Acórdão Nº 01011329420188200145 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 21-07-2023

Data de Julgamento21 Julho 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Número do processo01011329420188200145
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0101132-94.2018.8.20.0145
Polo ativo
LEANDRO COSTA DA SILVA e outros
Advogado(s): EUGENIO GALVAO GONDIM FILHO, LARYSSA ALMEIDA GONDIM
Polo passivo
MPRN - 2ª Promotoria Nísia Floresta
Advogado(s):

EMENTA: AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A PRETENSÃO AUTORAL PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DETERMINAÇÃO DE PARALISAÇÃO DE QUALQUER ATIVIDADE DESENVOLVIDA E DEMOLIÇÃO DO IMÓVEL LOCALIZADO ÀS MARGENS DA LAGOA DE ALCAÇUZ. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE PLANO DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE (APP) PELO IDEMA. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE DEMANDADA. BUSCA DE DESCONSTITUIÇÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. IRREGULARIDADES CONSTATADAS POR RELATÓRIO EXPEDIDO PELO IDEMA. DESOBEDIÊNCIA ÀS EXIGÊNCIAS ESTABELECIDAS NAS NORMAS REGULAMENTADORAS. VIOLAÇÃO AO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 225 DA CF/88. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO. PRECEDENTES.


ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em consonância com o parecer ministerial, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora.

RELATÓRIO

Apelação Cível interposta pelo LEANDRO COSTA DA SILVA (Id. 18177069) contra sentença (Id. 18177064) proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Nísia Floresta/RN que, nos autos da Ação Civil Pública nº 0101132-94.2018.8.20.0145 movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – 2ª PROMOTORIA DE NÍSIA FLORESTA, julgou procedente o pleito autoral, nos seguintes termos:


Ante o exposto, CONFIRMO a decisão que deferiu a tutela provisória e, no mérito, JULGO PROCEDENTE a pretensão autoral, com fundamento no art. 487, I, do CPC, para condenar o demandado Leandro Costa da Silva nas seguintes obrigações:


obrigação de não fazer consistente na paralisação de qualquer atividade que esteja eventualmente sendo desenvolvida no imóvel;


obrigação de demolir o imóvel, a ser custeada pelo requerido, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado, removendo os entulhos e destinando-os ao local adequado;


obrigação de apresentar ao IDEMA, no prazo de 120 dias após o trânsito em julgado, plano de recuperação da Área de Preservação Permanente, subscrito por profissional devidamente habilitado, mediante anotação de responsabilidade técnica;


obrigação de iniciar a implementação do PRAD, tão logo haja aprovação no IDEMA, devendo concluído em prazo não superior a 120 dias, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, limitada a R$ 100.000,00, sem prejuízo de eventual majoração em caso de descumprimento.


Ademais, declaro nulo o alvará expedido pelo Município de Nísia Floresta concedido ao demandado para a construção do imóvel versado nos autos.


Em suas razões, suscitou nulidade da sentença por cerceamento de defesa, sob o argumento de que o entendimento exarado pelo magistrado sobre a desnecessidade da audiência de instrução e julgamento colidiu com o disposto no art. 369 do CPC, tendo sido dificultado possíveis depoimentos do demandante e realização de perícias in loco, com a finalidade de mensurar o dano ambiental.


Ainda, alegou que “a Sentença ora atacada além de divergir no tocante ao enquadramento legal da Área de Preservação Permanente a ser protegida, ora citando vegetação, rios e dunas, quando em verdade o corpo hídrico ora tutelado se trata de Lagoa conforme dispõe o regramento legal”, assim, diante da não observância dos critérios de proporcionalidade e exatidão, pugnou pela concessão de efeito suspensivo, bem como o conhecimento e provimento do apelo para reformar a sentença a quo.


Preparo recolhido e comprovado (Id. 18177070).


Contrarrazões apresentadas (Id. 18177076), rebatendo os argumentos do apelante.


O Ministério Público, por meio do seu 16º Procurador de Justiça, Arly Maia, apresentou parecer pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Id. 19030797).


É o relatório

VOTO

PREJUDICIAL DE NULIDADE DE SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA

O apelante alegou que ao dispensar a realização da instrução o magistrado de primeiro grau violou o seu direito de demonstrar a veracidade de suas alegações capazes de influir na livre convicção do douto Juízo (art. 369 do CPC).


