Acórdão Nº 01009550920208200001 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Câmara Criminal, 16-12-2021

Data de Julgamento16 Dezembro 2021
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo01009550920208200001
ÓrgãoCâmara Criminal
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
CÂMARA CRIMINAL

Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0100955-09.2020.8.20.0001
Polo ativo
MPRN - 18ª PROMOTORIA NATAL e outros
Advogado(s):
Polo passivo
ALECSANDRO ROBERTO DE SOUZA e outros
Advogado(s):

Apelação Criminal nº 0100955-09.2020.8.20.0001

Origem: 9ª Vara Criminal da Comarca de Natal.

Apelante: Alecsandro Roberto de Souza.

Rep.: Defensoria Pública.

Apelado: Ministério Público.

Relator: Desembargador Saraiva Sobrinho

EMENTA: PENAL. APCRIM. FURTO SIMPLES E USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 155, CAPUT, E 304 DO CP). PRETENSO RECONHECIMENTO DA INSIGNIFICÂNCIA. REITERAÇÃO DELITIVA CERTIFICADA DENOTANDO MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA. VALOR CONSIDERÁVEL DA RES FURTIVA. ÓBICE À BAGATELA. PLEITO DESCLASSIFICATÓRIO PARA MODALIDADE TENTADA. INVERSÃO DA POSSE DO BEM. TEORIA DA APPREHENSIO OU AMOTIO. TESE IMPRÓSPERA. PEDIDO ABSOLUTÓRIO DO USO DE DOCUMENTO FALSO. RETÓRICA DA AUTODEFESA INSERVÍVEL. ENTENDIMENTO ASSENTE DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. DESCABIMENTO. ROGO DE ARREFECIMENTO DA PENA-BASE. PROFICUIDADE NA DESVALORAÇÃO DO VETOR “CULPABILIDADE”. QUANTUM ARBITRADO DE FORMA ESCORREITA E PROPORCIONAL. INTENTO REVOGATÓRIO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA. CONSTRIÇÃO PRESERVADA EM SALVAGUARDA À ORDEM PÚBLICA, DEVENDO, CONTUDO, SER ADAPTADA AO REGIME SEMIABERTO. DECISUM REFORMADO NESSA PARTE. PRECEDENTES. CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores integrantes da Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos e em consonância com a 2ª Procuradoria de Justiça, conhecer e prover parcialmente o Apelo, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

1. Apelo interposto por Alecsandro Roberto de Souza em face da sentença do Juiz da 9ª VCrim da Comarca de Natal, o qual, na AP 0100955-09.2020.8.20.0001, onde se acha incurso nos arts. 155, caput, e 304 do CP, lhe imputou 04 (quatro) anos e 03 (três) meses de reclusão em regime semiaberto, e 32 (trinta e dois) dias-multa (ID 8696320).

2. Segundo o reproduzido no édito condenatório, ... no dia 03 de fevereiro de 2020, por volta das 12h20, no interior da loja Rio Center ... subtraiu para si coisas alheias móveis, consistentes em 7 (sete) bermudas masculinas pertencentes ao estabelecimento comercial, além de ter feito, em seguida, uso de documento falsificado ... quando abordados pelos policiais militares ....

3. Aduz, em síntese (ID 8845345):

3.1) incidência do princípio da insignificância decorrente do ínfimo valor da res furtiva (07 bermudas);

3.2) necessidade de desclassificação para modalidade tentada;

3.3) atipicidade do uso de documento falso, com amparo no preceito da autodefesa;

3.4) inidoneidade dos fundamentos utilizados para desvalorar o vetor “culpabilidade”, além da desproporcionalidade no seu cálculo; e

3.5) ausência dos requisitos para manutenção da preventiva e, em última análise, sua incompatibilidade com o regime fixado (semiaberto).

4. Contrarrazões ofertadas (ID 11983080).

5. Parecer pelo provimento parcial (ID 12061494).

6. É o relatório.

VOTO

7. Conheço do Apelo.

8. No mais, merece prosperar em parte.

9. Principiando pelo almejado acolhimento da bagatela no delito de furto (subitem 3.1), deveras insubsistente.

10. Com efeito, além de não ser irrisório o produto do crime patrimonial (07 bermudas avaliadas em R$ 800,00), milita em desfavor do Recorrente a contumácia delitiva, sendo bastante, pois, a obstar a benesse, como bem ponderado pela 2ª PJ (ID 12061494):


“[...] No tocante à “ausência total de periculosidade social da ação”, tal requisito condiciona a aplicabilidade da bagatela à inexistência de qualquer risco sofrido pela sociedade com a conduta praticada pelo agente. No caso ora analisado, constata-se que a ação delitiva do apelante, embora não seja expressivamente ofensiva por si só, demonstrou ser de relevante perigo e interesse social, considerando a reiteração em atividade criminosa pelo recorrente que responde a três outros processos (ID Num. 8696320 - Pág. 5).

No que tange ao “reduzidíssimo grau de reprovabilidade da conduta”, tem-se que a ação do réu deve ser, no mínimo, compreensível e aceita, não podendo gozar de relevante reprovabilidade social. No caso em tela, a conduta é reprovável, tanto pelo fato de que o agente responde a outros três processos, o que indica uma conduta delitiva reiterada e que deve ser coibida, quanto pelo ardil que caracterizou a ação, ao utilizar de uma bolsa com revestimento de material que impedia a detectação dos produtos furtados pelo sistema de alarme do estabelecimento comercial.

