Acórdão Nº 01032279720168200103 de TJRN. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Segunda Câmara Cível, 23-01-2020

Data de Julgamento23 Janeiro 2020
Tipo de documentoAcórdão
Número do processo01032279720168200103
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0103227-97.2016.8.20.0103
Polo ativo
JOSE IVAN BEZERRA DOS SANTOS - ME
Advogado(s): THIAGO ARAUJO SOARES
Polo passivo
GAID CONSTRUCOES LTDA
Advogado(s): JOAO GUSTAVO COELHO GOMES GUIMARAES

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE VEÍCULO. INCÊNDIO DE ÔNIBUS. LOCATÁRIO QUE TEM O DEVE DE PRESTAR OS CUIDADOS COM A COISA. DANO MORAL E MATERIAL CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR. REDUÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1. É dever do locatário restitui o bem móvel no estado em que recebeu e, verificada a impossibilidade de devolução da coisa é cabível a indenização por perdas e danos.

2. Afasta-se a tese de caso fortuito, já que o apelante foi comunicado sobre os atentados naquele dia, não tendo tomado nenhuma medida para evitar o incêndio no ônibus, agindo com negligência no dever de cuidado com a coisa locada.

3. A responsabilidade civil da apelante, vez que não restou comprovado o nexo causal e o dano sofrido, inexistindo o dever de indenizar.

4. Precedentes do TJSP (Apelação Cível 0017521-80.2011.8.26.0451; Relator (a): Leonel Costa; Órgão Julgador: 11ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro de Piracicaba - 6ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 20/08/2014; Data de Registro: 27/08/2014).

5. Recurso conhecido e parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas.

Acordam os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, por maioria de votos, conhecer e dar parcial provimento ao apelo, reformando a sentença apenas para reduzir o valor da indenização por danos morais em R$10.000,00, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste. Vencidos os Desembargadores Maria Zeneide Bezerra e Eduardo Pinheiro (Juiz convocado), que afastavam a condenação por danos morais.

RELATÓRIO

1. Trata-se de Apelação Cível interposta pela GAID CONSTRUTORA LTDA em face de sentença proferida (Id. 4086515), pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Currais Novos/RN, que, nos autos da Ação Indenizatória por Danos Morais e Materiais nº 0103227-97.2016.8.20.0103, ajuizada por JOSÉ IVAN BEZERRA DOS SANTOS ME, julgou procedente o pedido inicial, para condenar o demandado/apelante ao pagamento da indenização por danos materiais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), lucros cessantes no valor de R$ 7.000,00 (sete mil) e indenização pelos danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

2. Diante da sucumbência, a ré, ora recorrente, foi condenada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.

3. Em suas razões da apelação (Id. 4086516), requereu o apelante o provimento do apelo para afastar qualquer culpa, isentando do pagamento da indenização por danos morais e materiais, haja vista a ocorrência de culpa concorrente.

4. Intimada, a parte apelada apresentou as contrarrazões (Id. 4086518), em que refutou os argumentos deduzidos no apelo e, ao final, pugnou pelo seu desprovimento.

5. Instada a se manifestar, Dra. Sayonara Café de Melo, Décima Quarta Procuradora de Justiça, deixou de opinar no feito por entender inexistir interesse ministerial (Id. 4176308).

6. É o relatório.

VOTO

7. Conheço do recurso.

6. Pretende o apelante a reforma da sentença para afastar a responsabilidade pelos danos ocasionados ao apelado com o incêndio do ônibus, objeto de contrato de locação.

8. As partes celebraram no dia 10/05/2016 um contrato de locação de um ônibus Mercedes Bens, modelo Marcopolo Viale, ano 2002, vigente até a data 30/09/2016, o qual seria utilizado para fazer o transporte dos funcionários da empresa apelante.

9. Ocorre que, no dia 29/07/2016 atearam fogo no veículo durante a vigência do contrato de locação, enquanto o mesmo encontrava-se estacionado na rua em frente à residência do motorista da empresa/apelante.