Todavia, o Juiz é o destinatário final das provas, cabendo a ele determinar as que entende necessárias ou não à instrução do processo, portanto, não entendo configurada a prejudicial suscitada, pois o magistrado compreendeu pela desnecessidade de sua realização diante do demasiado acervo probatório documental colacionado aos autos, com fundamento no art. 370, parágrafo único do CPC, não havendo o que se falar em afronta ao art. 369 do CPC.


Portanto, rejeito a prejudicial.


MÉRITO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.


Pois bem. A tutela do meio ambiente tem assento no art. 225 da Constituição Federal, a qual determina ser dever do Poder Público e de toda coletividade a preservação e defesa deste para as gerações presentes e futuras.


Segundo o Código Florestal, considera-se área de preservação permanente “a área coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.”


Por sua vez, a Resolução nº 303 do CONAMA, diz que são Áreas de Preservação Permanente (APP):


Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

(...)

III - ao redor de lagos e lagoas naturais, em faixa com metragem mínima de:

a) trinta metros, para os que estejam situados em áreas urbanas consolidadas;

b) cem metros, para as que estejam em áreas rurais, exceto os corpos d'água com até vinte hectares de superfície, cuja faixa marginal será de cinqüenta metros;"


Tais critérios foram repercutidos e considerados no novo Código Florestal (Lei Federal n.º 12.651/12), em seu art. 4º, inciso II:


Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

(…)

II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:

a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;

b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;


No caso em tela, a área do imóvel onde está localizada a lagoa em litígio, segundo auto de infração apresentado pelo IDEMA (Id. 18177024 - Pág. 11), elaborado em 2018, encontra-se inserido na Área de Preservação Permanente (APP) do corpo hídrico Lagoa de Alcaçuz, bem como na Área de Proteção Ambiental Bonfim-Guaraíras, daí porque o apelante está descumprindo o art. 4º, II, “a” da Lei 12.651/2012, bem como sua conduta é considerada infração ambiental nos termos do art. 70 da Lei nº 9.605/1998, tendo em vista a ausência de autorização para a edificação naquela localidade. Destaco:


Infração:

Em atendimento ao Documento nº 2018/0000049691, formalizada nos autos do Processo IDEMA nº 2018-118994/TC/DOEXT-0207, a qual solicita realização de vistoria a fim de identificar a existência de uma construção nas margens da Lagoa de Alcaçuz, onde funcionará um restaurante, no Município de Nísia Floresta/RN. Desse modo, conforme Relatório de Vistoria presente nos autos do Processo em comento verificou-se que o imóvel já se encontra completamente edificado, nas margens da Lagoa de Alcaçuz. Dessa forma, conforme Mapa elaborado pelo Setor de Geoprocessamento deste Instituto verificou-se que o referido empreendimento fora edificado em Área de Preservação Permanente do referido corpo hídrico bem como na APA Bonfim-Guaraíras, onde a referida edificação não dispõe de Autorização Ambiental, o que caracteriza intervenção verificada como irregular.

(…)

Disposição Normativa Aplicada/Artigo:

Art. 4, II, “a” da Lei 12.651/2012; Art. 28 da Lei 9985/00; Art. 90 do Decreto nº 6514/2008; Art. 70, §1º da Lei 9605/98.


De fato, o art. 8º da Lei 12.651/2012 (Código Florestal) estabelece que “a intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei”.


Complemento, também, que se encontra vigente a Resolução CONAMA nº 369/2006, que trata dos casos excepcionais de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente-APP.


Além disso, destaco que tais resoluções já foram consideradas plenamente válidas em contraponto à legislação local, conforme decisão proferida no AREsp 161082, da lavra da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Regina Helena Costa, verbis:


A alegação de ser inconstitucional a Resolução CONAMA por pretender criar área de preservação permanente não imposta pela lei não merece ser albergada, pois as resoluções provenientes do CONAMA encontram alicerce no Decreto Federal n° 99.274/90 que dispõe sobre a aplicação da Lei n° 6.938/81".


No presente caso, o particular, como visto, não preencheu todos os requisitos legais, a exemplo do licenciamento ambiental, uma vez que a ocupação é desordenada, sem qualquer preocupação com o local onde exercida a atividade.


Analisando o caso dos autos, conforme demonstrado em relatório do IDEMA, há indicativos de prejuízos ao meio ambiente, bem como de má-fé dos empreendedores, haja vista a inércia destes em buscar o devido licenciamento. Enfim, há violação das condicionantes legais que se encontram direcionadas em apenas um sentido interpretativo.


Como dito, o espaço objeto da lide é área de preservação ambiental. De fato, conforme os elementos dos autos, o espaço vem sendo ocupado irregularmente, inclusive com base nos relatórios do órgão responsável, o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT