, em resumo: 3.1) nulidade processual pela ilicitude das provas; 3.2) ausência de justa causa; 3.3) fragilidade de acervo a embasar a persecutio criminis; e 3.4) fazer jus ao decote da majorante do art.2º, §2º da Lei de Organização Criminosa (ID 22062073).

4. Contrarrazões insertas nos ID 22448012.

5. Parecer pelo desprovimento (ID 22652532).

6. É o relatório.

VOTO

7. Conheço do Recurso.

8. No mais, deve ser desprovido.

9. Principiando pela nulidade do feito por ausência de mandado de busca pessoal e escuta ambiental em nome da Apelante (subitem 3.1), tenho-a por improsperável.

10. Com efeito, não se desconhece os últimos precedentes emanados das Cortes Superiores, maiormente em sede de jurisprudência vinculante, quanto às diretrizes a serem observadas nas diligências relacionadas à “busca pessoal”.

11. Todavia, a hipótese dos autos se apresenta outra, haja vista a existência de elementos caracterizadores das “fundadas razões”, centradas no fato das buscas e captações de ambiente serem realizadas em decorrência de uma investigação prévia, arrimada na suspeita da Insurgente transmitir recados criminosos de presidiários custodiados no Presídio Estadual Rogério Coutinho Madruga, para os demais integrantes da facção.

12. Forte nesses preceitos agiu acertadamente o juízo a quo ao pontuar a validade do acervo (ID 17845830):

“... No caso dos autos, entendemos que constam dos autos prova da materialidade e da autoria delitivas e nos convencemos quanto à procedência da pretensão punitiva pleiteada na inicial.

Os elementos probatórios encontram-se presentes nos relatórios da captação ambiental e da interceptação telefônica realizada nos autos da ação penal n.º 0100689-12.2019.8.20.0145, cuja prova foi emprestada a estes autos, mediante autorização judicial (ID 64906065), bem como nos Relatórios Técnicos de Análise n.º 366/2019 - GAEGO (ID 75941225) e n.º 368/2019 - GAEGO (ID 75941228).

A captação ambiental realizada demonstrou que, de fato, a parte acusada, aproveitando-se de sua atividade de advogada, durante as visitas aos detentos, levava recados, bem como de lá saía, com bilhetes/anotações, cujo conteúdo era de interesse da facção criminosa Sindicato do Crime do RN.

Como consta dos autos, em 20/03/2019, foi feita capitação ambiental durante visita realizada pela parte ré ao interno Diego Silva Alves. Na ocasião, o detento demonstra, inicialmente, que estava lendo conteúdo levado pela acusada, e, posteriormente, passa a ditar informações que seriam repesadas pela ré aos membros da facção indicados pelo detento. Na oportunidade, o detento falou sobre sua preocupação com a destinação de uma “peça” (droga), bem como falou sobre armas de fogo (“macaquinha” e “lepo lepo”), e, ainda, sobre atentados à facção rival, planejando “organizar a tomada do MOSQUITO e depois os BARREIROS e OLHO D’ÁGUA...”.

13. Ainda não bastasse, o acesso as interceptações detentoras das evidências do envolvimento da Apelante no grupo criminoso foram previamente autorizadas em sede judicial, tratando-se de prova autônoma e independente, inexistindo, em absoluto, desrespeito às garantias constitucionais, como vem entendendo o STJ:

FRAUDE À LICITAÇÃO. AÇÃO PENAL DEFLAGRADA COM BASE EM INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DECORRENTE DO COMPARTILHAMENTO DE PROVAS AUTORIZADO EM OUTRO PROCESSO. POSSIBILIDADE. IRRELEVÂNCIA DO FATO IMPUTADO AO RECORRENTE SER PUNIDO COM DETENÇÃO. QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO AUTORIZADA EM INVESTIGAÇÃO EM QUE APURADOS DELITOS APENADOS COM RECLUSÃO. MÁCULA INEXISTENTE.

1. Se a autoridade policial, em decorrência de interceptações telefônicas legalmente autorizadas, tem notícia do cometimento de novos ilícitos por parte daqueles cujas conversas foram monitoradas ou mesmo de terceiros, é sua obrigação e dever funcional apurá-los, ainda que não possuam liame algum com os delitos cuja suspeita originariamente ensejou a quebra do sigilo telefônico. Doutrina. Precedentes. 2. Tal entendimento é aplicável ainda que as infrações descobertas fortuitamente sejam punidas com detenção, pois o que a Lei 9.296/1996 veda é o deferimento da quebra do sigilo telefônico para apurar delito que não seja apenado com reclusão, não proibindo, todavia, que o referido meio de prova seja utilizado quando há, durante a implementação da medida, a descoberta fortuita de eventuais ilícitos que não atendem a tal requisito. Precedentes do STJ e do STF. 3. No caso dos autos, as interceptações telefônicas foram inicialmente autorizadas para apurar os crimes de corrupção ativa e passiva e organização criminosa, sendo que, no curso da medida, logrou-se descobrir que os investigados também eram responsáveis por fraudes à licitações em diversos Municípios, não havendo que se falar, assim, em nulidade das provas obtidas com a quebra de sigilo telefônico... (AgRg no RHC n. 114.973/SC, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 19/5/2020, DJe de 27/5/2020).

14. No mesmo sentido, bem pontou a douta PJ (ID 22652532):

“... Ademais, com respeito à nulidade da busca pessoal realizada na advogada Raquel Dantas Revoredo, tem-se que a medida foi motivada pelo comportamento suspeito da investigada, que mantinha contato com presos aos quais não realizava atividades profissionais, tendo os policiais fundadas razões para agir no cumprimento da diligência investigativa, que foi autorizada judicialmente.

E como bem salientou o Órgão Ministerial em sede de contrarrazões, “não há falar em violação ao art. 133 da CF e art. 7º, inciso II, da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), porquanto não se tratam de normas de caráter absoluto (Lei n.º 8.906/94)”, além do que, está “clarividente que as condutas atribuídas à advogada Raquel Dantas Revoredo nada dizem respeito ao exercício da atividade profissional de advogada, mas, sim, ao exercício de suas funções dentro da estrutura da organização criminosa Sindicato do Crime” (ID 22448012 - Pág. 5). Com relação à escuta ambiental realizada contra a apelante, a Defesa sustenta que os “alvos” não foram autorizados judicialmente, todavia, tal argumento não condiz com a verdade, uma que na decisão que autorizou a medida cautelar de escuta ambiental consta, expressamente, o nome da requerente (ID 17845811 - Pág. 11/22), de forma que não há que se falar em nulidade no presente ponto. Impõe-se, desta...

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