10. Sobre o assunto, deve-se analisar se estão presentes os requisitos delineados nos arts. 186 e 927 do Código Civil, in verbis:

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." (grifo acrescido)

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo." (grifo acrescido)

11. Com efeito, para a configuração da obrigação de indenizar por ato ilícito exige-se a presença de três elementos indispensáveis que, no dizer de Sergio Cavalieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil, 10ª edição, ed. Atlas, São Paulo, 2012, p. 19, constituem-se:

"Há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. Esses três elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art. 186 do Código Civil, mediante simples análise do seu texto, a saber:

a) conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão 'aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia;

b) nexo causal, que vem expresso no verbo causar; e

c) dano, revelado nas expressões 'violar direito ou causar dano a outrem".

12. Sabe-se que é dever do locatário restitui o bem móvel no estado em que recebeu e, verificada a impossibilidade de devolução da coisa é cabível a indenização por perdas e danos.

13. Na data em que houve o incêndio ao ônibus, era do conhecimento de todos os atos praticados por organizações criminosas em todo o Estado do Rio Grande do Norte, não sendo diferente com o veículo locado pelo apelante, posto que estava estacionado em lugar inapropriado.

14. Ademais, afasta-se a tese de caso fortuito, já que o apelante foi comunicado sobre os atentados naquele dia, não tendo tomado nenhuma medida para evitar o incêndio no ônibus, agindo com negligência no dever de cuidado com a coisa locada.

15. Do mesmo modo, não há que se falar em culpa concorrente do Estado, no que concerne a sua omissão em garantir a segurança da população, podendo o apelante ingressar com uma ação regressiva para atribuir ao ente público a responsabilidade pelo fato ocorrido.

16. Assim, não merece reforma a sentença que condenou o apelante ao pagamento da indenização por danos materiais e lucros cessantes, já que o contrato ainda estava vigente, sendo devido o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) referente ao preço médio do veículo e a quantia de R$ 7.000,00 (sete mil reais) referente aos meses restantes do contrato de locação.

17. Acerca do dano moral, verifica-se que restou configurado o dano, posto que ao saber dos acontecimentos realizados pelas organizações criminosas, tomou a iniciativa de proteger o bem informando ao apelante e pedindo para não deixa-lo em local público.

18. Desse modo encontra-se presente a responsabilidade civil da apelante, vez que não restou comprovado o nexo causal e o dano sofrido, inexistindo o dever de indenizar.

19. Em relação ao quantum indenizatório por danos morais, há que se utilizar dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que não existem critérios taxativos que fixem os parâmetros da indenização.

20. O certo é que tal valor deve servir às finalidades da reparação, mas deve conter a parcimônia necessária a fim de evitar que a quantia se desvirtue de seu destino, constituindo-se fonte de enriquecimento sem causa.

21. No caso concreto, observando os parâmetros assegurados por esta Corte, entendo que deve ser reformada a sentença para reduzir o valor atribuído a indenização em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

22. Sobre o assunto colaciono o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vejamos:

AÇÃO DE COBRANÇA LOCAÇÃO DE BEM MÓVEL FURTO DE EQUIPAMENTO DA LOCADORA NAS DEPENDÊNCIAS DA LOCATÁRIA Dever do locatório de restituir a coisa no estado em que recebeu Verificada a impossibilidade, subsiste à locadora o direito de perceber indenização equivalente, na forma contratada Responsabilidade em caso de caso fortuito e força maior assumida pela locatária - Exegese do artigo 393 do Código Civil - Entendimento deste E. Tribunal de Justiça. Recurso de apelação não provido.
(TJSP; Apelação Cível 0017521-80.2011.8.26.0451; Relator (a): Leonel Costa; Órgão Julgador: 11ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro de Piracicaba - 6ª.
Vara Cível; Data do Julgamento: 20/08/2014; Data de Registro: 27/08/2014)

23. Pelo exposto, conheço e dou parcial provimento ao apelo, reformando a sentença apenas para reduzir o valor da indenização por danos morais em R$10.000,00.

24. É como voto.

Desembargador VIRGÍLIO MACEDO Jr.

Relator

Natal/RN, 21 de January de 2020.

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