Por último, por “inexpressividade da lesão jurídica provocada”, analisa-se se o dano ao patrimônio foi ou não relevante, averiguando-se a condição pessoal da vítima. No presente caso, o bem subtraído, 7 (sete) bermudas masculinas, no valor de estimado de R$ 800,00 (oitocentos reais), ultrapassa 10% (dez por cento) do salário mínimo vigente à época dos fatos, sendo este, R$1.045,00 (mil e quarenta e cinco reais). [...]”.


11. Lado outro, conhecendo o desenho da cena delitiva, não se cogita a ideia de crime tentado (subitem 3.2), porquanto as elementares apuradas transparecem a retirada dos bens do interior do estabelecimento, portanto, restou consumada a inversão da posse atalhada apenasmente com a abordagem pelos agentes de segurança.

12. A propósito, “[...] Acerca do momento consumativo do crime de roubo e de furto, é assente a adoção da teoria da amotio por esta Corte e pelo Supremo Tribunal Federal, segundo a qual os referidos crimes patrimoniais se consumam no momento da inversão da posse, tornando-se o agente efetivo possuidor da coisa, ainda que não seja de forma mansa e pacífica, sendo prescindível que o objeto subtraído saia da esfera de vigilância da vítima ou que seja devolvido pouco tempo depois.[...]” (HC 618.290/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 17/11/2020, DJe 23/11/2020).

13. Transpondo à suposta atipicidade do uso de documento falso (subitem 3.3), a jurisprudência pátria refuta, em todos os termos, a tese soerguida da autodefesa, a exemplo de aresto da lavra do Ministro Rogério Schietti:

“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. AUTODEFESA. INVIABILIDADE. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO OCORRÊNCIA. DOSIMETRIA. PRETENSÃO AO AFASTAMENTO DE MAUS ANTECEDENTES. CONDENAÇÃO QUE ULTRAPASSA O PERÍODO DEPURADOR DE CINCO ANOS. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. AGRAVANTE DO ART. 61, II, B, DO CP. INCIDÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. [...] 2. A utilização de documento falsificado, a fim de ocultar a condição de foragido da justiça, como exercício da autodefesa, não é admitida por esta Corte Superior, independente de solicitação da autoridade policial para apresentar o documento. [...] 5. Agravo regimental não provido.” (AgRg no HC 557.776/ES, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 10/08/2021, DJe 16/08/2021)


14. No respeitante ao inconformismo na primeira fase da dosimetria (subitem 3.4), mais uma vez insustentável.

15. A uma, pela proficuidade na motivação levada a efeito pelo Sentenciante para desabonar a circunstância “culpabilidade” (utilização de artifício para burlar a vigilância ao isolar etiqueta eletrônica), mormente por ser desbordante do tipo penal e, daí, merecedor de maior reprovabilidade.

16. A duas, em virtude da proporcionalidade do incremento na sanção basilar, até em razão da desfavorabilidade, também, dos antecedentes criminais, com respaldo na discricionariedade vinculada do julgador:

“[...] A legislação penal não estabeleceu nenhum critério matemático (fração) para a fixação da pena na primeira fase da dosimetria. Nessa linha, a jurisprudência desta Corte tem admitido desde a aplicação de frações de aumento para cada vetorial negativa: 1/8, a incidir sobre o intervalo de apenamento previsto no preceito secundário do tipo penal incriminador (HC n. 463.936/SP, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 14/9/2018); ou 1/6 (HC n. 475.360/SP, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 3/12/2018); como também a fixação da pena-base sem a adoção de nenhum critério matemático. [...] Não há falar em um critério matemático impositivo estabelecido pela jurisprudência desta Corte, mas, sim, em um controle de legalidade do critério eleito pela instância ordinária, de modo a averiguar se a pena- base foi estabelecida mediante o uso de fundamentação idônea e concreta (discricionariedade vinculada)’. 5. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1919602/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 19/10/2021, DJe 25/10/2021)


17. Por derradeiro, malgrado presentes os requisitos da preventiva insertos no arts. 311 e ss do CPP (subitem 3.5), notadamente a garantia da ordem pública fulcrada na renitência delitiva, torna-se premente a adequação do cárcere ao regime intermediário imposto no édito, merecendo reforma, portanto, nesse aspecto.

18. A propósito, sobre a temática recentemente decidiu a Suprema Corte:

“Agravo regimental em habeas corpus. 2. Prisão preventiva. Manutenção por sentença. 3. Mérito do habeas corpus pendente de apreciação no Superior Tribunal de Justiça. Óbice da Súmula 691. 4. Não há constrangimento ilegal em sentença que impõe pena a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto, mas determina que a prisão preventiva seja adequada às condições de tal regime. Precedentes. 5. Agravo regimental desprovido.” (HC 198433 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/05/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-101 DIVULG 26-05-2021 PUBLIC 27-05-2021).

19. Destarte, em consonância com a 2ª Procuradoria de Justiça, provejo parcialmente o Apelo tão somente para harmonizar a constrição cautelar ao regime semiaberto.

Natal, data da assinatura eletrônica.

Desembargador Saraiva Sobrinho

Relator

Natal/RN, 16 de Dezembro de 2021.

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